Ex-ministro da Agricultura critica ‘radicalização’ de ruralistas

Reinhold Stephanes prevê veto de Dilma Rousseff a dois pontos do Código Florestal aprovado na Câmara, dá razão à presidenta, mas cobra diálogo com deputados

Ex-ministro Stephanes considera Código Florestal confuso sobre APPs às margens de rios e que artigo deverá ser vetado (Foto: CC/PHZioli/Flickr)

Brasília – Ministro da Agricultura entre 2007 e 2010, Reinhold Stephanes aguarda o veto de Dilma Rousseff a dois pontos do Código Florestal aprovado em abril pela Câmara. Na semana que entra, até sexta-feira (25), a presidenta terá de definir quais pontos serão alvo do dispositivo constitucional que lhe permite barrar pontos votados no Legislativo.

Hoje deputado pelo PSD do Paraná, ele entende que será vetada a redução das Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens de rios. “Saiu da Câmara de forma incompleta, ou seja, dá todos os argumentos para ela vetar”, afirma, acrescentando que Dilma tampouco deixará nas mãos dos estados a definição dos Planos de Regularização Ambiental para quem desmatou além dos limites permitidos pela atual legislação.

Stephanes critica a “radicalização” dos integrantes da bancada do agronegócio e adianta que o Congresso não vai tolerar qualquer mudança que possa afetar a produção. “Pelo jeito, está radicalizando cada vez mais e acho que vai manter essa posição.”

Em entrevista à Rede Brasil Atual esta semana, em seu gabinete na Câmara dos Deputados, em Brasília, Stephanes cobrou ainda diálogo do governo federal com a base aliada e minimizou os novos projetos apresentados pela bancada ruralista na tentativa de se antecipar a um possível veto de Dilma.

O senhor se reuniu com a presidenta e com a liderança do governo na Câmara. Existe algum indicativo de que a presidenta vá vetar o Código?

Eu posso opinar pela lógica. Essa opinião é baseada nas conversas anteriores com a ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, e em conversas também passadas com a presidente Dilma, que de uma forma ou de outra conhece esse assunto. A ministra Izabella, numa das últimas conversas, usou no final uma frase dizendo que a própria presidente já disse que não quer expulsar ninguém do campo.

A ideia não é essa. A ideia é encontrar formas que você plante, tenha sustentabilidade e tenha preservação do meio ambiente, compatibilizando essas três questões. Produzir com sustentabilidade é unificar num único ponto. Sustentabilidade é uma questão que todos nós perseguimos, até porque ela é lucrativa e importante.

A conservação do meio ambiente tem que ser compatibilizada, embora isso não seja tão fácil, porque quando você conceitua o meio ambiente como biodiversidade, fica um pouco mais complicado. Se você conceitua só para proteger rios e águas, é diferente do que você incluir nesse conceito de biodiversidade. 

Em síntese, eu entendo que a presidente tem que ter bom senso e até mais bom senso do que se teve na Câmara ao se rejeitar o projeto do Senado. Quando digo rejeitar o projeto do Senado, estou dizendo naquilo que são os pontos básicos que estão em discussão, que são as questões das APPs. Porque existe uma lógica de se ter uma boa lei que compatibiliza essa situação, e por outro lado, eu diria, uma quase que radicalização na Câmara em relação ao assunto. Ou seja, qualquer projeto de lei que não tenha uma razoabilidade, ele não vai passar. A Câmara está cada vez numa posição de maior rejeição a mudanças que venham afetar a produção. 

Quais pontos o senhor acredita que ela irá vetar?

Ela vai possivelmente vetar a questão do artigo 61, que trata das APPs nas margens de rios. Porque ele saiu da Câmara de forma incompleta, ou seja, dá todos os argumentos para ela vetar porque ele só limita a recomposição a rios até 10 metros de largura. Como é que ficam os rios acima de 10 metros de largura? Estão ficando sem regra. 

Ela vai ter de encaminhar um projeto de lei com caráter de urgência ou uma medida provisória regulando as margens de rios, porque eu não acredito muito na ideia que está se colocando no Plano de Regularização Ambiental, o tal do PRA, que se tem um ano para regulamentar, prorrogável por mais um ano e que a União tem de regulamentar e depois o estado tem de regulamentar dentro das normas da União. Isso é um processo que vai levar três ou quatro anos. Eu não acredito que ela vai deixar para resolver isso lá, porque isso vai criar muita insegurança jurídica nesse período. Isso vai criar um vácuo. 

