CPI deve começar com queda-de-braço entre oposição e governo

Porto Alegre – O início, de fato, dos trabalhos da CPMI do Cachoeira deve ocorrer apenas na semana que vem. O líder da bancada do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), por […]

Porto Alegre – O início, de fato, dos trabalhos da CPMI do Cachoeira deve ocorrer apenas na semana que vem. O líder da bancada do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), por exemplo, deve indicar o relator da Comissão apenas na próxima terça-feira (20), e o presidente, já confirmado, senador Vital Rêgo (PMDB-PB) disse que aguarda esta definição para que seja elaborado um plano de trabalho. Ainda assim, uma luta entre governistas e oposicionistas já se trava, tendo como palco a imprensa e novos vazamentos. O objetivo é pautar a CPI de acordo com seus interesses.

De um lado, o PT visa a manter o foco nas investigações da Polícia Federal, que abalam o governo goiano, do tucano Marconi Perillo e a revista Veja, pelas ligações que o diretor da sucursal do veículo em Brasília, Policarpo Júnior, mantinha com o contraventor. Do outro, oposicionistas buscam um antídoto mirando no governo do petista Agnelo Queiroz, do Distrito Federal, e na empreiteira Delta, da qual Cachoeira seria sócio “informal”, que tem doações de campanhas e contratos com governos de amplo espectro de partidos políticos.

“Não tenho dúvida de que vai haver isto (queda-de-braço)”, afirma o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Para o parlamentar de oposição, mesmo que tenha contado com assinaturas de muitos deputados (396) e quase todos os senadores (72), a CPI foi bancada por governistas, uma vez que a oposição não teria força para fazê-la. E os objetivos seriam fragilizar a oposição, especialmente o governador Marconi Perillo; colocar uma “cortina de fumaça” no julgamento do Mensalão e tirar a credibilidade da Veja. “Nenhuma das tarefas é muito nobre”, ironiza.

Um dos mais ferrenhos participantes durante a CPI dos Correios, Onyx admite que será como um jogo a disputa pela linha de investigação, mas ainda não revela a estratégia da oposição. Só que, em ampla minoria na Comissão, a oposição precisará ser cautelosa. “É que nem final de campeonato. Primeiro tem que ver como joga o adversário e não tomar gol. Depois dos 15 minutos de jogo é que tu vais te organizar para tentar ganhar o jogo. É claro que vamos entrar em um cenário onde o governo é amplamente majoritário, mas a CPI dos Correios também era assim”, diz. Apesar disto, garante que não pouparia seus pares de oposição. “Se tiver que meter ferro no tucano, eu vou meter. E o Demóstenes já era. O DEM tem uma condição que nenhum outro partido tem, todos os envolvidos em corrupção nós botamos para a rua”, diz.

Onyx insinua que houve uma “seletividade dos fatos” até o momento e sugere que as conexões de Cachoeira não estão apenas no Centro-Oeste, mas no Sudeste. O deputado que esteve por bastante tempo em Porto Alegre, se recuperando de uma cirurgia, conta que teve acesso a poucas coisas das investigações, mas revela que a bancada DEM já tem profissionais “experientes”, que já trabalharam na CPI dos Correios, trabalhando com as investigações. A equipe já teria, inclusive, “boas novidades”. “Já tive acesso a alguns áudios. Já tem uma equipe da bancada trabalhando desde a semana passada. Vou conhecer algumas linhas de investigação quando eu chegar lá. Temos algumas pessoas que colaboraram com a gente na época da CPI dos Correios. É gente que tem experiência, informação. Sei que tem boas novidades, mas ainda não sei o teor”.

Para impedir que a CPI tome o rumo desejado pelos governistas, o democrata conta com a instabilidade da base aliada. “O governo tem uma base muito frágil. Temos que usar a inteligência e ter contínua interlocução com a sociedade, para ganhar o apoio da sociedade. Em CPI ninguém vota contra o apoio da sociedade”, diz. Ele também se utiliza de uma “velha máxima” entre os parlamentares: “CPI todo mundo sabe como começa, mas não sabe como termina”.

