Primeiros 100 dias de Dilma têm atritos e destaque para mulheres

Do salário mínimo à visita de Obama, do ajuste fiscal à relação com os militares e a defesa dos direitos humanos, dez episódios marcaram o período

São Paulo – Os primeiros 100 dias do governo de Dilma Rousseff podem ter tido até uma relativa trégua da oposição, mas o período acumula debates de fôlego superados e ainda por vir. A Rede Brasil Atual recupera dez dos principais pontos, com links para reportagens e análises do momento em que foram publicadas.

Salário mínimo e IR

O reajuste do salário mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda (IR) estavam na pauta das centrais sindicais desde o fim da eleição presidencial. Ocorre que um acordo firmado entre o governo Lula e as entidades em 2006 previa fórmula de reajuste até 2010. Para este ano, o mecanismo estava em suspenso para os dois temas. A manutenção do reajuste da inflação do ano mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes foi defendida pela proposta do governo até 2015. Mas as centrais pediam que o mecanismo começasse com um valor maior R$ 35 maior, de R$ 580. Para o IR, continua valendo o aumento de acordo com a meta de inflação para os próximos anos – 4,5% ao ano. As centrais comemoraram o avanço da política de valorização do mínimo. Mas um clima de cizânia permaneceu no ar. Para diminuir a tensão, apesar de considerar que apenas cumpriu o acordo, ela recebeu representantes dos sindicalistas e colocou Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, para intermediar a relação.

Ajuste fiscal e juros

O corte de R$ 50 bilhões no Orçamento Geral da República, anunciado no último dia de fevereiro, contrariou setores de esquerda que apoiam o governo Dilma. Para diversos economistas alinhados a esse grupo, a medida foi exagerada, embora não comprometa a prioridade conferida ao crescimento econômico do país nos últimos anos. Isso porque o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram preservados. Mas, segundo esses analistas, um corte de juros teria mais efeitos sobre as contas públicas.

A redução de despesas foi aplaudida pela mídia e por economistas liberais, a exemplo do que ocorreu nas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central. Em ambas as ocasiões, houve elevação da Selic, taxa básica de juros da economia, o que contribui para redução do nível de investimento na economia.

Obama

A maior exposição internacional de Dilma foi durante a visita do presidente dos Estados Unidos Barack Obama ao Brasil. Antes, ela havia concedido entrevista ao jornal norte-americano Washington Post. Na visita, um dos maiores destaques foi a ausência de Lula no almoço oferecido à comitiva, já que outros ex-presidentes não hesitaram em comparecer. O padrinho de Dilma afirma que não esteve lá para não “concorrer” com a presidenta.

Na visita, Obama indicou apreço ao pleito brasileiro por um posto permanente no Conselho de Segurança na Organização das Nações Unidas (ONU). Fez elogios ao país, mas foi recebido com alguns protestos, especialmente no Rio de Janeiro. Poucos acordos foram assinados e a comitiva de empresários dos EUA era composta por número bastante inferior do que visitas à Índia e à China, mas a visita colocou o Brasil em um patamar diferente do restante da América Latina. Enquanto os discursos no Chile e em El Salvador, para onde o mandatário de Washington seguiu depois de deixar o Rio, foram voltados ao conjunto da região, as falas em território nacional foram dedicadas exclusivamente aos brasileiros.

Verdade sobre a ditadura e os militares

Longe de tratar com agressividade os setores militares, Dilma manteve uma relação de cordialidade, cujo ponto mais alto ocorreu na última semana, quando ela foi condecorada com medalhas e honrarias das Forças Armadas. Na ocasião, ela destacou a importância delas para o país, para o pré-sal e a Amazônia. A louvação ocorreu semanas depois do principal atrito com os setores militares. O Comando do Exército criticou, em relatório, a instalação da Comissão de Verdade, cuja finalidade seria investigar crimes de violações dos direitos humanos durante a ditadura (1964-1985). A presidenta reagiu e colocou Nelson Jobim, ministro da Defesa, para enquadrar militares.

A iniciativa não impediu que organizações ligadas a militares – mas não ao comando das Forças Armadas – fizessem manifestações ainda mais inconvenientes em um país governado por uma ex-militante contra a ditadura. O Clube Militar do Rio de Janeiro emitiu comunicado exaltando o papel do regime autoritário no país.

Em outra frente, houve avanço no Congresso Nacional, que aprovou uma convenção internacional sobre desaparecimentos forçados, exigida pela OEA em dezembro, em sentença sobre os desaparecidos e mortos na repressão à Guerrilha do Araguaia.

