O dia em que o medo deu ‘até logo’

Em Brasília, militantes esperaram fechamento das urnas para soltar o grito, em uma campanha tensa e marcada pela discussão de temas polêmicos

Após divulgação do resultado oficial, eleitores foram às ruas pela vitória de Dilma (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)

Brasília – Eram cinco da tarde de domingo quando o grito começou a sair em definitivo da garganta. Até então, o receio de que os institutos de pesquisa tivessem cometido um erro gigantesco fazia com que se mantivesse a cautela. A remota possibilidade de que se repetisse a decepção do primeiro turno fez com que todos ficassem vigilantes, trabalhando exaustivamente até o último minuto.

Mas a experiência de cinco eleições presidenciais anteriores foi dando o sentimento positivo de que a vitória estava a caminho. No saguão do hotel de Brasília escolhido para a festa, chegavam velhos de guerra que estão acostumados a detectar, ao longo de um dia de eleição, qual será o desfecho. Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República e um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, apostava até mesmo em uma vantagem mais folgada que a apontada pelos institutos. Amigos e correligionários se abraçavam, gritavam, choravam, como se estivessem em uma grande festa de ano novo.

Enquanto líderes políticos começavam as discussões sobre divisão de cargos e a necessidade de aprovação de reformas estruturais, uma parte da militância petista se juntava na frente do hotel para fazer a festa. Outra parte, a maioria, encaminhava-se para a festa organizada na Esplanada dos Ministérios.

Era hora de soltar o grito. Uma das campanhas mais tensas da curta história democrática brasileira chegava ao fim. O medo de que o projeto tão caro ao povo brasileiro fosse interrompido dava adeus. Marilene Maria de Sousa, funcionária do governo do Distrito Federal, só aceitou cantar vitória depois da apuração. Mas cantou direito. Foi à Esplanada com bandeira e adesivos para celebrar a continuidade de um “governo do povo, com o povo, para o povo.”

Ana Ribas, advogada, admitia ter adotado a tática da precaução, mas evitava falar em medo: “Não queria voltar àquilo que era antes, em que a gente não saía do lugar.” Com bandeira em uma mão e cerveja na outra, ela finalmente desfrutava os melhores momentos de uma campanha restrita aos que têm nervos de aço. Na Esplanada, o governador eleito do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), fazia um discurso pedindo que se começasse um ciclo de mudanças. A população gritava “Roriz nunca mais”, uma referência ao ex-governador Joaquim Roriz, envolvido em inúmeras denúncias de corrupção. 

A dobradinha Agnelo-Dilma fez da festa algo ainda mais especial. Sob o som de “É hoje”, quase um hino dessas horas de vitória, milhares de pessoas celebravam. Um menino que não devia ter mais de três anos vestia  uma capa com a estrela do PT e uma camiseta em que figurava a palavra “Lula”. Ele será dos poucos presentes que dificilmente lembrarão desta data no futuro. Para a maioria, 31 de outubro de 2010 entra para a história como uma dia de catarse, de euforia.

A poucas quadras dali, no Hotel Naoum, a socióloga Natasha Antony celebrava o fim de uma campanha em que o machismo e o conservadorismo ficaram claros. Para ela, a questão de gênero precisa ser superada, levando-se a uma discussão mais séria sobre o aborto, tema central na virada do primeiro para segundo turno.

Assim como foi superado o medo que ela sentiu por conta da campanha de “muita baixaria e muita mentira”. A vitória, para esta jovem empunhando uma bandeira do PT, sela a continuidade de um projeto que contribui para a diminuição dos problemas dos pobres. “Foi a diferença entre uma campanha limpa, verdadeira, em que a gente tinha um projeto político, e uma campanha sem propostas. Não vi projeto político nenhum do Serra. Foi só trololó”, ironizava.

Enquanto isso, uma multidão aplaudia os líderes que chegavam ao local – houve ovação até mesmo a inimigos do passado, e o vice-presidente, Michel Temer, visto de forma enviezada por parte da militância, ganhava agora um voto de confiança. Era o ápice de uma união que se deu, como disse Dilma, pela esperança e pelo amor, contra o medo e o ódio. Jesus Ribeiro, administrador hoteleiro otimista com os altos ganhos dos últimos anos, acha natural que haja uma disputa acirrada durante a campanha. “É um país pujante. Como está muito bem, todos querem ter a governança. Quem quer entrar na baixaria, que entre.” 

Do lado de dentro, Dilma fazia seu primeiro pronunciamento como presidente eleita. Estendendo a mão à oposição e à velha mídia, a nova comandante do país chamava ao entendimento, como quem diz: “Medo, por favor, vá embora.” O medo foi. Mas deixou um “até logo.”

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