Possível relator, petista adota cautela no discurso

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) é apontado como possível indicação para relator. A vaga já está definida para o PT, que tem a maior bancada, e Teixeira afirma que o líder da sigla, Jilmar Tatto, deve escolher o relator apenas na próxima terça-feira e que há outros nomes colocados, como o do ex-líder de Governo, Cândido Vacarezza (SP) e de Odair Cunha (MG).

Teixeira adota postura cautelosa ao falar da CPI, evitando comentar as estratégias do partido e negando que o PT fará uma queda-de-braço para definir os alvos da investigação. “Não pode ser este o caminho. Esta CPI vai ter que partir da estrutura desta organização, partir de uma análise desta organização criminosa, tentando ver quais são seus tentáculos”, diz. Ele também nega que a sigla queira sangrar a Veja. “Não existe isto não. Ninguém se presta a este papel”, diz.

Apesar do clichê que diz que CPI não se sabe como termina e do zum-zum de que o governo estaria mobilizado a abafar a CPI, o petista também nega que haja o temor de que as denúncias respinguem nos partidos da base aliada. “Não, absolutamente. Isto é um sonho da oposição. Ele (Onyx) está preocupado em tirar o controle do Governo, sendo que a CPI vai investigar, inclusive, não só, as relações de gente da oposição. Acho que ele está com o foco equivocado”, diz.

Estratégias já se desenham

Por mais que os políticos neguem é evidente a batalha pelo rumo das investigações. Os partidos governistas, por exemplo, escalaram pouquíssimos dos parlamentares mais “rebeldes” ou “independentes” para a CPI, ao passo em que DEM e PSDB vaga de suplente na Comissão para o senador peemedebista Jarbas Vasconcelos (PE), que sempre se manteve como opositor do Governo e jamais teria espaço entre as indicações de sua própria sigla. A senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) estava empenhada em entrar na CPI, mas, se autodeclarando “independente”, não conseguiu.

Nesta sexta-feira (20), a presidenta Dilma Rousseff negou interferência governamental na CPI. “Não me manifesto em relação a esse assunto. A CPI é algo afeto ao Congresso, o governo federal terá uma posição absolutamente de respeito ao Congresso”, disse. O presidente da Câmara, Marco Maia, também negou o cenário traçado por jornalistas de que nos bastidores Lula e o PT desejavam a CPI, ao passo em que o Governo temeria perder o controle sobre ela, preferindo esfriar a investigação. “Nunca fui consultado, ou recomendado, pelo presidente Lula ou pela presidenta Dilma. Essa questão que foi levantada, de que há interferência para turbinar ou abafar a CPI, faz parte da imaginação de alguns”.

Embora o deputado Onyx não aprofunde quais cartas serão jogadas pela oposição, elas ficam claras, por exemplo, no noticiário da grande imprensa, que “esqueceu” as relações líquidas e certas entre o Carlinhos Cachoeira e o Governo Perillo para mirar em indícios de ligação entre o contraventor e Agnelo Queiroz e em um áudio em que o proprietário da empreiteira Delta, Fernando Cavendish, falaria de suas intenções de se aproximar do Governo Federal por meio de subornos a políticos. Vários veículos também ressaltam que a Delta foi uma das empresas que mais participou do PAC e suas doações de campanha e que o Governo já estaria se mobilizando para abafar a CPI. Há também possível interferência de Cachoeira em indicações para cargos federais em Goiás.

Uma reportagem da Agência Câmara também mostra as divergências entre as pretensões de oposicionistas e governistas. Nela, o deputado Rubens Bueno (PPS-PR), indicado pelo bloco PPS/PV, afirma que já preparou requerimentos para investigar a relação entre Cachoeira e a empreiteira Delta, assim que a CPI começar. “Estou preparado para pedir a quebra do sigilo bancário e fiscal das relações do Carlinhos Cachoeira com a Delta e as empresas laranjas. Isso é fundamental para que não haja aquilo que nós conhecemos bem: o início da destruição de provas, de apagar digitais, o que temos de evitar o quanto antes”, afirmou.

