Para justificar criação de CPIs em SP, tucanos chegam a copiar trechos de reportagens

Textos obtidos na internet são usados por deputados do PSDB na pressa de evitar que a oposição consiga instalar investigações sobre o governo de Geraldo Alckmin

Hélio Nishimoto apresentou requerimento de CPI de Implantes Dentários usando nota à imprensa do Procon de três anos atrás (Foto: Divulgação)

São Paulo – Deputados estaduais do PSDB em São Paulo usaram trechos e até a íntegra de textos colhidos na internet – entre reportagens e notas para a imprensa – para justificar a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Assembleia Legislativa. A Rede Brasil Atual detectou o problema em dois dos nove requerimentos apresentados às pressas, nos primeiros 15 dias da atua legislatura paulista, empossada no último 15 de março – para evitar que a oposição ao governador Geraldo Alckmin conseguisse abrir investigações efetivas.

O caso mais interessante é o da CPI dos Implantes Dentários. Ao apresentar o pedido de criação da comissão, às 17h42 de 16 de março, o deputado reeleito Hélio Nishimoto valeu-se integralmente de um texto emitido em 19 de maio de 2008 pelo Procon, órgão de defesa do consumidor ligado à Secretaria Estadual de Justiça. O texto de Nishimoto aglutina em três parágrafos a nota original, que o Procon publicou em cinco parágrafos.

Procurado desde segunda-feira (28), Nishimoto não respondeu aos pedidos de entrevista para explicar, entre outras questões, por que demorou três anos para apresentar o pedido de investigação e por que usou o texto da instituição sem citar a fonte. Requerimentos para a criação desses colegiados com poder investigativo não precisam necessariamente ser bem fundamentados. No geral, são uma ou duas páginas que compilam brevemente a justificativa para que se conduza o trabalho.

A pressa da base governista para protocolar pedidos de CPI como a dos Implantes Dentários é resultado da disputa com a oposição na Assembleia Legislativa paulista. Apenas cinco comissões desse tipo podem funcionar simultaneamente na Casa. A abertura delas se dá pela ordem em que foram protocoladas.

Embora o PT tenha deixado assessores de plantão para garantir que a CPI dos Pedágios seria a primeira a ser apresentada ao departamento responsável pelo protocolo, o PSDB assegurou que havia feito, externamente, a abertura das comissões. Com isso, os deputados estaduais vão investigar temas como o consumo de álcool entre os paulistas, o ensino superior privado e, claro, os implantes dentários realizados em solo estadual. Mas o inusitado não para por aí.

Científicos ou jornalísticos?

Colega de partido de Nishimoto, o também reeleito Roberto Massafera teve mais criatividade ao apresentar seu requerimento para a criação de uma CPI que visa a investigar problemas relacionados ao consumo de gordura hidrogenada. A comissão foi apelidada na Casa como “CPI do Sebo”. Em entrevista ao portal de notícias iG, Massafera afirmou ter baseado seu pedido em “artigos científicos”.

Na prática, o deputado da região de Araraquara fez uma mescla de duas reportagens. A justificativa tem início com a palavra do epidemiologista-chefe da Escola de Medicina de Harvard, Walter Williet, que diz que a introdução dos hidrogenados na alimentação foi o maior desastre da história alimentícia dos Estados Unidos. 

A relação entre os problemas relacionados ao consumo de gordura trans em Nova York, Dallas ou Washington e uma CPI em São Paulo é esclarecida pelo deputado no requerimento: “A gordura hidrogenada engana muito o consumidor, justamente porque deixa tudo mais crocante e apetitoso, mas, além de representar um risco enorme ao coração, pode duplicar os riscos de infertilidade”.

No site Vya Estelar, sediado no portal UOL, em uma reportagem intitulada “Gordura hidrogenada pode duplicar riscos de infertilidade” consta: “A gordura hidrogenada engana muito o consumidor, justamente porque deixa tudo mais crocante e apetitoso, mas, além de representar um risco enorme ao coração, pode duplicar os riscos de infertilidade”.

Na sequência, a justificativa de Massafera traz mais dois parágrafos copiados da matéria, citando a médica Silvana Chedid, apresentada como especialista em medicina reprodutiva, e os alimentos perigosos por serem ricos em gordura hidrogenada. 

A seguir, a endocrinologista Rosina Erthal Villela, do Espírito Santo, “que pesquisa o assunto há anos” pontua que biscoitos, sorvetes, chocolate, macarrão, batata chips e temperos prontos fazem parte da lista de alimentos ricos em gorduras trans. “As pessoas estão sendo enganadas. Acreditam que estão comendo algo que faz bem, ou que não faz mal, para a saúde. E, na verdade, é justamente o oposto”, defende a médica no requerimento apresentado pelo deputado.

Na realidade, a posição foi defendida em entrevista para o Jornal dos Amigos em reportagem publicada em dezembro de 2004. A médica afirmou à ocasião: “As pessoas estão sendo enganadas. Acreditam que estão comendo algo que faz bem, ou que não faz mal para a saúde. E, na verdade, é justamente o oposto”. A diferença restringe-se à pontuação entre as palavras “mal” e “para”.

Massafera, considerando que as palavras da médica não seriam suficientes para convencer seus colegas a abrir uma CPI, partiu para descrições chocantes. “Os óleos são colocados em uma câmara com gás hidrogênio – daí o nome hidrogenada – com alta pressão e alta temperatura, e o resultado não seria bem visto – e muito menos comido – por ninguém.” 

A mesma reportagem do Jornal dos Amigos também é rica em descrições: “Os óleos são colocados em uma câmara com gás hidrogênio – daí o nome hidrogenada – com alta pressão e alta temperatura, e o resultado não seria bem visto – e muito menos comido – por ninguém”

Procurado, o deputado informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as perguntas deveriam ser encaminhadas por email. Até as 17h15 desta quarta-feira (30), não foram apresentadas respostas. O líder do PSDB na Assembleia Legislativa, Orlando Morando, tampouco respondeu aos pedidos de entrevista apresentados desde a segunda-feira anterior.