Deputados de São Paulo engavetam Pinheirinho, mas investigam gordura trans

Maioria parlamentar do governador Geraldo Alckmin (PSDB) produz CPIs esvaziadas de conteúdo político para barrar temas incômodos

Plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Foto: Dilvulgação)

São Paulo – Escorando-se na regra regimental de que apenas cinco CPIs podem funcionar simultaneamente na Assembleia Legislativa de São Paulo, a maioria parlamentar do governador Geraldo Alckmin (PSDB) especializou-se em produzir comissões de inquérito esvaziadas de conteúdo político, com as quais barram ou retardam a investigação sobre assuntos incômodos ao Poder Executivo – por exemplo, os abusos ocorridos na a desocupação do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, em janeiro de 2012.

Nesta semana, a base alckmista no parlamento estadual criou mais quatro dessas CPIs inofensivas, entre elas uma que promete “investigar os problemas relacionados com o consumo de gordura hidrogenada ou gordura trans, presentes principalmente nos alimentos industrializados”.

A proposta é do deputado Roberto Massafera (PSDB). As demais também têm parlamentares tucanos como proponentes: da Cartelização do Mercado de Autopeças (Fernando Capez), da Pesca Predatória (Maria Lúcia Amary) e de Empresas de Telemarketing (João Caramez).

As CPIs têm prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 60. Antes das recém-criadas, os parlamentares se dedicaram a “investigar” temas como a Reprodução Assistida, o Consumo Abusivo de Álcool, o Parcelamento sem Juros e os Serviços Odontológicos. Só a primeira (Reprodução Assistida) terminou com relatório final. A CPI dos Serviços Odontológicos, 20 meses após ser criada (em 13 de abril de 2011), não havia sequer nomeado o presidente, o que provocou seu encerramento.

Segundo a assessoria do deputado tucano Fernando Capez, entre as motivações da CPI proposta para “investigar, em profundidade, a extensão de inúmeras irregularidades que acontecem no mercado de autopeças” está a de que “o tradicional mercado independente de autopeças sofre com a pressão dos grandes grupos econômicos”. De acordo com o deputado, essa pressão “obriga empresas com mais de 50 anos de mercado a atuarem como verdadeiros clandestinos, desonestos, criminosos, o que não está certo e deveria merecer maior atenção dos órgãos regulamentadores responsáveis por esse desequilíbrio”. Os direitos do consumidor e a manutenção dos empregos gerados pelo segmento são outros dois fatores elencados como justificativas da CPI.

Para o deputado Carlos Gianazzi (PSOL), a nova Mesa Diretora, eleita no último dia 15 de março, que colocou o deputado Samuel Moreira (PSDB) na presidência da Assembleia, não trará novidades e a Casa continuará sendo “representante” dos interesses do Palácio dos Bandeirantes. “Não vai mudar nada. A Assembleia Legislativa continuará sendo apenas um departamento, uma extensão do governo estadual. O governador Alckmin vai continuar pautando o funcionamento do parlamento, seja nas comissões, seja na pauta de votações, seja nas CPIs”.

Giannazi diz que o novo presidente, o ex-líder do governo Samuel Moreira, “é um homem de diálogo e íntegro, mais aberto e flexível, mas isso não significa que o governo abra mão de controlar o parlamento”. O deputado diz que as quatro CPIs que estão sendo instaladas esta semana “são cosméticas, aprovadas só para inglês ver e obstruir as CPIs da oposição”.

Entre as CPIs contrárias aos interesses do governador citadas por Giannazi estão a dos Pedágios, da Crise da Segurança Pública, da Dersa e do Metrô, que apurariam “denúncias de malversação do dinheiro público e improbidade administrativa”. “É uma vergonha para a Assembleia Legislativa aprovar CPIs como da gordura trans, do telemarketing, que não apuram nada nem ninguém”.

A deputada tucana Maria Lúcia Amary, que propôs a comissão da Pesca Predatória, diz que “as CPIs são regimentais e fazem parte do papel do parlamentar”. Segundo ela, “é obrigação dele investigar, mas tem de ser de interesse do setor [no caso, de Pesca] e principalmente público”. Uma CPI, afirma, não deve ser necessariamente política. “Tem que justificar a abertura [da CPI] e ter argumentos para apuração. Não concordo com CPIs que sejam instauradas apenas por razões políticas.”

Ela diz ainda que a CPI da Pesca Predatória “é de extrema importância para preservação ambiental e conservação de várias espécies de peixes e animais de rios e mares que dependem diretamente dos peixes”. A comissão se faz necessária, em sua opinião, porque “o ramo da pesca é muito importante, porém é pouco fiscalizado e às vezes é deixado de lado. Por isso a instauração da CPI”, justifica.

‘Temas sensíveis’

Segundo a liderança do PT, dos 20 pedidos de CPI protocolados na atual legislatura, iniciada em 2011, 17 são de deputados da situação, entre os quais 13 do PSDB. Como são muitas as propostas de CPIs da situação e apenas cinco podem funcionar simultaneamente, forma-se uma lista de espera e os inquéritos sobre temas que a oposição gostaria de apurar não têm vez.

Estão entre esses temas “sensíveis ao governo” a expulsão de moradores do Pinheirinho. Das que não chegaram nem a 32 assinaturas suficientes para entrar na fila figuram a da crise da segurança e da educação pública, esta do próprio Giannazi.

Entre as CPIs que aguardam na fila para serem criadas, está a da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), para investigar eventuais ilícitos administrativos em licitações de contratos (proposta pelo deputado Enio Tatto – PT) e a CPI dos Pedágios (Antonio Mentor), para apurar os valores cobrados dos usuários das rodovias paulistas.

Para Giannazi, “mesmo que as CPIs da FDE e do Pedágio acabem sendo constituídas, serão controladas pelos membros do governo, que tem maioria e terá o maior número de deputados”.

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