Relator quer Marco Civil ‘em defesa do internauta brasileiro’

Após aparar arestas relativas aos direitos autorais e à neutralidade da rede, deputado Alessandro Molon (PT-RJ) aposta em aprovação da nova lei

O relator Alessandro Molon diz que preparou um texto com o ‘máximo possível’ de consenso (Foto: Sérgio Lima/Folhapress)

Rio de Janeiro – Relator do projeto que estabelece um Marco Civil para a internet no Brasil, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) espera ver a proposta finalmente aprovada hoje (13) no plenário da Câmara. Após meses de consultas públicas aos setores interessados e um intenso período de negociações que envolveu o governo e lobbies empresariais nas últimas semanas, o Marco Civil, segundo seu relator, terá como principal pilar a garantia da neutralidade da rede, medida adotada para que todos os dados possam trafegar normalmente, em igualdade de condições e sem sofrer discriminação.

Existe ainda a pressão de alguns setores para que o órgão responsável por fiscalizar e garantir a neutralidade seja a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mais suscetível aos interesses empresariais. Molon, no entanto, decidiu retomar em seu texto a determinação de que os casos de exceção à neutralidade sejam definidos por decreto presidencial, fato que ainda pode causar alguma dificuldade para a aprovação do Marco Civil pelos deputados.

Outra questão polêmica – a proteção dos direitos autorais na internet – também teve uma solução costurada pelo relator. O Marco Civil que poderá ser aprovado hoje não trata essa questão, que ficou para ser definida na reforma da Lei de Direitos Autorais, o que atendeu a um pedido da ministra da Cultura, Marta Suplicy. Com essa mudança, Molon afirma rechaçar os riscos de judicialização excessiva da rede, com milhares de eventuais pedidos de retirada de conteúdo, como temem algumas entidades de classe.

Momentos antes de se preparar para a votação na Câmara, Molon conversou com a Rede Brasil Atual. Leia a seguir a íntegra da conversa:

Qual sua expectativa em relação à votação do Marco Civil da internet? Ela terá condições de ser realizada mesmo hoje?

Eu espero que aconteça hoje. Nós já conversamos e debatemos muito esse texto que, no meu entendimento, já está maduro para a apreciação. O Brasil não pode esperar mais para ter uma boa lei que proteja o internauta brasileiro. Já está na hora de fazer essa votação e eu espero que hoje a gente vença essa etapa.

As principais arestas em relação à votação já foram aparadas?

Eu trabalhei para construir um texto que represente o máximo possível o consenso, desde que não se fira com isso nenhum dos princípios fundamentais do Marco Civil, em especial a neutralidade da rede.

Como foi definida a questão sobre qual será o órgão responsável por administrar a neutralidade da rede no Brasil?

Eu voltei no meu texto com a determinação que seja por decreto presidencial, afim de que a regulamentação das exceções à neutralidade seja feita por decreto, e não por um órgão da administração direta, como se queria fazer com a Anatel.

Isso foi feito em acordo com o governo?

Depois do desencontro que houve em relação ao acordo que havia sido feito de que o responsável pela neutralidade da rede não seria a Anatel, foi necessário voltar com o texto do decreto para dissipar qualquer dúvida e evitar qualquer mal entendido com o governo.

Como ficará a questão dos direitos autorais?

Foi incluído no texto um dispositivo – parágrafo segundo do artigo 15 – explicitando que aquela garantia para a liberdade de expressão não se aplica à infração contra direito autoral. Com isso, esse debate fica para a reforma da Lei de Direitos Autorais, como quer a ministra da Cultura, para que se faça um debate tranqüilo sobre esse tema.

Como ficará o Marco Civil da internet no que diz respeito aos riscos de judicialização? O presidente da União Brasileira dos Compositores disse à imprensa que a nova lei poderá acarretar até 17 mil processos por ano com pedidos de retirada de conteúdo da rede…

Ele disse isso porque se temia que o artigo 15 fosse ser aplicado a casos que envolvessem direitos autorais, o que será evitado com essa explicitação do parágrafo segundo. Portanto, não acredito que esse risco exista ainda. Agora, no meu entendimento o artigo 15 já não se prestaria a isso, porque sua redação diz que ele existe para proteger a liberdade de expressão, e não para ser aplicado em qualquer infração ou violação de direito autoral.

Como foi o processo democrático para que o texto do Marco Civil chegasse ao ponto que chegou?

Foi um processo extremamente rico, e nós tivemos o cuidado de ouvir todas as posições sobre esse tema. Foram realizadas duas consultas públicas e sete audiências públicas. Naturalmente que não é possível atender a todos em tudo, mas isso permitiu chegar ao melhor texto possível, em que pese que sempre um segmento acha que um ou outro dispositivo poderia eventualmente ter sido feito de uma forma diferente. Mas, de qualquer maneira, nós estamos bastante seguros de que o processo foi muito importante para chegarmos ao resultado a que nós chegamos.

Qual tua expectativa em relação à complementaridade do Marco Civil com as novas leis que estão surgindo relativas à internet, como, por exemplo, a chamada Lei Carolina Dieckmann?

Eu gostaria que, na verdade, nós tivéssemos podido aprovar o Marco Civil antes de qualquer lei criminal. Mas, infelizmente, as resistências que surgiram ao Marco Civil foram bem maiores do que as resistências aos projetos que tipificavam crimes. Por isso, eles passaram na frente. Infelizmente o mesmo não ocorreu com o Marco Civil, mas vamos ver se hoje a gente consegue sanar esse deslize.

O senhor falou em resistências. Quais interesses foram contrariados, do ponto de vista político, nesse esforço para criar um Marco Civil para a internet no Brasil?

Foram contrariados, sobretudo, os interesses de quem quer usar a rede apenas para obter ganhos, de quem olha para a rede com um olhar que busca apenas pensar nos lucros sem pensar na qualidade da internet para o internauta brasileiro. Por isso, eu considero que a elaboração do Marco Civil tenha sido uma coisa importante. Conseguimos manter nossa firmeza em relação aos princípios da neutralidade da rede, o que para mim foi o principal ganho do projeto.

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