Polêmica mina de ouro entre Argentina e Chile inicia obras em setembro

Em entrevista à Rede Brasil Atual, ministra de Bachelet afirma que não cabe ao governo apontar problemas ambientais. Ambientalista teme remoção de comunidades inteiras

Marcha contra a instalação das atividades mineiradoras nos Andes (Foto: Jujuy UAC)

Os trabalhos estão prontos para começar. Depois de inúmeros recursos judiciais, ainda restam alguns, mas a mineradora Barrick Gold, maior produtora de ouro mundial, promete iniciar no próximo mês as obras binacionais entre Chile e Argentina. O governo de Michele Bachelet confirmou à Rede Brasil Atual a informação de que a largada será dada.

Pascua Lama, em plena Cordilheira dos Andes, provoca temor por parte de organizações ambientais e nas comunidades locais. Agora, a aposta é de que a pressão popular consiga barrar o início das construções (e da posterior exploração), explica Lucio Cuenca, diretor da Organização Latino-americana de Conflitos Ambientais (Olca), em conversa telefônica com a reportagem.

Os grupos organizados apontam que há dezenas de irregularidades pendentes no projeto da empresa multinacional que considera a exploração nos Andes como um projeto de baixo custo e alto retorno para as próximas décadas.

Não é apenas a Barrick que espera sinal verde para operar na Cordilheira. Outras mineradoras esperam beneficiar-se do aval para também poderem explorar a região. Cuenca vê com grande temor a possibilidade, uma vez que cada empresa consome água em grande quantidade em uma região bastante árida, exatamente onde começa o deserto de Atacama. A estimativa é de que algumas partes do Chile próximas dali fiquem sem água até, no máximo, a metade da próxima década. Caso Pascua Lama entre em operação, essa projeção poderia ser ainda mais sombriam, e muitos outros povos estariam sujeitos a problemas hídricos.

Marcha em Vallenar (Foto:UAC)

“Todas as zonas do centro e do norte do Chile dependem dos recursos (hídricos) dos glaciares (gelo glacial). E, portanto, autorizar a intervenção nessa zona é colocar em risco inclusive o abastecimento de Santiago. Estamos pedindo uma moratória ao governo para todos os projetos que querem intervir nos glaciares. O racional é que essas zonas sejam conservadas. Se efetivamente queremos olhar ao futuro, temos de proteger essa fonte de recursos hídricos”, afirma o diretor da Olca.

Do lado chileno da área que será explorada, nascem cinco rios, alguns deles abastecendo um vale que tem na agricultura sua principal fonte de renda. Além da escassez de água, as organizações ambientais apontam o risco da contaminação da mesma pelos altos índices de cianuro utilizados na mineração de ouro. 

A possibilidade de remoção de comunidades inteiras afeta principalmente os diaguitas, uma etnia pré-colombiana que teve a propriedade de 239.918 hectares reconhecida em 1997. São 1.200 moradores que habitam o ponto mais alto do Vale do Huasco, às margens do Rio El Tránsito

“Essa comunidade foi vítima da usurpação de terras. Pascua Lama está localizado em um território que a comunidade indígena reclama como próprio e que agora está em mãos da Barrick. A comunidade diaguita apresentou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e agora se pede que detenha o projeto”, afirma o diretor da Olca.

Governo chileno

Marcha em Vallenar (Foto: UAC)

Em entrevista à Rede Brasil Atual, a ministra do Trabalho e Previdência do Chile, Claudia Serrano, aponta que não cabe ao governo a tarefa de preocupar-se com os problemas ambientais. “Dentro do governo não há discussão sobre o projeto pois temos uma institucionalidade que faz com que o debate se realize em meio ao processo de avaliação de impacto ambiental com participação cidadã. Portanto, se requerem todos os estudos técnicos e todos os estudos sociais e econômicos para que o projeto obtenha o aval da institucionalidade chilena”, argumenta. 

Para Lucio Cuenca, a fala da ministra e a postura de Michele Bachelet não são verdadeiras: “a presidente faltou aos compromissos assumidos durante a campanha. Quando estava promovendo sua candidatura, Bachelet se comprometeu a não apoiar projetos que afetassem os glaciares”. 

Com o aval dos governo de Chile e de Argentina, a Barrick Gold conseguiu recentemente remover um dos últimos obstáculos para o projeto. Os países aceitaram não cobrar duas vezes os impostos devidos, dividindo entre si a arrecadação de Pascua Lama. As organizações apontam a ilegalidade do processo, já que os sistemas tributários de ambos países não preveem a criação de regimes especiais para qualquer empresa. 

A concessão não é nova. Desde o começo, a Barrick Gold sabia que o projeto só seria viável se pudesse fazer o transporte pelo Oceano Pacífico, e não pelo Atlântico. No Congresso chileno, a Barrick rapidamente conseguiu aprovar o projeto, apesar das denúncias de alguns deputados e senadores.

Lucio Cuenca afirma que os parlamentares disseram que a Barrick exerceu muita pressão e realizou muito lobby para que o tratado fosse ratificado. “Inclusive, um advogado da própria empresa falou que a Barrick foi quem escreveu o tratado. Ou seja, o texto não partiu nem de um governo nem de outro, fizeram do jeito que eles queriam.”

Depois disso, o Tribunal Constitucional do Chile revogou vários pontos do acordo. Mas, como do lado argentino não houve questionamento à constitucionalidade, na prática existem hoje dois tratados. Para os governos dos dois países, no entanto, não há problema em Pascua Lama iniciar seus trabalhos. 

Para a ministra Claudia Serrano, a opinião “é de que qualquer investimento que se faça no Chile tem de ser com respeito ao meio ambiente, de acordo com as normas e procedimentos firmados”. É o que acontece em Pascua Lama, segundo ela.

Julio Cuenca, novamente, discorda: “continuam comprando as pessoas para que não façam oposição ao projeto. Disso, o governo chileno não se dá conta. Não se encarrega da situação do conflito que existe nessa zona, onde a comunidade está contra o projeto. As pessoas conhecem seu território e sabem o que significa intervir nesta zona dos Andes”.

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