Exclusivo: candidata afirma que Evo é pai fraco e Bolívia precisa de mãe

Jimena Costa, lançada na segunda-feira (24), já ameaça retirar candidatura caso não haja acordo entre a oposição, ao mesmo tempo em que insinua que Morales é apenas uma figura decorativa

Muro de La Paz demonstrando apoio a Evo Morales durante a campanha para o referendo de agosto de 2008 (Foto: Rede Brasil Atual)

Acostumada a falar aos meios de comunicação bolivianos sobre todos os temas, Jimena Costa acaba de mudar de rumos. A analista política, que durante muitos anos serviu de oráculo para fazer previsões sobre o país, foi lançada na segunda-feira (24) oficialmente como candidata à presidência. Sem partido político, ela ainda depende de reuniões para conseguir formar uma chapa com outros quatro que querem ser candidatos.

Caso não haja acordo, Jimena Costa afirmou à Rede Brasil Atual que deixa sua candidatura porque “é absurdo dividir o voto da oposição”. Ela espera que até o fim de semana seja conformado o tal “bloco cidadão”, que considera que há uma crise de partidos políticos e que é preciso lançar uma candidatura alternativa, e ao mesmo tempo ataca seus novos colegas, apontando que há os que colocam seus projetos poder acima dos interesses do país.

A única mulher na corrida presidencial de 6 de dezembro garante arrancar com 16% de intenções de votos em La Paz, a capital boliviana, na qual ocupa uma confortável residência do bairro de classe alta de Calacoto.

Entrevista

Jimena Costa

Pré-candidata de oposição a presidente da Bolívia

Nem bem foi lançada, Jimena Costa teve sua candidatura ironizada pelo presidente Evo Morales, que afirmou que o MAS, partido governista, “não nasce de um grupo de cientistas políticos, mas dos setores mais abandonados”. Na mesma linha, o dirigente camponês Alejo Véliz afirmou que a candidatura “me dá pena, entristece, é carne relativamente fresca para abutres e falcões, o mesmo de sempre”.

Sobre o presidente, Jimena Costa acusa que quem governa são os “de seu entorno”, e insinua que Morales não é mais que uma figura decorativa no Palácio Quemado.

RBA – Quando a senhora decidiu ser candidata?

A verdade é que começou a haver um pouco de pressão pela formação de um bloco democrático. Quero ressaltar que preocupa ver a crise de partidos políticos, que ainda não se supera. E sobretudo que, apesar de o momento da democracia ser tão crítico, alguns setores não puderam renunciar a seus interesses pessoais. Não se deram conta do que ocorreu nos últimos três anos no país.

RBA – O que ocorreu nos últimos três anos?

Estamos em uma crise política severa, a república está em questionamento, já não existe a nação boliviana. O Estado está caindo, há uma crise institucional: não existe o Tribunal Constitucional, a Corte Suprema também, a Corte Eleitoral é questionada em sua credibilidade e em sua independência. O Parlamento está parado, funcionam apenas algumas comissões que não valem nada, não se legisla. Está caindo a república e continuam pensando em projetos políticos pessoais.

É muito cômodo olhar a política desde fora, apenas criticar e não exercer o papel como cidadão. Então me parece que chegou o momento de que os cidadãos tomemos as palavras na política para questionar as práticas. Não somente a um partido ou a outro, mas à forma de se fazer política. Não se pode fazer como no passado: ao redor de caudilhos que repartem lugares nas listas eleitorais de acordo com suas alianças conjunturais.

Não há partidos fortes, então devemos trabalhar com as redes que existem em cada departamento (estado). Isso é o que se está fazendo no bloco, e desde essa perspectiva comecei a articular com as lideranças em La Paz para que exista uma voz deste acordo autonômico.

RBA – Se tivesse de escolher um lugar para esse “bloco cidadão” no espectro ideológico, onde o colocaria?

É difícil falar de centros neutrais na política. Mas a tentativa é de armar um centro democrático que inclua uma esquerda nacional, mas democrática, e também uma direita nacional e democrática, sem que nenhum dos extremos esteja presente. Parece que neste momento seguir brigando entre direita e esquerda e perder de vista os interesses da própria república é um absurdo.

