MP acumula provas contra aliados de Alckmin que respondem por corrupção

Ex-prefeito de Taubaté, José Bernardo Ortiz, e seu filho, Ortiz Júnior, que foi eleito prefeito da cidade são acusados de fraude e licitação superfaturada

Ex-presidente da FDE, Ortiz terá que responder ao lado do filho por fraude e superfaturamento de licitação (Foto: Letícia Moreira/Arquivo Folha Press)

São Paulo – O Ministério Público Estadual está coletando mais evidências, documentos e testemunhos para embasar a denúncia contra o ex-prefeito de Taubaté, José Bernardo Ortiz, e seu filho, Ortiz Júnior, recém-eleito para administrar a cidade, localizada a 130 quilômetros da capital. “O processo está apenas no início”, disse à RBA o promotor Walter Foleto Santin, que está encarregado da acusação até janeiro do ano que vem. “E nossa experiência diz que uma decisão não virá tão rápido.”

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou no último 23 de outubro o afastamento de José Bernardo Ortiz da presidência da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão vinculado ao governo do estado. A decisão havia sido tomada por um juiz de primeira instância no final de setembro. Antes de conhecer o despacho, porém, Ortiz já havia resolvido deixar temporariamente o posto. Um dos principais aliados de Geraldo Alckmin (PSDB) no Vale do Paraíba, região onde o governador iniciou sua vida política, o tucano deve permanecer por até oito meses fora do cargo.

O ex-presidente da FDE é acusado pelo Ministério Público de fraudar e superfaturar licitações para a compra de 3,5 milhões de mochilas escolares por R$ 34,9 milhões, em conluio com três empresas e com seu filho, Ortiz Júnior, que teria “costurado” o esquema. Em sua decisão mais recente, a Corte paulista também manteve o bloqueio de bens dos acusados, mas diminuiu o valor a ser congelado: de R$ 139 milhões, como havia sido determinado na primeira instância, para R$ 17,4 milhões, correspondente a 50% do dinheiro gasto com a compra supostamente fraudulenta das mochilas.

“A decisão [da primeira instância] está devidamente fundamentada e apresentou correta solução ao determinar liminarmente o afastamento do presidente da FDE sem prejuízo de seus vencimentos e pelo prazo máximo de 240 dias e a indisponibilidade dos bens de todos os corréus”, referendou o relator do caso no TJ-SP, desembargador Aliende Ribeiro, que determinou ainda o encaminhamento das denúncias ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Verifico, em face da imputação de conduta reveladora de cartel, conveniência de que seja expedido ofício ao Cade para notícia do fato.”

O caso

De acordo com as denúncias do Ministério Público, José Bernardo Ortiz teria negligenciado suspeitas de irregularidades na licitação para compra de mochilas escolares pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação. “A própria FDE nada explanou no sentido de ter tomado alguma atitude no sentido de investigar as irregularidades supostamente ocorridas, inclusive por instauração formal de procedimento administrativo apto a tanto”, considerou o magistrado Randolfo Ferraz de Campos, que julgou o caso na primeira instância. “A despeito da gravidade do alegado e documentado por dois expedientes distintos, um a complementar outro, ambos ofertados em menos de trinta dias, nada teria sido feito.”

O ex-presidente da FDE também teria feito “vista grossa” aos indícios de formação de cartel entre as três empresas citadas no processo: Capricórnio S/A, Diana Paolucci S/A Indústria e Comércio e Mercosul Comercial e Indústria Ltda. Elas são acusadas de terem se mancomunado para ferir o espírito de concorrência da licitação, acertar previamente quem venceria o pregão e, depois, compartilhar a fabricação das mochilas. “A vantagem disso seria ganhar a disputa e impor o valor combinado”, afirma o promotor Walter Foleto Santin. “O preço final não foi obtido através de lances. Foi uma formação de cartel, que divide o fornecimento do material, obviamente prejudicando a concorrência.”

O prefeito eleito de Taubaté, Ortiz Júnior, teria sido o articulador do esquema, servindo de ponte entre as empresas que supostamente se associaram para fraudar a licitação e o presidente da FDE, seu pai. De acordo com a denúncia do Ministério Público, Ortiz Júnior levaria, pelos serviços prestados, 5% do valor contratado com as verbas estaduais. A peça da promotoria sugere que o dinheiro seria utilizado para remunerar os marqueteiros que trabalharam na campanha vitoriosa do candidato tucano à prefeitura da cidade. Daí que outra ação do MP esteja pedindo a impugnação de sua candidatura por “abuso de poder político e econômico”.

Indícios

“O MP recebeu informações, havia um procedimento em curso que dava indicações de que a fraude havia ocorrido e decidiu entrar com a ação”, justifica o promotor Santin. “Apuramos inicialmente os dados e entendemos que precisávamos dar início a um inquérito. Ouvimos testemunhas e coletamos provas e documentos pra basear a ação civil pública de improbidade administrativa.”

As denúncias do Ministério Público se baseiam principalmente no testemunho de duas pessoas: Djalma da Silva Santos, então diretor comercial da empresa Diana Paolucci; e Gladiwa de Almeida Ribeiro, ex-chefe de gabinete da presidência da FDE. Ambos defendem que José Bernardo Ortiz mandou “engavetar” as suspeitas de fraude e superfaturamento das licitações, sabendo, inclusive, do envolvimento de seu filho no esquema. “Se ocorreu algum acordo de mercado, não era problema dele”, teria respondido o titular da Fundação.

