Estudantes da USP acusam jornalistas de omissão na cobertura

Profissionais de mídia deixaram de narrar o que viram, criticam estudantes em artigo. Para eles, o que está em jogo são modelos de universidade pública, entre o caráter público e crítico e a lógica do mercado, apontam artigos

Estudantes de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP) divulgaram dois artigos publicados no Observatório de Imprensa criticando a cobertura da mídia sobre a ocupação da Polícia Militar no campus da zona oeste da capital paulista. Eles analisam a cobertura de TV e de jornais sobre a crise na USP e lamentam o uso de termos como “confrontos” para a ação da polícia no dia 9, além de acusar repórteres de se omitirem a relatar o que haviam visto.

Em um dos textos, Tatiane Klein avalia que a cobertura da mídia trabalha com a ideia de que a greve dos trabalhadores da universidade surgiu “como que do nada” e que se “radicalizou” sem motivos, dando origem à ação policial. “Essa leitura estanque dos fatos faz só aprofundar a impressão de falta de consequência política entre os movimentos organizados da USP”, escreveu. “Ninguém atentou, entretanto, para o fato de que o único confronto existente nessa conjuntura é a disputa entre projetos distintos para a universidade pública: um, dos manifestantes, que tem como foco a manutenção do caráter público e crítico da universidade, e outro, que se apega à lógica de entidades como o ‘mercado’”, completa.

Ela encerra o artigo acusando os repórteres presentes no local de terem se omitido a relatar o que viram. “Ao narrar a ação repressiva da polícia na universidade, os jornais têm se valido das versões de manifestantes, reitoria e policiais, sem relatar o que muitos repórteres viram efetivamente”, afirma. “Dos repórteres que viram parte da comunidade uspiana ser acuada e violentada no interior de uma ambiente que se pretende autônomo, a maioria calou”, acusa.

Em outro artigo (clique aqui), o alvo das críticas é o jornalismo de “versões”, que se contenta, segundo as autoras, em citar um trecho da fala de um entrevistado sem checar a informação ou confrontá-la com outros dados. As estudantes lembram que o comandante da operação da PM, Cláudio Longo, afirmou para o jornal SPTV, da Rede Globo que havia “uma ordem pra prender alguns lideres que estão incitando essa greve”. A falta de estranhamento e apuração posterior do indício de a repressão dos grevistas poderia ter sido premeditada é destacada.

Outro exemplo envolve a omissão de imagens publicadas no site YouTube que mostram o início da ação policial que indicam que se tratou de uma postura unilateral. “No momento em que a polícia jogou a primeira granada contra os manifestantes (como registrado aqui), não havia policiais cercados ou sob ameaça – e, muito menos, qualquer agressão dos estudantes contra eles”, sustentam.

Professores também se manifestam

Desde a ação policial, diversos professores enviaram e-mails com manifestos e artigos contrários à ação da PM no campus. Pablo Ortellado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), escreveu um relato da chegada da força policial ao prédio da História e criticou duramente a reitora Suely Caldas. “Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira), autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário”, lamentou. Diante disso, ele defendeu que a comunidade acadêmica se mobilizasse “diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação”. Osvaldo Coggiola, professor de História da universidade, criticou duramente a cobertura da mídia que ignorou o histórico da greve. Segundo ele, a tensão não houve tentativa de ocupação da retoria, mas um piquete. Coggiola sustenta ainda que os 15.221 funcionários técnico-administrativos não têm representatividade nos espaços de discussão sobre a universidade, além de defender que os salários tanto dos docentes quanto dos funcionários são baixos, “em especial em início de carreira”. “Não estamos diante de um ‘conflito elementar’ exagerado por administradores incompetentes”, acredita Coggiola. “O seu alcance é maior, é muito mais o que está em jogo, para a USP, para a universidade pública, para o Brasil”, completa.