Os custos reais

É melhor o Estado bancar campanhas eleitorais ou conviver com 'doações' que viram fatura a ser cobrada pelo financiador privado? Esse é um dos dilemas da reforma política

Em julho, a CUT fez manifestações em todo o país, como esta na Sé (SP). Reforma política é uma das bandeiras da central (Foto: Jailton Garcia)

Entre variadas propostas de reforma política que ameaçam desaguar no nada, um dos tópicos com maior chance de aprovação, segundo alguns observadores, é o financiamento público de campanha. Hoje, empresas pesos-pesados sempre entram firmes nas vaquinhas e, sem cerimônia ideológica, a mesma companhia doa a partidos adversários. Somente na última disputa presidencial, o Itaú Unibanco desembolsou R$ 23,6 milhões para vários candidatos, incluindo Dilma Rousseff e José Serra. Idem em relação às construtoras OAS e Camargo Corrêa, com R$ 67 milhões, ou o frigorífico JBS, com R$ 30 milhões. Nas eleições de 2010, a soma das contribuições feitas a todos os candidatos, eleitos e não eleitos, superou os R$ 3,2 bilhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Em abril, comissão especial do Senado entregou relatório com 16 sugestões de mudanças, entre as quais a instituição do financiamento exclusivamente público. Um projeto de lei fixaria um teto para os valores. Seria uma contrapartida para a dinheirama que corre hoje, que muitas vezes tem o custo adicional de eleger políticos previamente comprometidos com esse ou aquele interesse.

“Há uma exposição exagerada dos representantes ao poder econômico. Temos um processo que cria um nível elevado de comprometimento entre o candidato e o financiador”, afirma o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP). Segundo ele, há no Congresso pelo menos quatro visões diferentes sobre reforma política, o que sugere mudanças limitadas. “Nenhuma delas é majoritária. Se não houver discussão política, a reforma mais uma vez pode não ser realizada”, alerta. “E isso falando em 2014, porque novas regras para 2012 não dá mais.”Ricardo Berzoini (Foto: Diógenes Santos/Ag.Câmara)

Berzoini: “Exposição exagerada dos representantes ao poder econômico”

O primeiro-secretário do PSB, Carlos Siqueira, aponta o financiamento público de campanha como item importante da reforma, mas considera difícil a aprovação. “Partidos de centro-esquerda defendem, mas não vejo muito empenho do centro para a direita.”

Ele também vê no país um excesso de partidos, mas preza a liberdade de organização e o pluralismo. “Quem é que pode limitar? É o próprio eleitor, e ele tem feito isso”, argumenta. E lembra que nem todos os 27 partidos registrados têm representação na Câmara, no Senado e nos governos estaduais.

 Para Siqueira, poucos itens têm chance de ser aprovados a tempo de valer para 2014. O mais interessante seria discutir mirando 2018, com menor influência de eventuais pretensões dos atuais parlamentares.

O senador tucano Álvaro Dias (PR) ocupou a tribuna em junho para falar durante meia hora sobre reforma política. Disse que já esteve “mais animado” em relação ao financiamento público de campanha. “Se tivéssemos mecanismos de fiscalização e controle rigorosos e eficazes, eu não teria dúvida em defender. Mas, com a banalização da corrupção e a ineficácia dos instrumentos de fiscalização e controle, não ouso defender o financiamento público.”Álvaro Dias (Foto: Felipe Barra/Ag.Senado)

Representação

O fim das coligações proporcionais tem boas chances de entrar na pauta, até por favorecer os principais partidos. Simulação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base na última eleição, mostra que as bancadas da Câmara teriam alterações significativas: a do PT passaria de 88 deputados para 110, enquanto a segunda maior, a do PMDB, aumentaria de 78 para 109. O PSDB ganharia dez cadeiras, atingindo 63; o PP perderia sete e o DEM, quatro, caindo para 37 e 39, respectivamente. O número de partidos representados encolheria de 22 para 16.

Álvaro Dias: “Não ouso defender o financiamento público”

Fatiar o tema pode não ser tão ruim, na avaliação do cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, ele defendeu uma discussão mais voltada para temas específicos, como o financiamento de campanha, em vez de uma reforma “pensada genérica, indefinida e abstratamente”. 

Ao participar de audiência pública sobre o tema, Couto disse ter ficado “absolutamente claro” que o item mais preocupante é mesmo o “elevadíssimo custo das campanhas eleitorais, o qual expulsa da disputa aqueles que não se dispõem a fazer qualquer negócio para se financiar”. O relator da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), defende financiamento exclusivamente público e a redução de custos de campanha.

Para a socióloga e professora Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação da USP, o atual sistema político brasileiro não é compatível com “princípios republicanos e democráticos”. Em entrevista à revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo, ela afirma que falta ainda identificar democracia com soberania popular. “Temos definidas e atuantes as formas da democracia representativa, mas ainda não temos as de efetiva participação direta do povo, embora a Constituição as tenha acolhido em 1988.”Maria Victoria Benevides (Foto: Jailton Garcia)

Maria Victoria atribui as limitações da democracia brasileira não só ao sistema político: “Como o poder econômico avança na política de uma maneira tentacular e capilar, em todas as instâncias, também impede que o sistema político possa abrir brechas para aprofundar a soberania popular, uma exigência absolutamente inarredável do conceito de democracia”.

Para cargos parlamentares, a professora defende o voto em lista fechada. Por esse sistema, o eleitor vota na legenda, e não em determinado candidato. Seriam eleitos os registrados nas listas divulgadas pelos partidos. 

Maria Victória: poder econômico avança na política de uma maneira tentacular 

Em 2007, o Congresso rejeitou a lista fechada, por 252 a 181. Contra, votaram PSB, PDT, PCdoB, PSDB, PTB, PV, PP, PR; a favor, PT, DEM e PSol. PMDB e PPS liberaram as bancadas. “Vota-se na lista que o partido sancionou e há muitas pessoas que são rejeitadas pela legenda legitimamente. Não acho que a lista fechada seja menos democrática que a aberta”, afirma Maria Victoria.

A íntegra da entrevista pode ser lida na internet

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Manifestações da CUT

Manifestação da CUT na Sé (foto: Jailton Garcia)

A reforma política foi um dos temas do Dia Nacional de Mobilização, organizado pela CUT no dia 6 deste mês. O presidente da central, Artur Henrique, considera particularmente importantes itens como o financiamento público de campanha e o fim do que chama de abuso do poder econômico, além de voto em lista com alternância e proporcionalidade de gênero e fidelidade partidária. Segundo ele, qualquer reforma deve “ampliar a democracia direta e fortalecer a democracia representativa”. 

Em seminário promovido pela central, o voto em lista fechada e a necessidade do financiamento público de campanha foram apontados como fundamentais para a democracia e a transparência do sistema eleitoral. No evento, o relator da Comissão Especial de Reforma Política na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), criticou o caráter “personalista e permeável ao poder econômico” do atual modelo. 

A manifestação da CUT demarcou uma agenda extensa, com temas como fim do imposto sindical, combate à precarização e à terceirização, reforma tributária, aprovação do Plano Nacional de Educação e melhoria da educação no campo, não privatização dos aeroportos, entre outras bandeiras. Os protestos da central cobraram também maior rigor dos governos e do Judiciário contra a violência no campo e nas florestas (leia mais sobre o tema aqui: Medo na floresta).