Governo recua em temas de direitos humanos diante do avanço conservador

Disputa de religiosos em torno de temas morais alimenta polêmicas com Dilma desde a campanha eleitoral e vai exigir novos modos de debate pelo Planalto

São Paulo – Após menos de seis meses de governo Dilma Rousseff, com uma ameaça de crise política envolvendo um ministro-chave, os últimos 30 dias mostraram um avanço de setores conservadores e recuos do governo em temas relacionados a direitos humanos e ao meio ambiente. A parte mais visível da movimentação ocorre por dentro da própria base de apoio do governo no Legislativo.

O cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), credita esse avanço ao crescimento da bancada religiosa e entende que os parlamentares colocam as convicções de sua base eleitoral na frente de uma aliança política governista.

Há duas semanas o governo cedeu à pressão da bancada religiosa e cancelou a produção do kit anti-homofobia. O grupo ameaçava apoiar a convocação do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, para explicar sua evolução patrimonial dos últimos quatro anos.

Na terça-feira (31), o recuo envolveu o projeto de lei 122, que criminaliza a homofobia. A senadora Marta Suplicy (PT-SP) e Toni Reis, presidente da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (ABLGT), encontraram-se com o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Os apontamentos para tornar menos incisivos os termos do texto devem prevalecer e um novo projeto será apresentado.

Para explicar o recuo do governo em temas relacionadas aos Direitos Humanos, Barreto lembra que “se o governo perceber que a implementação da agenda voltada aos direitos humanos resultar em um perigo eleitoral para sí, haverá retrocesso”.

O blogueiro, apresentador e ativista da causa LGBT, André Fischer, vai no mesmo sentido. “(O governo) não tem peito para bancar questões referentes aos direitos humanos, muito pelo contrário, fica fazendo concessões a grupos fundamentalistas”, critica.

Questões relacionadas a direitos humanos ganham contornos de tabu para Dilma desde a campanha eleitoral de 2010. A então candidata do PT sofreu forte represália de grupos religiosos em torno do aumentos dos direitos aos homossexuais e temas como o aborto. A terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), editada em forma de decreto em dezembro de 2009 e revisada em 2010, foi recuperada em diversos momentos da campanha para criticar a postulante governista ao cargo.

Para evitar a perda de votos do grupo, Dilma firmou uma carta direcionada a evangélicos garantindo que não tomaria “a iniciativa de propor alterações em temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no país”.

O cientista político avaliou que o fato de Dilma ter “assumido algumas posições conversadoras” durante a campanha, aliada ao momento frágil que o governo atravessa e ao mau planejamento adotado pelo Ministério da Educação (MEC) no projeto do kit anti-homofóbico, fizeram com que o governo não “arriscasse seu pescoço” defendendo as posições de uma esquerda liberal.

A senadora petista Marta Suplicy falou à Rede Brasil Atual e concordou que o MEC poderia ter dado mais explicações sobre o material. “O Ministério poderia ter feito um trabalho mais amplo contendo informações sobre como ele vai ser lançado, em quais tipos de escolas, qual o preparo, se os professores que trabalharão com isso serão assistidos”, explica.

Para Marta, o material “foi colocado ao público sem nenhum preparo de mídia”. A senadora enxerga que o kit “entrou na mídia de uma forma enviesada”, por isso a incompreensão das pessoas e a rejeição de um grande grupo.

A perspectiva de agir diferentemente a respeito depende da capacidade de Dilma se articular com a base. Barreto acredita que é possível, contanto, que o governo “demonstre uma capacidade de gerenciamento que não demonstrou até agora”.

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