Edição temática do FSM começa em Porto Alegre com ausências e ressentimentos

CUT, Marcha Mundial das Mulheres e Abong se recusaram a participar acusando Força Sindical e prefeitura da capital gaúcha de 'descaracterizar' evento

São Paulo – A edição temática do Fórum Social Mundial (FSM) começa amanhã (26) em Porto Alegre com desfalques importantes e divergências no seio dos movimentos que desde 2001 promovem a construção de um “outro mundo possível” a partir da capital gaúcha. Pelo menos três entidades tradicionalmente envolvidas com o Fórum desta vez decidiram se ausentar: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong). As razões, dizem, são muitas – mas descansam no protagonismo da prefeitura portoalegrense e da Força Sindical na condução do processo.

“Os grupos que estão organizando o FSM Temático não estão caraterizados como grupos de esquerda”, argumenta Claudir Nespolo, presidente da CUT no Rio Grande do Sul. “Não que a gente não ache interessante que novas organizações integrem o esforço do Fórum, mas elas têm de seguir a Carta de Princípios.” O documento citado por Nespolo tem 14 pontos e foi aprovado em abril de 2001, dois meses depois da primeira edição do FSM, realizada em Porto Alegre para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial que anualmente reúne governantes, investidores e empresários na cidade suíça de Davos.

O primeiro parágrafo da Carta de Princípios afirma que o FSM é um “espaço aberto” para “entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo”. “O Fórum opera dentro de um conceito que tem muito bem resolvido um corte de esquerda: o ‘outro mundo possível’ tem de acabar com a faceta neoliberal”, continua o presidente da CUT gaúcha, ressaltando que parte das entidades que agora manifestam interesse em participar do FSM Temático não concordavam com os princípios anticapitalistas do evento. “Agora estão organizando.”

Sectarismo

Para o presidente da Força Sindical no Rio Grande do Sul, Cláudio Janta, porém, todos podem participar. “Criamos o Fórum para se contrapor a Davos, que era muito fechado e não permitia a participação de quem não acreditava no neoliberalismo”, lembra Janta, que também é vereador em Porto Alegre pelo PDT. “Quando se fala em democracia, tem de chamar todos os agentes sociais para discutir.” Daí que o sindicalista acredite que exista ‘sectarismo’ por parte das entidades que se recusaram a participar do evento neste mês. “Elas se negam a discutir com outras correntes políticas.”

Mas Cláudia Prates, da coordenação gaúcha da MMM, não enxerga sectarismo na atitude de seu movimento. “É coerência”, pontua. “Esse evento tem o nome do Fórum, mas não é um Fórum. Até pessoas ligadas à Maçonaria vão participar.” O que para uns é sinônimo de descaracterização, porém, para outros permanece dentro da normalidade democrática. “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se inscreveu, a Maçonaria se inscreveu, o Sindicato dos Médicos, os hoteleiros, quem têm interesse financeiro no FSM Temático, porque enche os hotéis e restaurantes”, enumera Janta. “Vamos impedir que participem?”

Outra crítica que CUT e Marcha Mundial das Mulheres cultivam contra esta edição do Fórum em Porto Alegre é a aparente institucionalização do evento pelo poder público municipal, chefiado por José Fortunati (PDT) há quatro anos – e pelos próximos quatro. Fortunati conseguiu aprovar na Câmara uma lei que instaura a “semana do FSM” na cidade em todos os meses de janeiro. Isso ajudaria a custear o evento, que em 2013 custará R$ 2,1 milhões. Além da nova legislação, também criou-se o Instituto Amigos do Fórum Social Mundial, atualmente presidido por Lélio Falcão, membro da Força Sindical. O instituto foi o responsável por definir a data de realização do FSM Temático e seu tema: Democracia, Cidades e Desenvolvimento Sustentável.

“É uma contradição ter a prefeitura envolvida nisso, pois os protagonistas do Fórum devem ser os movimentos da sociedade civil”, critica Cláudia Prates, do MMM. “O poder público tem de apoiar e dar condições para que o evento aconteça, e não tomar as rédeas do processo. Estão transformando o FSM.” Já o presidente da CUT gaúcha pondera que institucionalizar uma iniciativa criada pelos movimentos sociais, como o Fórum, não é tão problemático quanto a criação de um instituto para coordenar as atividades do FSM na cidade. “É um clubinho fechado.”

Crise

Por fim, o tema escolhido para a edição portoalegrense do evento tampouco agradou feministas e cutistas. “Está fora do contexto político”, pontua Claudir Nespolo. “O tema da sustentabilidade já foi abordado pelo FSM Temático de 2012, que também ocorreu em Porto Alegre, e na Cúpula dos Povos, realizada em paralelo com a Rio+20. Agora, o tema deveria ser a expansão da crise neoliberal, que ceifa empregos e congela economias.”

Outra entidade que, por todas estas e outras questões, resolveu não participar do FSM Temático 2013 foi o Grupo de Apoio e Reflexão ao Processo (Grap) do Fórum Social Mundial. O coletivo é formado por organizações e pessoas envolvidas na organização do FSM desde sua criação. O Grap tinha planejado conduzir uma reunião preparatória para a edição internacional do Fórum, que ocorrerá entre 26 e 30 de março em Túnis, capital da Tunísia – país norte-africano que desencadeou a Primavera Árabe. Diante da confusão, decidiu transferir o encontro para São Paulo.

“O que está acontecendo em Porto Alegre neste momento é uma fase de baixa no processo de construção de uma nova cultura política e na unidade das esquerdas”, diagnostica Chico Whitaker, membro do Grap e representante da Comissão Brasileira de Cultura e Paz no Conselho Internacional do FSM. Whitaker pontua que um dos objetivos que nortearam a criação do Fórum foi  a superação de uma das características mais flagrantes da esquerda: a tendência à seperação, fragmentação e dissidência. “O FSM também tem de ser autônomo em relação a governos e partidos.”

Enfraquecimento

De acordo com Whitaker, problemas relacionados à velha “cultura política” da esquerda já fizeram com que alguns Fóruns Sociais desaparecessem em alguns lugares do mundo, como a Europa. “Os europeus realizaram cinco ou seis edições locais do Fórum, mas acabaram paralisados porque seus organizadores não respeitaram a Carta de Princípios”, anota. “Deixaram que tivesse início uma luta interna pelo poder do FSM”, apesar de o evento ter sido concebido para ser “inaparelhável” ao permitir uma programação autogestionada, lembra. “Em Porto Alegre está havendo interferência de governos, enfrentamentos com base partidária e falta de respeito pela diversidade dentro do combate ao neoliberalismo.”

Para outro membro do Grap, Mauri Cruz, que representa a Abong dentro do grupo, toda essa briga envolvendo a organização do FSM Temático deverá trazer uma lição para todos. “Há setores da prefeitura que enxergam o Fórum de Porto Alegre como capital político e estão dando corda para que seus movimentos organizem um evento com essa cara”, diz. “O problema é que estão submetendo os interesses do FSM, que são internacionais, a disputas locais da capital gaúcha.”

Cruz reconhece que ainda não se sabe quais serão as consequências da controvérsia, mas já adianta que a falta de unidade (aliada à lei e ao instituto de amigos) poderão trazer dificuldades na organização do FSM Temático de 2014 em Porto Alegre – que, sim, contarão com a presença da CUT e da MMM. Mas Whitaker não se preocupa tanto com isso. “O Fórum nasceu pra ser mundial e tem de se multiplicar”, argumenta. “Há regiões inteiras, como a Ásia, que estão alijadas do processo.”

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