Ex-prefeita de SP perde a casa por defender greve em 1989

Sem dinheiro para devolver verba usada para pagar anúncio em jornal, Erundina recebe ajuda de amigos, que organizam jantar de arrecadação

A deputada Luiza Erundina considera que paga até hoje o preço de ser de esquerda e de não ter reprimido a greve geral de 14 e 15 de março de 1989 (Foto: Saulo Cruz. Agência Câmara)

Jamais vou conseguir pagar essa dívida”, disse há pouco Luiza Erundina à Rede Brasil Atual. A deputada federal (PSB-SP), condenada a pagar R$ 350 mil aos cofres públicos, não tem dúvidas de que, 20 anos depois de assumir a prefeitura de São Paulo, continua sofrendo preconceito por ser de esquerda, mas garante que não mudará de posição.

Não foi comprovado contra ela nenhum roubo e nem casos de corrupção. A parlamentar paga o preço da publicação de um artigo na Folha de S.Paulo de 17 de março de 1989, em seu primeiro ano na administração municipal, em um anúncio de 26 centímetros em três colunas na capa da edição.

Esta única condenação custou-lhe a penhora de todos os bens: o apartamento, avaliado em R$ 230 mil, e o automóvel Fiat Palio ano 1995, além de 10% do salário que recebe como deputada federal todos os meses, equivalente a R$ 1.651,20. A sentença, em última instância, foi proferida em abril de 2008.

O caso

Corria a greve nacional de transportes daquele ano quando a prefeita de São Paulo, então no PT, decidiu apoiar o movimento. Ela determinou que, na capital paulista, os ônibus não deveriam sair da garagem para evitar que ficassem mais deteriorados do que já estavam.

Atacada pela opinião pública por conta da medida, a prefeita decidiu publicar um comunicado no jornal paulistano.

O cidadão Angelo Gamez Nunez sentiu-se atacado pela decisão, considerou que a prefeita estava usando o espaço para defender suas próprias posições e entrou com uma Ação Popular pedindo o ressarcimento da verba aos cofres públicos.

Os anos se passaram, a inflação correu mais rápido que o tempo, os juros e a correção monetária entraram na conta e, agora, a deputada paga mensalmente para devolver o valor pago pela prefeitura para veicular o texto.

Os 10% de salário que são levados todos os meses fazem falta no orçamento da deputada. “Tem uma família pobre que ajudo, doenças graves, sobrinhos que ajudo a estudar, coisas desse tipo. É uma vida sempre muito modesta, mas de qualquer forma é uma redução de salário que dificulta. É muito desconfortável morar em um apartamento que não é mais seu, andar em um carro que não é seu. É constrangedor”, desabafa.

Reprodução da Folha de 16 de março de 1989

A deputada, que entende ter sofrido preconceito em sua gestão na prefeitura paulista por ser de origem pobre, mulher, nordestina e de esquerda, garante não se arrepender de sua decisão naquele momento e considera que não cometeu erro algum. A parlamentar afirma não ter ideia de que um simples comunicado em um jornal poderia implicar tantos riscos e ônus. “Apenas dei uma explicação à sociedade à época de algo que eu estava sendo acusada”, argumenta.

Apoio

Para ajudar a quitar a dívida, amigos da ex-prefeita estão organizando um jantar na próxima semana em São Paulo. O evento, marcado para esta segunda-feira (9), tem entrada sugerida de R$100. O convite, que circula pela internet, expõe que “como a ex-Prefeita Luiza Erundina foi alvo de enorme injustiça, com decisões que tangenciam o preconceito social, ideológico e político, é hora de nos unirmos para demonstrar nossa solidariedade”.

Tabela cheia

Se o anúncio fosse veiculado hoje, segundo a tabela cheia do jornal, o anuncio custaria cerca de R$ 630 mil. No mercado publicitário, no entanto, é comum a negociação de descontos significativos.

O preço do centímetro de coluna na capa do jornal em um dia de semana atualmente custa R$ 8.516. O cálculo da Rede Brasil Atual levou em conta que o anúncio foi publicado em 26 centímetros e três colunas em uma sexta-feira.

Em seu blogue, o escritor Ferréz manifesta que a prefeita “fez pela favela o que ninguém nem ousou pensar, agora é hora de sair do discurso pra prática, quem tiver condições de dar uma força, e tiver a fim de colar, chegou a hora! Se fosse qualquer um ‘deles’ ia ser mamão pagar, e na verdade não ia chegar nem nas finais da ação judicial, mas quem faz pelo povo tem que pagar, nem que seja com sua única casa”, escreveu.

“É evidente que não pode ser comparado o meu caso a tantos outros em que houve beneficiamento claro dessas pessoas (outros parlamentares). Eu não me beneficiei em nada. Se há uma coisa que tenho muito rigor em minha vida é o compromisso ético”, declara.

Procurada, a juíza responsável pela decisão, Luciana Almeida Prado Bresciani, respondeu por meio da assessoria do Judiciário paulista que foi promovida e que não acompanha mais o caso. O magistrado que a substituiu preferiu não se pronunciar por não ter sido o responsável pela sentença.

Segundo Luciano Santos, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um imóvel que seja o único bem de família pode ter a penhora suspensa com um embargo de execução. A assessoria da deputada não informou se o procedimento foi ou não adotado.

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