Para bispo, aborto foi usado para tirar distribuição de renda do debate eleitoral
Dom Angelico Sandalo condena uso da Igreja para fins eleitorais e lembra que papa também criticou outros temas, como uso da propriedade e a riqueza
Publicado 29/10/2010 - 16h43
São Paulo – “É tirar o texto do contexto para virar pretexto”, diz dom Angélico Sândalo Bernardino, ex-bispo de Blumenau. Ele usou as palavras para explicar como vê o retorno do debate sobre a prática do aborto na arena eleitoral, após o papa Bento XVI ter orientado bispos a emitir juízo moral, mesmo em questões políticas.
Em entrevista à Rede Brasil Atual, dom Angélico disse ser desonesto fazer o papa de cabo eleitoral e reafirmou que a Igreja não deve ter partido político nem candidato. “Os católicos apostólicos romanos já foram orientados. Não faz o menor sentido esse assunto voltar à tona. Não cabe a nós, bispos, apontar ou proibir determinado partido ou candidato. Devemos deixar para a maturidade do eleitor a responsabilidade da eleição”, ressalta.
Ao contrário do que muitos interpretaram, para o bispo, o papa não tinha qualquer “intenção eleitoreira” em seu discurso, já que ele falava para um grupo restrito de determinada região do Brasil, o Maranhão.
“O aborto é bandeira que a Igreja levanta no mundo todo, e a Igreja realmente é contra. Não há novidade nenhuma nisso e no fato de que nós devemos sempre orientar os fieis. Além dos mais, temos outros princípios morais, de justiça e ética a respeito da pobreza, do uso da propriedade, da riqueza que se acumula nas mãos de poucos, da miséria, da guerra, da corrida armamentista, enfim, de tudo que fere a dignidade humana. O leque é muito vasto. Mas resolveram só falar do aborto”, condena o religioso.
Na opinião de dom Angélico, Bento XVI estava apenas cumprindo protocolo da doutrina social da Igreja, sem intenções de manipular as eleições presidenciais no Brasil. Ele afirma que a responsabilidade episcopal é muito vasta e, ao receber visitas, Bento XVI tem falado de muitos assuntos, como o acúmulo de riqueza e a exploração de menores.
Temas como esses, relevantes para a pauta das eleições, foram deixados de lado. Na visão do bispo, a razão para isso pode estar no fato de que discutir distribuição de renda não interessa aos “polemizadores do aborto”. O que houve, para o bispo, foi a apropriação de algo que é assunto corriqueiro na Igreja para fins eleitorais.
“Isso é instrumentalização. O Papa falou o que fala dentro e fora das eleições. E vale para o Brasil, a Alemanha, a Rússia, a China. Não faz sentido trazer para o debate político. Até mesmo porque, tanto o candidato José Serra (PSDB) quanto a candidata Dilma Rousseff (PT) já se pronunciaram contra o aborto. Vamos discutir os temas da pauta eleitoral”, protestou dom Angélico.
Sobre a Igreja ter sido pressionada pela mídia quando o tema eclodiu nas eleições presidenciais, o bispo lembrou que, apesar de a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em três declarações distintas, ter pontuado que a Igreja não apoia nem partido nem candidato, a Comissão em Defesa da Vida do estado de São Paulo divulgou nota incitando os fiéis a não votar em Dilma. A Regional Sul 1 da CNBB produziu um folheto no mesmo sentido.
“Isso foi completamente contra a orientação da CNBB. Mas é bom que se diga que os próprios bispos do estado de São Paulo, reunidos em Itaici (interior paulista) há poucos dias, fizeram declaração, dizendo-se em sintonia com as declarações da CNBB”, comenta.
Colaborou Suzana Vier
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