Banda larga sem regulação da mídia

O governo é de continuidade. Mas ficaram parados os planos de Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social, de conduzir a regulamentação das comunicações com a mesma prioridade que tiveram as mudanças no setor energético no início do governo Lula. O responsável pela discussão, Paulo Bernardo, titular das Comunicações, declarou repetidas vezes não ter pressa para isso. Ele está claramente mais preocupado com o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado na gestão passada e que ainda precisa decolar. Uma das etapas, na visão da pasta, é aprovar alterações na lei que rege o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), para permitir sua aplicação em serviços concedidos em regime privado – atualmente, apenas concessões em regime público, com metas de universalização, como a telefonia fixa, têm acesso aos recursos – desde sua implantação, são R$ 9 bilhões arrecadados, a maior parte ainda a espera de destinação. A Fazenda, no entanto, vem segurando a medida por questões orçamentárias. O mais grave: para ativistas que defendem o direito à comunicação, a medida é inadequada. Seria mais conveniente alterar, por decreto, as concessões de internet banda larga para o regime público.

Entrevistas e aparições na velha mídia

Em fevereiro, a presidenta Dilma causou polêmica ao comparecer no evento que comemorava os 90 anos do jornal Folha de S.Paulo. Na ocasião, Dilma discursou em defesa da liberdade
de imprensa e ressaltou que a democracia só é possível na presença da multiplicidade de opiniões e do contraditório. Porém, militantes, petistas e parte da blogosfera condenaram
a presença da presidenta no evento. Segundo eles, Dilma “absolveu”  o comportamento da mídia durante o governo Lula e, especialmente, na eleição presidencial.

Ainda em fevereiro, Dilma surpreendeu ao aparecer no programa matinal de Ana Maria Braga, da Rede Globo. A conversa, que foi pautada por temas como câncer e ascensão social, teve um teor mais amigável e positivo.

Em sua primeira entrevista exclusiva a um jornal como presidente da República, em março, Dilma falou ao Valor Econômico que descarta fazer a reforma da Previdência e declarou que não vai apoiar mudanças na legislação que representem perda de direitos pelos trabalhadores.

Código Florestal

O desafio das mudanças na legislação ambiental ainda não foi superado, mas já se desenha claramente. Por um lado, Dilma tem de defender os compromissos assumidos na campanha eleitoral de não anistiar desmatadores nem reduzir áreas de preservação ambiental em grandes propriedades. Por outro, tem a pressão da bancada ruralista, que compõe boa parte de sua maioria no Congresso Nacional. O episódio caminhava para ser a primeira derrota política da gestão no Legislativo. A crise tornou necessária a intervenção direta do gabinete da presidenta, com Antonio Palocci (Casa Civil) e outros ministros entrando de cabeça na negociação. O relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) agrada os representantes do agronegócio e desagrada ambientalistas. A negociação com o Congresso tenta ganhar mais tempo mas pode ser primeiro grande racha da bancada.

Transição no Congresso

A base aliada maior na Câmara dos Deputados e no Senado e a oposição 29% menor formam um cenário inédito de apoio ao governo após a ditadura militar. Por isso, confirmou-se a perspectiva de que os principais desafios para Dilma em relação ao Legislativo dizem respeito a manter a coesão de sua base, sem precisar se preocupar tanto com a oposição. Mas por ter um aliado como o peso do PMDB, o partido ganha status de co-responsável pelo governo.

O primeiro resultado da composição governista no Congresso – e especialmente na Câmara – refletiu-se na votação do salário mínimo. Base articulada e condução do debate foram determinantes para a vitória do governo.

Oposição sem norte

Em minoria nas duas casas do Congresso Nacional, a oposição mostra-se sem clareza sobre os nortes de sua ação. Mesmo descontada a trégua dos 100 primeiros dias de gestão, durante os quais os adversários do governo costumam manter mais cautela nas críticas, houve pouca definição sobre o futuro. Tanto assim que analistas políticos continuam apostando que os principais entraves para os projetos do governo federal relacionam-se mais a divisões e disputas na base governista – o que exigirá concessões em nome da unidade da coalizão – do que a atritos com a oposição. O discurso do principal nome nacional da minoria no Congresso, Aécio Neves (PSDB-MG), ocorreu apenas nesta semana. Ele criticou o que considerou “interferência” na mineiradora Vale e defendeu o governo de Fernando Henrique Cardoso. Para além dos tucanos, o cenário não vai melhor. Com o anúncio dos planos de Gilberto Kassab de criar o Partido Social Democrático (PSD) para se aproximar de Dilma, o DEM perdeu ainda mais força. Se confirmadas as articulações, seria da legenda, que tem tamanho médio no Congresso atualmente, que sairia a maior parte dos 40 deputados que migrarão ao PSD.

Mulheres em pauta

O governo Dilma conta com uma bancada feminina que teve poucas alterações em termos numéricos em relação à legislatura anterior. Apesar da maioria masculina em ambas as Casas, duas mulheres ganharam destaque no comando: Marta Suplicy (PT-SP), que foi eleita a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidência no Senado e Rose de Freitas (PMDB-ES) eleita como vice-presidente da Câmara dos Deputados. Na composição na Esplanada dos Ministérios, Dilma escalou mulheres para nove dos 37  ministérios, um número recorde. Em março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, foram diversos encontros e eventos sobre o tema.

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