Falta de bandeiras claras dificulta formação de partidos conservadores, diz cientista política

São Paulo – A adoção de bandeiras moralistas e religiosas reduz fortemente o alcance de um partido, mas pode ser a saída para siglas que terminaram o processo eleitoral mais […]

São Paulo – A adoção de bandeiras moralistas e religiosas reduz fortemente o alcance de um partido, mas pode ser a saída para siglas que terminaram o processo eleitoral mais fracas do que entraram. A análise é de pesquisadores do cenário político brasileiro, que entendem como um fator de isolamento a busca de bases em setores do eleitorado afeitos a preconceitos étnicos ou regionais.

A discussão está colocada porque, durante a campanha à Presidência da República neste ano, temas como o aborto foram trazidos com toda a força. Ao tentar aproveitar a projeção da discussão, o candidato do PSDB, José Serra, visava a minar Dilma Rousseff (PT). Ela e seu partido tinham resistência junto a setores contrários à qualquer forma de interrupção da gravidez e a acusavam de pretender discriminalizar a prática caso eleita – ainda que a questão seja de alçada exclusiva do Legislativo.

O tema foi apontado como um dos principais responsáveis por a disputa ter sido definida apenas em segundo turno. Na prática, a incursão da campanha de oposição ajudou a revelar a existência de um segmento da sociedade afeito a uma pauta moralmente conservadora e disposto a definir seu voto de acordo com assuntos relacionados a comportamento, origem e religião

“Normalmente, são temas em que os partidos evitam assumir posicionamento muito claro, porque sabem que vai acabar diminuindo o apoio eleitoral”, avalia Maria do Socorro Sousa Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em entrevista à Rede Brasil Atual. “Nesse caso, algum setor acaba se sentindo atingido pelo recorte que se dá a esses temas”, pontua – clique aqui para ler a íntegra da entrevista com a pesquisadora.

Por conta desta perda de eleitorado em potencial, manter essas bandeiras não deve interessar ao PSDB, que tem aspirações a manter a polarização com o PT nas disputas presidenciais. O mesmo vale para o candidato derrotado. Serra adotou em alguns momentos o discurso moralista por conta da oportunidade eleitoral, na visão da analista.

Mas esses termos podem ser interessantes a partidos que, na linguagem política, vêm se “desidratando”. Ela refere-se ao DEM, que já tentou realizar uma “refundação” e revelar novas lideranças sem, no entanto, evitar a própria diminuição no número de candidatos eleitos, especialmente no Congresso Nacional. Entre boatos de fusão com o PMDB e com o PSDB, lideranças do DEM dividem-se entre os que acreditam em um mergulho à direita e os que acreditam em outras composições.

A adoção do nome Democratas ocorreu em 2007 como uma tentativa de dar novos ares ao Partido da Frente Liberal (PFL). O nome empregado até então havia sido definido em 1985, como dissidência do Partido Democrático Social (PDS), herdeiro direto da Arena, o partido governista formado no regime militar – quando apenas o MBD era permitido como frente de oposição.

Esse vínculo em relação ao período autoritário é uma das chaves para explicar por que a pauta conservadora permaneceu de lado até este ano. “A dificuldade dos partidos em se manifestar abertamente de direita tem a ver com uma associação ainda forte no imaginário político da direita como experiência da ditadura militar, do regime autoritário”, pontua Magna Inácio, diretora do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais.

Ela acrescenta que as eleições presidenciais mostraram uma novidade no cenário nacional. Para Magna, daqui por diante, será possível que os partidos, caso decidam assumir-se conservadores, criem novas referências sobre o que significa ser direita no Brasil.

Bandeiras

No país, questões como o papel do Estado, um dos pontos centrais nas últimas duas campanhas presidenciais, tornam-se importantes em especial pela necessidade de redução das desigualdades sociais e do combate à pobreza. “Quando se tem a chegada do PT ao governo federal, passa a haver uma defesa de um projeto de país que é muito mais pluriclassista, e para ter êxito esse projeto é preciso um Estado muito mais presente na sociedade”, avalia Maria do Socorro.

Para a professora da UFSCar, o PSDB representa a outra face deste programa, com uma agenda neoliberal, com menor presença do Estado. Outras visões têm espaço, mas tenderiam a alcançar menores projeções.

A falta de uma pauta clara é um dos entraves para a formação de partidos assumidamente de direita no país. Na visão da cientista política, o país tem dezenas de siglas, mas não há  uma polarização clara no plano geral como ocorre em países da Europa, por exemplo. Assim, no Brasil, restaria pouco espaço para um programa abertamente baseado em preconceitos étnicos ou regionais, fundamentalismo religioso ou moral.

A questão colocada pela pesquisadora é se alguma legenda estaria disposta a assumir o risco de, ao abraçar esse tipo de proposta, arcar com o isolamento decorrente. Apenas partidos que não vislumbrem o eleitorado como um todo – como em uma disputa presidencial – tirariam proveito desse tipo de agenda.