Penso que a democracia pode nos permitir deter o pêndulo da história política, pois fomos da extrema esquerda à extrema direita. No processo democrático começamos com Jaime Paz Zamora (1989-39) na extrema esquerda e acabamos com Goni (Gonzalo Sanchez de Losada – 1993-97 e 2002-03) na extrema direita para voltar à extrema esquerda com Evo Morales.

Então, há que parar o pêndulo em algum momento. Um pouco tratar de deter em um centro democrático de forma que as forças democráticas de direita e de esquerda possam discutir soluções para o país no lugar de confrontar posições.

RBA – Na Bolívia, como no Brasil e em quase todos os países latino-americanos, há um problema muito grande com a questão da mulher. Isso pode ser um problema frente à sociedade?

Não, creio que é uma vantagem, mas devemos levar em conta as diferenças culturais que hoje estão sendo fortemente reivindicadas na Bolívia. É um momento de grandes oportunidades para as mulheres na política caso se pense da classe média-baixa para cima.

Nos povos indígenas, há vários deles em que predominam as culturas matriarcais e é absolutamente lógico. Ocorreu com os quéchua em Cochabamba e em Chuquisaca: homens e mulheres disseram “fantástico, o que precisamos são mulheres”, porque são culturas matriarcais, a quéchua especialmente. O aimará não. É uma cultura profundamente patriarcal, o que leva a que as mulheres sejam completamente submissas sob critérios de usos e de costumes.

É um terreno incerto. As mulheres devem escrever as mudanças porque se sentem excluídas e encurraladas. Então, ao verem uma mulher que se candidata à presidência, têm muita vontade de participar e muito orgulho, mas aí é difícil convencer os homens porque lhes parece uma barbaridade que uma mulher ocupe um espaço feminino.

RBA – Foi realizada alguma pesquisa de opinião para saber da aceitação de seu nome?

Na realidade, para a proclamação e todas essas coisas os cidadãos diziam que não, que esse não era um assunto para pesquisa, mas de esperança, da cultura emotiva que temos. E nisso Evo Morales é um pai, mas um pai fraco, então precisamos de uma mãe.

As pesquisas mostram que tenho altas probabilidades de avançar. Apareci pela primeira vez na disputa agora em agosto e, a menos de 20 dias de aparecer, estou numa excelente posição em La Paz, que é onde mais me conhecem e é o colégio eleitoral mais importante, já que representa um terço do número de votantes. Apareço com 16% de apoio em La Paz, o que parece muito promissor para uma campanha que ainda não havia começado. Mas existe pouco tempo, nada mais que três meses e poucos dias para fazer uma campanha. Ou seja, é complicado.

RBA – De onde sairão os recursos para a campanha?

O primeiro é que somente se concebe a possibilidade de participar dentro de um bloco democrático. Porque fora de um bloco, ainda que existam suficientes recursos, é absurdo fragmentar o voto opositor. Ou participa de um bloco para fortalecer aquilo ou é melhor retirar-se porque vai acabar prestando um favor ao oficialismo, e não à oposição.

Sob essa premissa, há recursos para um bloco democrático. As fontes são várias e separadas. Se pensar nas potencialidades de que se somem os vários candidatos com recursos para trabalhar uma só campanha, os recursos são suficientes. Não são infinitos e nunca serão muito importantes se comparados com os recursos que tem a situação.

RBA – Há poucas semanas para que se faça essa aliança. Como estão as conversações com o ex-governador de Cochabamba, Manfred Reyes Villa, e com o ex-vice-presidente, Victor Hugo Cárdenas?

Não houve nenhuma decisão depois da última reunião, na semana passada. Mantêm-se três candidatos com seis departamentos, nos quais estão Villa, Cárdenas e eu. Mas se determinou que era preciso ampliar a participação dos três departamentos que faltavam e dos dois candidatos fortes que faltavam dentro de uma visão mais democrática, que são Germán Antelo (ex-presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz) e René Joaquino (candidato da Alianza Social).

