Crise da dívida dos EUA ainda deve ter impacto sobre o restante do mundo

Ainda que a inadimplência seja evitada caso confirme-se o acordo anunciado nesta segunda-feira (1º), dúvidas devem permanecer sobre a saúde financeira do país (Foto: Larry Downing/ Reuters) São Paulo – […]

Ainda que a inadimplência seja evitada caso confirme-se o acordo anunciado nesta segunda-feira (1º), dúvidas devem permanecer sobre a saúde financeira do país (Foto: Larry Downing/ Reuters)

São Paulo – Um dia antes de os Estados Unidos ficarem sem dinheiro para honrar compromissos assumidos, as atenções do mundo concentram-se no Congresso. Além dos efeitos na vida política e econômica dos norte-americanos, uma eventual moratória poderia ter impactos severos sobre outras nações, inclusive o Brasil. Ainda que a inadimplência seja evitada caso confirme-se o acordo anunciado nesta segunda-feira (1º), dúvidas devem permanecer sobre a saúde financeira do país.

Em 16 de maio, o governo dos Estados Unidos alcançou o limite de endividamento, US$ 14,3 trilhões, equivalentes a 92% do Produto Interno Bruto (PIB) de um ano do país. Um conjunto de ajustes foi promovido pelo Tesouro, proporcionando uma sobrevida às finanças públicas até esta terça-feira (2). A partir de então, sem um aumento do teto, faltarão recursos.

Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Macroeconomia da ESPM, ajuda a entender o drama. Os Estados Unidos vem evitando, nos últimos anos, o debate sobre os déficits públicos acumulados ano após ano. Para custear as despesas maiores do que as receitas, a saída – quase como entrar no cheque especial – tem sido emitir títulos de dívida pública, ampliando cada vez mais a dívida, sem assegurar novas fontes de receita.

No vermelho por anos a fio, a situação se agravou a partir de 2008, diante da crise financeira internacional, iniciada em bancos dos próprios EUA. A economia do país viu-se em recessão, com empobrecimento da população e dificuldades de ampliar o dinamismo da economia. A emissão de títulos para serem vendidos dentro e fora do país se intensificou até alcançar o teto permitido pela legislação.

Divergências também são ideológicas

Em meio à discussão sobre o aumento do limite da dívida dos EUA, a iminência da campanha eleitoral de 2012, para sucessão presidencial, “contaminou” o processo. Junto da disputa por votos e da tentativa de macular a imagem dos adversários, havia também questões ideológicas.

Enquanto os membros do partido de Obama defendiam a manutenção de gastos com programas sociais e aumento de impostos sobre os mais ricos, os oposicionistas republicanos defenderam redução de despesas públicas para que, dos valores poupados, possa emergir o montante necessário para melhorar as contas públicas.

Novos tributos, representariam, segundo a visão republicana, perda de competitividade para os bens e serviços de empresas sediadas nos EUA. Cortes severos demais em gastos de seguridade social e saúde pública, alegam os democratas, equivaleriam a agravar a crise social com empobrecimento da população. Com menos programas sociais, poderia haver menos movimentação da economia, também atrasando a recuperação.

Na prática, venceram os republicanos, já que não haverá novos tributos e um corte significativo será promovido no orçamento público. Para democratas como a líder de Obama na Câmara, Nancy Pelosi, os pobres pagarão a conta.

Aumentar o limite neste momento evitaria um colapso momentâneo das contas, mas não soluciona o impasse de fundo. “O que os senadores dos Estados Unidos não conseguem equacionar é de onde o governo vai tirar dinheiro para pagar cada vez mais dívidas”, sustenta Cristina Helena. Além disso, há divergências do ponto de vista do quanto seria preciso aumentar e se haveria aumento de impostos ou corte de gastos (leia ao lado).

Desde o início, o presidente Barack Obama queria ver o teto aumentado em US$ 2,5 trilhões. Os termos discutidos atualmente são de US$ 2,1 trilhões, acompanhados de um corte de US$ 1 trilhão a US$ 2,4 trilhões nas despesas públicas nos próximos dez anos. Isso seria alcançado por meio de um plano especial, formatado por um comitê bipartidário que promete anunciar tudo antes do feriado de Ação de Graças (a mais importante festa de fim de ano no país).

Com isso, garante-se a preocupação de Obama com o contexto eleitoral: nenhuma nova elevação de limite seria necessária antes da disputa de 2012 pela sucessão presidencial. Mas surgem outros entraves.

Impacto internacional

Um ajuste fiscal tem efeitos na economia, por reduzir investimentos e a quantidade de recursos em circulação. Assim, a difícil recuperação do país pode sofrer ainda mais. Nações que exportam para os Estados Unidos tendem a vender menos para a maior economia do mundo em caso de recessão mais prolongada.

Outro efeito de todo o embate é a possibilidade de não se extinguirem as dúvidas que pairaram sobre a capacidade de gerenciamento da dívida. Se agências de classificação de risco decidirem rebaixar os títulos do Tesouro ou se os detalhamentos dos planos anunciados pelo governo não convencerem os investidores do mercado financeiro, o Federal Reserve (Fed, equivalente ao Banco Central brasileiro) pode precisar agir.

A professora da ESPM sugere uma analogia para compreender a situação. “Imagine que você pode emprestar dinheiro a apenas um parente, mas dois precisam de dinheiro. Se um está empregado e sempre pagou as contas em dia e o sempre viveu endividado, provavelmente você vai ceder para o primeiro”, avalia. Para mudar o cenário, o segundo, de perfil menos “confiável”, só poderia recorrer a uma promessa de devolver um valor mais alto, com uma taxa de de ganho maior.  Quando quem passa a oferecer mais juros é o que sempre pagava as dívidas, o cenário muda.

A medida do Fed seria, então, elevar os juros. Isso porque, para compensar riscos de falta de pagamento, seria necessário aumentar a recompensa a quem confiar nesses papéis. Como são historicamente mais seguros, haveria um grande fluxo de recursos de outros países, especialmente os emergentes, como o Brasil, com destino aos Estados Unidos.

Países como a China e o Brasil têm a maior parte de suas reservas internacionais em títulos da dívida dos Estados Unidos. Esses papéis são considerados os mais seguros do mundo, quase sinônimo de liquidez nos mercados financeiros. Isto quer dizer que são os mais aceitos como garantia e os mais facilmente negociáveis. Em tempos de incertezas, investidores que querem fugir de riscos vendem ações de empresas ou títulos de outros países para se refugiar em aplicações da dívida do Tesouro norte-americano.

Se o aumento de juros ocorrer, afirma Cristina Helena, praticamente todos os demais países – exceto os que controlam fluxos de capital – sofreriam. No Brasil, a valorização do real assistida nos últimos meses poderia sofrer uma reversão. Embora setores exportadores, como a indústria, queixem-se recorrentemente das rebaixadas cotações do dólar, uma variação abrupta poderia causar prejuízos e até quebras de bancos e outras empresas.

A economista relembra o destino de Sadia e Aracruz Celulose que, em 2008, tiveram perdas consideráveis por estarem expostas em operações de câmbio futuro que apostavam na valorização do real. Em meio à crise, houve o mesmo tipo de migração de recursos em direção aos títulos da dívida dos Estados Unidos. Quem apostava em alta do real, perdeu com a rápida desvalorização da moeda brasileira.

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