Autêntico, Hugo Chávez não mediu palavras contra adversários políticos

Quem mais sofreu com o veneno discursivo do presidente venezuelano foi George W. Bush, que governou os Estados Unidos entre 2001 e 2009

Debochado, agressivo ou solidário, mas sempre autêntico, Hugo Chávez marcou seus mandatos com forte personalismo (foto: Gobierno de Venezoela)

São Paulo – O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, morreu na tarde de ontem (5) vítima de um câncer na região da pélvis, mas deixou uma herança política que será lembrada – e sentida – por muitos anos dentro e fora do país. Boa parte dessa herança está registrada em vídeo. São declarações e atitudes que, durante os 14 anos de seu governo, foram definindo a personalidade e o estilo do presidente – debochado, agressivo ou solidário, mas sempre autêntico.

Hugo Chávez apareceu pela primeira vez aos venezuelanos como o militar paraquedista que liderou uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente Carlos Andés Pérez em 1992. “Companheiros, no momento não alcançamos nossos objetivos. Aqui em Caracas, não conseguimos controlar o poder”, diria em cadeia nacional de rádio e tevê.

“Já é tempo de evitar mais derramamento de sangue. Deponham as armas. Assumo toda a responsabilidade deste movimento militar.” Então, comandava o Movimento Bolivariano Revolucionário 200. (MBR200), nascido no seio das forças armadas contra a situação de extrema pobreza e concentração de renda vivida pelo país petroleiro – e que três anos antes, em 1989, havia possibilitado a rebelião popular conhecida como Caracazo.

Em 2007, durante uma Cúpula Ibero-Americana realizada em Santiago, no Chile, evento que reúne os presidentes da América Latina, Portugal e Espanha, Hugo Chávez teve um pequeno bate-boca com o então primeiro ministro espanhol, José Luiz Rodríguez Zapatero, sobre a participação do país europeu na tentativa de golpe de Estado contra Hugo Chávez, em 2002. Na época, a Espanha era governada por José María Aznar, a quem o presidente venezuelano chamou “fascista” por seu apoio à conspiração. Zapatero pediu respeito aos espanhóis que haviam escolhido Aznar como governante. Chávez retrucou e o rei Juan Carlos I resolveu intervir: Por que não cala a boca?

O principal alvo dos ataques verbais de Hugo Chávez foi definitivamente George W. Bush, que governou os Estados Unidos entre 2001 e 2009. Em 2006, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, o presidente venezuelano subiu ao palanque para discursar um dia depois que seu colega norte-americano. “Ontem, o diabo esteve aqui”, disse, enquanto fazia o sinal da cruz para se benzer. “Ainda cheira a enxofre esse lugar.” Conseguiu arrancar risos da plateia – formada por líderes de governo e diplomatas – e alguns aplausos.

Sem papas na língua, Hugo Chávez dedicou alguns minutos de um pronunciamento televisivo em 2006 para chamar George W. Bush de burro, ignorante, covarde, assassino, genocida, alcoólatra, doente mental etc. E brincou, em inglês. “You’re a donkey, Mr. Danger”, apelidando o presidente dos Estados Unidos de Sr. Perigo. Disse que esperaria pessoalmente Bush no campo de batalha caso Washington decidisse invadir a Venezuela.

Um dos principais projetos de Bush para a região, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) foi outro alvo preferencial de Hugo Chávez. Contra as tentativas dos Estados Unidos de estabelecer acordos econômicos multilaterais com todos os países da América Latina, o presidente venezuelano impulsionou a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), mais tarde rebatizada como Aliança Bolivariana para as Américas. A Cúpula das Américas realizada em Mar del Plata, Argentina, em 2005, simbolizou o enterro do projeto norte-americano para a região. Foi quando, em discurso, Chávez mandou a Alca ao caralho.

Ao assumir pela primeira vez a presidência da República em 1998, Hugo Chávez fez o juramento como chefe de Estado com a mão esquerda sobre a Constituição que, durante a campanha, prometeu reescrever. Por isso, durante a solenidade, quebraria o protocolo e classificaria a Carta como “moribunda”. Um ano mais tarde, em 1999, o país aprovaria em referendo popular a nova Constituição Bolivariana da Venezuela.

Hugo Chávez também causou polêmica ao condenar “do fundo de sua alma e suas víceras” o Estado de Israel como “terrorista e assassino”. “Maldito seja”, disse, em 2010. Na ocasião, o presidente criticava o ataque do exército israelense à embarcação turca que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza, então sitiada pelos vizinhos judeus. “Viva o povo palestino.”

Em 2008, Hugo Chávez não gostou de saber que os Estados Unidos haviam expulsado de Washington o embaixador da Bolívia. Em solidariedade, o presidente venezuelano deu 72 horas para que o representante norte-americano em Caracas deixasse o país. Também se adiantou e chamou de volta o embaixador venezuelano nos Estados Unidos. “Quando haja um governo digno nos Estados Unidos, mandaremos um embaixador”, alfinetou, em mais um ataque a Bush. “Vão ao caralho, yankees de merda! Aqui há um povo digno.”

Em 2009, depois de participar de uma Assembleia Geral da ONU, Hugo Chávez concedeu uma entrevista ao famoso apresentador da CNN, Larry King, direto da embaixada da Venezuela nos Estados Unidos. Respondeu a todas as perguntas feitas pelo jornalista, que o questionou sobre suas declarações e atitudes antiamericanas.

Uma daquelas inexplicáveis coincidências do destino se expressa no vídeo abaixo, de 2004, quando Hugo Chávez, ainda em seu primeiro mandato como presidente após a aprovação da nova Constituição, anunciava que dentro de dois anos haveria eleições e que ele concorreria à presidência apenas mais uma vez. “Ficarei até 2013. Depois disso, não.” Profético.

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