Quase vice, Erundina faz campanha para Haddad contra onda conservadora em SP

Fora da chapa encabeçada pelo PT, a ex-prefeita adianta, porém, que vai cobrar projeto popular em caso de vitória: quer governo com mais participação dos movimentos sociais

A ex-prefeita considera que apelo ao consumismo é uma das explicações da liderança de Russomanno (Foto: Alexandra Martins. Agência Câmara)

São Paulo – “É claro que não estou apoiando Maluf, estou apoiando um projeto”, reforçou ontem (17) a ex-prefeita de São Paulo e deputada federal Luiza Erundina (PSB) ao comentar seu apoio à candidatura de Fernando Haddad, apesar de sua controversa aliança com o também ex-prefeito e seu desafeto de primeira hora, Paulo Maluf (PP). “Estou indo à periferia conversar com movimentos sociais porque me sinto com a possibilidade de cobrar de Haddad para fazer um governo em que nós acreditamos, que ensaiamos durante minha gestão e que deve ser resgatado”, explicou.

Luiza Erundina criticou, porém, a ausência de discussões sobre o ‘método de gestão’ que adotará o petista caso seja eleito. Na visão da deputada, é o método de gestão que vai viabilizar – ou não – a participação popular no governo municipal. “Ainda não ouvi Haddad falar como ele pensa estabelecer a relação entre o núcleo de poder da prefeitura e as administrações regionais, as subprefeituras e os conselhos de representantes”, ponderou. “Um governo realmente popular tem de dar mais peso à população na hora de definir as prioridades orçamentárias e as políticas públicas que vai desenvolver.”

Dizendo-se apenas uma eleitora, a deputada conversou rapidamente com a Rede Brasil Atual após participar de um debate sobre a ascensão conservadora em São Paulo e suas repercussões na educação pública, realizado na Faculdade de Educação da USP. Em sua intervenção, Erundina defendeu a necessidade de mudanças estruturais, como a reforma política e a democratização da mídia, como forma de frear o conservadorismo paulistano. Na avaliação da ex-prefeita, o risco de retrocesso é grande em São Paulo caso se confirmem os resultados das pesquisas eleitorais.

Leia a entrevista.

Como a senhora vê o fenômeno Russomanno?

Há uma série de fatores. Primeiro, a política de alianças, o conservadorismo que existe na própria base de sustentação do governo federal. Como é um governo de coalizão, você tem uma conjugação de forças heterodoxas, entre elas, esse partido ao qual Russomanno está vinculado: um partido de viés ideológico religioso, em que os valores da religião se sobrepõem aos valores da política.

Também temos de levar em conta a forma como se dá a relação entre os partidos que estão juntos nessas campanhas eleitorais. Por isso, defendo a necessidade de mudanças estruturais. Precisamos enfrentar de uma vez por todas a reforma política para mudar as regras de organização partidária, acabar com o princípio das coligações – que distorcem a vontade do eleitor – e a avançar na democratização dos meios de comunicação, que reproduzem essa cultura conservadora reacionária de ver e exercer o poder de forma autoritária, centralizada e hierárquica.

O próprio neoliberalismo, que hoje domina as relações na sociedade, também compõe o caldo de cultura que sustenta, reforça e amplia o conservadorismo, o individualismo, a concorrência, a dominação da lógica do mercado sobre a vida das pessoas, o estímulo ao consumismo.

Russomanno também tem uma proposta de apoio e ajuda aos consumidores, o que é um apelo forte ao segmento que está se introduzindo ao universo do consumo de bens e serviços de forma massiva a partir das medidas de assistência social que o governo federal vem adotando. Enfim, é uma série de fatores que leva essa composição de forças de sustentação que impede, inclusive, uma definição mais clara dos compromissos, das políticas e da gestão pública da forma mais democrática e participativa, que é o que se espera de governos com o perfil dos nossos.

E Haddad, por que não avançou mais?

Não tenho elementos que me autorizem a ter um juízo minimamente objetivo a respeito disso, mas sinto falta de uma campanha diferente, não só dele, mas de um modo geral. Acho que se reproduzem o mesmo estilo, ainda se valoriza muito o marketing, já não se ousa mais, não se associam ao horário eleitoral outras formas de campanha que não seja só carreata… Não há mais tanto diálogo político com os setores organizados da sociedade.

Eu tenho feito a campanha dessa forma: todo final de semana estou em alguma periferia da cidade, com grupos de pessoas, discutindo a política. Não só discutindo a eleição, discutindo reforma política, democratização dos meios de comunicação, controle cidadão da gestão pública. São essas coisas que, numa campanha eleitoral, a gente tem de visar. Não só a conquista de votos e a vitória de candidatos. É uma chance para elevar o nível de consciência política e a politização da sociedade, que está muito deficiente. Os partidos, que faziam isso no passado, já não fazem mais.

A senhora acha que a candidatura do Haddad mais perdeu ou ganhou com sua saída?

Havia, de fato, uma expectativa em relação à minha presença na chapa. De certa forma, tenho vínculo com segmentos da periferia e dos setores populares, com a população nordestina da cidade, tenho uma base. Tanto é que me reelejo sempre muito bem – mesmo com campanhas muito pobres, cheias de dificuldade – por conta dessa base, com a qual me mantenho sempre vinculada.

Tenho sempre uma agenda de final de semana, esteja ou não em campanha eleitoral. Mas, se eu me mantivesse na chapa, com todo aquele desconforto que me deixou aquela manifestação pública de proximidade com o Maluf… Não é o partido dele, é a figura dele. Não acho que ele passe uma mensagem que eduque, que faça sentido político estar junto com ele. Enfim, se eu estivesse lá, não iria ajudar. Ficaria desconfortável, mais atrapalhando, talvez.

E a sra. está pensando mesmo se mudar do PSB para o PSOL?

Não… Eles me convidam muito, mas, meu filho, esse negócio de mudar de partido é tão complicado. Já mudei uma vez, é tão complicado.