A tese que a Câmara está defendendo, que muitos membros da Câmara estão defendendo não me parece uma tese muito correta. Parece mais lógico e de bom senso mandar imediatamente a regulamentação. Eu penso que ela vai mandar e que o rio até 5 metros, até 10 metros ou acima de 10 metros. Ela fará uma escadinha. 

E quanto à anistia aos desmatadores?

A anistia eu não vejo muito como mexer porque eu não consigo enxergar a anistia. Porque didaticamente você tem três situações. A primeira situação, que representa 90% mais ou menos do que se derrubou de floresta no Brasil, foi dentro da época em que a lei permitia derrubar. Quando meu pai e meu avô derrubaram (eu sou filho de pequenos colonos de Santa Catarina), a lei permitia. Aí estão 90% das derrubadas.

O Paraná tem área consolidada, assim como São Paulo tem área consolidada há mais de trinta anos e você não tem novas derrubadas nesses estados, a não ser nas áreas urbanas. Ou seja, se eles sofreram nesse período alguma restrição pelo fato de não ter recomposto de acordo com as novas leis, eles estão perdoados, e não poderia ser diferente. Então, não há o que vetar nisso. 

Às vezes as pessoas confundem muito isso também. Tem aquele que desmata ilegalmente para roubar a mata e tem o produtor rural. 

Centenas de milhares de pequenos agricultores fazem aquele sistema que nós vimos ao sobrevoar a Amazônia. Aquele cara que abre um hectare, derruba mata, queima, gera o potássio, planta ali três, quatro ou cinco anos, abandona aquilo depois derruba mais mil. Os assentados estão derrubando mata, isso foi um erro. Então, quando você chega e diz o seguinte: pessoas que desmataram nesse período de 2001 a 2008, nas áreas que de 1996 – quando aumentou de 50% a 80% (de manutenção de reserva) e ter derrubado esses 30% restantes ou esses todos que eu estou falando aqui, eles são obrigados a recompor. 

Porque é dito o seguinte: você é obrigado a recompor tudo o que você fez de errado nesse período. Recomposto a sua multa desaparece, mas você tem de recompor. Então, você teoricamente poderia chamar de anistia só este item aqui, esse período aqui que abrange não tanta gente como se imagina. Mas, veja bem, você tem um condicionante, você é obrigado a recompor e isso tem um custo elevado, talvez isso custe até mais do que a multa que o cara receba. Então você transforma a multa em serviço ambiental. 

Quem desmatou depois de 2008 vai pagar multa pelo Código. Esse vai ter que recompor e pagar multa. A discussão só está nesse período. Eu vejo isso como uma medida positiva, não vejo como uma medida negativa, porque você transforma praticamente aquela multa em serviço ambiental, vai ter que recompor. 

Não houve nenhuma conversa do Executivo com os congressistas da base aliada, sobre isso?

Não. Há um silêncio e isso me chama atenção. Nem com a base aliada, nem com ninguém. Não sei se isso é um bom sinal. Porque se não vier algo que seja e se entenda como razoável, inclusive politicamente, não só tecnicamente, há uma reação muito forte aqui na Câmara e por incrível que pareça, está se acentuando.

Até eu, como moderado, sinto certo incômodo em relação aos colegas de bancadas. Enquanto eu sempre defendi entendimento, bom senso e equilíbrio entre as várias situações, tem muita gente que estava na minha posição e está migrando para uma posição mais forte e isso parece que está acontecendo a cada momento, na medida em que as coisas vão passando.

Como o senhor avalia o comportamento de outros deputados da bancada governista?

Eu diria que a bancada ruralista mais forte está dentro… eu não gosto muito do termo bancada ruralista, porque é claro que você tem ali dentro do conceito antigo do ruralismo, mas eu me considero um defensor da agricultura porque essa é minha origem. O PMDB tem mostrado uma porção muito… Pelo jeito está radicalizando cada vez mais e acho que vai manter essa posição.  

Alguns membros da bancada do agronegócio estão apresentando projetos para antecipar-se a possíveis vetos que estão por vir…

Mas esses projetos não estão em curso, quer dizer, é muito difícil o curso desse projeto. Por exemplo, o Senado reapresentou o projeto, mas o Senado sabe que tudo que for aprovado no Senado será reprovado na câmara. Quer dizer, você vai acabar criando um impasse, você vai prorrogar esse assunto. 

Então você tem uma lei muito rígida, mas não tem ninguém obedecendo a lei. Tanto que o próprio decreto da criminalização da punição está suspenso desde o dia em que ele foi baixado. E continuará suspenso porque essa é uma lei que não é aplicável. E se não é aplicável, você não está gerando nenhum benefício.