Estamos precisamente nisso, tratando de avançar alguns na questão regional, outros com os candidatos e ainda alguns com as duas coisas de acordo com os canais com os quais contam. Imagino que até o fim de semana teremos de tomar algumas decisões.

RBA – Sem esta decisão, a senhora não segue adiante com a candidatura?

Se a decisão é que eu seja parte do binômio, obviamente continuo trabalhando no bloco. Se a decisão é que seja outro o binômio, também ficarei trabalhando no bloco. Mas, se a decisão é que não se pode avançar na formação do bloco, eu retirarei minha candidatura. Porque, como dizia antes, é absurdo enfraquecer o voto opositor.

RBA – Em um bloco desse tipo, não há um risco de que as propostas não sigam uma certa linha ideológica?

Não há muitas diferenças em termos ideológicos e programáticos entre os diferentes blocos. A grande maioria dos blocos departamentais concorda que o 6 de dezembro não representa apenas uma mudança de governo, mas um risco à existência do que conhecemos até hoje como Estado boliviano.

Nesse cenário, pensar em um programa tradicional, de políticas de saúde, educação, investimentos, parece absurdo. São medidas centrais que se deve tomar para recompor a direção do Estado e redirecionar o investimento a setores públicos, e não somente a recursos naturais.

Há duas, três, cinco propostas concretas em que todos concordam. Não é um momento usual na política nacional, é uma situação particular que exige estratégias particulares. Há mais coincidências do que se acredita.

Não há tantas diferenças nas questões programáticas e ideológicas, mas há nos interesses de cada um. Todos querem entrar no bloco apenas se forem os escolhidos para ser presidente. Como sempre na política, a paixão pelo poder gera limitações a uma coalizão.

RBA – Quais são os pontos fracos de Evo Morales?

Há muitos, cada vez mais. Faz-se evidente que o presidente não tem ideia do que está ocorrendo no governo. Quem está governando são algumas pessoas do entorno e que ele somente está como símbolo, ícone articulador, uma imagem a ser vendida para a comunidade internacional.

O presidente não aceita o debate com alguém que não seja de seu próprio gabinete porque há enormes vulnerabilidades a respeito do que está ocorrendo dentro de seu governo. Tem um perfil bastante político, discursivo e confrontativo, mas em termos de conduzir a administração, as políticas do Estado, há enormes deficiências.

Por outra parte, depois de estar quase três anos consecutivos em campanha pela Assembleia Constituinte, e logo a aprovação da Constituição, este ano ficou claro que além dos problemas de gestão há sérios problemas de corrupção em muitíssimos dos projetos centrais do governo atual, que manteve as práticas de nepotismo, de clientelismo do sistema tradicional que tanto era questionado.

Na verdade, a mudança ainda não ocorreu. Houve um grande avanço na questão da inclusão indígena, que não tem tanto a ver com Evo Morales, mas há 30 anos de processo aí, e o presidente e o MAS colhem muito mais do que semeiam.

RBA – E quais são as vantagens deste governo? Que pontos positivos teve?

Em termos de gestão pública houve uma área funcionando bastante bem que é o Ministério da Saúde. Enfrentamos a epidemia de dengue primeiro e a gripe suína depois. A Bolívia não é dos países com mais complicações. Houve um grande trabalho nessa área.

Em outra parte, como eu disse, o processo de luta dos movimentos indígenas bolivianos não começa com o MAS e há muitas décadas está avançando. Não se pode deixar de reconhecer a importância da figura de Evo Morales no palácio de governo. Havia uma grande quantidade de cidadãos aimarás e quéchuas que se sentiam excluídos do Estado boliviano. Hoje se sentem parte dele. O reconhecimento ao Estado boliviano e à Bolívia como tal na figura do presidente Evo Morales é algo absolutamente valioso e não podemos permitir que haja um retrocesso.

Esse foi o feito fundamental do triunfo eleitoral dos primeiros anos de governo. Temo que o desgaste de gestão também possa desgastar, desencantar essa ilusão fundamental que se produziu. O tempo nos dirá. O risco é que se há uma eleição com muito pouca diferença e com dúvidas a respeito da condução transparente da votação, esse resultado transforme-se em um desencanto com o processo de mudança.

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