Por outro lado, o presidente da Câmara, Marco Maia, já deixou claro que a relação entre Cachoeira e jornalistas será investigada, com a publicação de uma resposta escrita a críticas que a revista Veja fez a ele e à criação da CPI. “Não é verdadeira a tese, que a revista Veja tenta construir (também de forma totalitária), de que esta CPMI tem como um dos objetivos realizar uma caça a jornalistas que tenham realizado denúncias contra este ou aquele partido ou pessoa. Mas posso assegurar que haverá, sim, investigações sobre as graves denúncias de que o contraventor Carlinhos Cachoeira abastecia jornalistas e veículos de imprensa com informações obtidas a partir de um esquema clandestino de arapongagem”, escreveu.

Não é de se duvidar do empenho de Maia para que se investigue a revista Veja, afinal ele mesmo já havia sentado em cima de outras CPIs que tinham, inclusive, o número de assinaturas necessárias para serem instaladas e que, em tese, seriam interessantes para a base aliada, como a CPI da Privataria. No caso da CPI do Cachoeira, o presidente se empenhou na instalação.

Maia e outros petistas têm negado, no entanto, que a CPI possa servir para ajudar integrantes do partido no julgamento do Mensalão, mesmo que isto possa, de fato, ocorrer, uma vez que já foi divulgado que Cachoeira atuou, com ajuda de arapongas, para obter gravações que prejudicassem pessoas do Governo. Mais fatos como este tem ocorrido. A revista Época noticiou, por exemplo, que uma gravação de Cachoeira pode ter influído na queda de Luiz Antônio Pagot e de Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes, porque ambos estavam desagradando a empreiteira em obras federais. Gravação que foi divulgada por Veja.

O fato é que a Editora Abril está realmente preocupada com os rumos da Comissão. O portal Brasil 247, divulgou nesta sexta-feira (20) que a editora que passou oito anos achincalhando o ex-presidente Lula e segue divulgando semanalmente denúncias — muitas vezes fantasiosas, noutras nem tanto — contra o governo federal enviou para Brasília ninguém menos que seu presidente Fabio Barbosa para tentar evitar uma humilhação pública da revista semelhante à que teve Rupert Murdoch na Inglaterra. Segundo o portal, Barboza tem trânsito entre os congressistas de diversas matizes por ter presidido o Banco Santander e a FEBRABAN e estaria disposto a vetar o nome de Paulo Teixeira da relatoria, em prol de algum nome mais dócil.

As estratégias parecem traçadas, mas é difícil prever o que prevalecerá na investigação. “Não tem como se prever de antemão onde vamos chegar”, afirma o deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), escalado com suplente de seu partido, que também cita a mesma máxima que Onyx, de que “CPI se sabe onde começa, mas não se sabe onde termina”. “É comum que novas denúncias apareçam durante a CPI. Pessoas se sentem atingidas e resolvem falar”, justifica.

O pedetista, que algumas vezes já votou contra o Governo, admite que há dos dois lados a intenção de fazer disputa política, mas garante que não é sua intenção. “Há alguns deputados que têm esta intenção de transformar a CPI em queda-de-braço político. Espero que aproveitemos para fazer um trabalho sério e responsável, que não se transforme num palco de política partidária”, diz.

Vieira afirma que o PDT não recebeu qualquer orientação do Planalto e acredita que não é possível esfriar a CPI uma vez instalada. “Acho que é um caminho sem volta. O que poderia ser feito era evitar que fosse instalada, o que já foi feito com CPIs que tinham, inclusive, o número de assinaturas necessário”, afirma. Um fator que ele concorda que pode esfriar a CPI são as eleições municipal, no segundo semestre. “Se houver fatos impactantes, ela continua no noticiário. Vai depender disto”.

Quantos aos rumos da investigação, o que oposicionistas e governistas concordam é que pode servir para a criação de instrumentos de combate à corrupção. Onyx Lorenzoni lembra que da CPI dos Correios, que ele considera que foi uma CPI que deu resultados, saíram 25 projetos de lei e quatro deles já se tornaram leis, todas elas de combate à lavagem de dinheiro. Paulo Teixeira acredita ser possível pensar medidas para aprimorar o sistema político, dando um impulso, por exemplo, à reforma política, que está travada na Câmara. “Tem que desdobrar isto em todas as medidas que possam aperfeiçoar o sistema político brasileiro. Essa CPI pode elucidar relações de financiamento de campanha, que tem origem no crime organizado. Então, pode ajudar a repensar como o sistema está fragilizado”, diz.