Djalma alega que ele mesmo negociou os termos da fraude com Ortiz Júnior e articulou o esquema com as demais empresas. O funcionário da Diana Polucci S/A sustenta que tem cópias de mensagens eletrônicas trocadas com o futuro prefeito de Taubaté para provar a falcatrua. Outra testemunha citada pela decisão judicial é o advogado José Eduardo Bello Visentin, quem teria tentado alertar – repetidas vezes e sem sucesso – o presidente da FDE sobre as supostas irregularidades na compra das mochilas.

A licitação em questão foi realizada para a compra de três lotes de mochilas escolares destinada aos alunos da rede pública do ensino médio (entre 1,6 milhão e 2,1 milhões de unidades), fundamental I (entre 1,8 milhão e 2,4 milhões de unidades) e fundamental II (700 mil a 1,2 milhão de unidades). A empresa Capricórnio – que estaria em coluio com suas “concorrentes” Mercosul e Diana Paolucci – sagrou-se vencedora dos dois primeiros lotes. O terceiro foi arrematado por uma quarta empresa, chamada Brink Mobil.

Valores

Além dos testemunhos atestando a manipulação do leilão, o Ministério Público observa uma disparidade “inexplicável” entre os valores unitários cobrados pelas mochilas nos diferentes lotes: enquanto a Capricórnio venceu a disputa cobrando R$ 9,50 por cada mochila do primeiro, e R$ 11,39 pelas do segundo, a Brink Mobil, ganhadora de apenas um lote, conseguiu o direito de vender os artigos ao FDE propondo o valor unitário de R$ 6,50.

“Percebe-se, pois, que os preços para os lote 1 e 2 ficaram 46,15% e 75,23% superiores ao preço estabelecido para o lote 3, e mesmo o preço do lote 2 ficou 19,89% superior ao preço estabelecido para o lote 1”, anotou o juiz Randolfo Ferraz de Campos, “muito embora estes mesmos lotes (1 e 2) sejam concernentes à mesma mochila escolar e seja a fornecedora para ambos os lotes a mesma empresa – Capricórnio.”

O magistrado reconhece que, depois de terminado o leilão, a FDE conseguiu um desconto junto à Capricórnio e reduziu o preço das mochilas do ensino médio e fundamental I para R$ 9,30 cada. “Ainda assim, o preço final ajustado para os lotes 1 e 2 ficou 43,05% acima do preço da mochila do lote 3, persistindo, portanto, o primeiro descompasso apontado anteriormente entre os preços vencedores no certame e o preço referencial fixado para os lotes em questão”, conclui o juiz.

Essa diferença de 43,05% nos preços das mochilas fabricadas pela Capricórnio e pela Brink Mobil também é superior às estimativas feitas pela FDE ao convocar a licitação. Os preços de referência publicados junto com o edital era de R$ 11,67 para as mochilas dos lotes 1 e 2, e R$ 10,80 para as do lote 3. Ou seja, um desnível de apenas 8% entre umas e outra. A Brink Fabril conseguiu produzir mochilas por um valor 40% menor do que estipulado pela FDE. Já a Capricórnio vendeu o material por um preço 20% menor – e venceu a licitação cobrando valores semelhantes ao preço de referência previsto pelo edital para o lote 1.

Menor preço

Procurada pela reportagem da RBA para esclarecer os detalhes dessa diferença de preços entre lotes e empresas, a FDE respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que as mochilas foram adquiridas pelos valores mais baixos do mercado. “A compra também foi analisada e aprovada, por unanimidade, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que julgou absolutamente regulares todas as etapas dessa licitação, derrubando qualquer possibilidade de suspeita de irregularidade ou de ilegalidade”, diz a nota. “O custo por unidade foi o menor pago por qualquer órgão público brasileiro para esse tipo de mochila. Além disso, os produtos adquiridos superam de longe as especificações técnicas de qualidade de materiais comprados por outras instituições.”

A nota também compara o valor pago pelo FDE nas mochilas ao dinheiro desembolsado por prefeituras administradas pelo PT para a aquisição do mesmo tipo de material escolar. “Os produtos adquiridos para estudantes do mesmo nível das prefeituras de Diadema, Guarulhos e São Bernardo do Campo, por exemplo, custaram, respectivamente, R$ 29,62, R$ 29,97 e R$ 25,10”, explica, sem responder às questões da reportagem. É a mesma resposta que a fundação deu à imprensa durante as eleições, quando o caso vinha sendo utilizado por candidatos petistas para atacar a imagem do PSDB e de Ortiz Júnior – que disputava a prefeitura de Taubaté.

Quanto às testemunhas, o FDE afirma que Gladiwa de Almeida Ribeiro foi dispensada de suas funções na chefia de gabinete da presidência em 19 de março de 2012. “No entanto, o processo demissional ainda não foi concluído devido ao seu afastamento por razões médicas.”  A RBA procurou saber junto à fundação se José Bernardo Ortiz de fato mandara sua funcionária “engavetar” os indícios de irregularidades na compra das mochilas.

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