Chavismo garante respaldo popular ao estender direitos sociais aos mais pobres

Uma breve caminhada pelos bairros da periferia de Caracas mostra que, em que pesem as críticas, necessidades mais básicas dos venezuelanos estão atendidas pelo governo Chávez

Com infocentros e postos de saúde nas favelas de Caracas, em parceria com a comunidade, Chávez garante respaldo político (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Caracas – “Confesso que estou apreensiva com o que pode acontecer”, me diz Aquarela Padilla enquanto caminhamos pelo centro da capital venezuelana, Caracas, numa quinta-feira, véspera de carnaval. Toquei no assunto da doença de Hugo Chávez – e na possibilidade de que não consiga recuperar-se da cirurgia que realizou em Havana, Cuba, no último dia 11 de dezembro – depois de passarmos por uma série de cartazes com diferentes fotos do presidente, sempre com os mesmos dizeres: “De suas mãos brota chuva de vida. Te amamos!”

São banners governamentais, claro, e cada poste de luz no centro da cidade, ao redor da Assembleia Nacional, do Tribunal Supremo de Justiça, da Prefeitura de Caracas e da Praça Bolívar, ganhou pelo menos um deles depois que o presidente embarcou em sua última batalha contra o câncer. No último dia 7 de fevereiro cumpriram-se exatamente dois meses que Chávez está fora do país – e que não aparece em público, em fotos, no rádio ou na televisão.

As poucas informações disponíveis sobre o mandatário são vez por outra repassadas pelo vice-presidente, Nicolás Maduro, ou pelos ministros de Comunicação, Ernesto Villegas, e Relações Exteriores, Elías Jaua, que voam frequentemente a Havana para visitá-lo e receber orientações políticas. Até agora, foram 14 pronunciamentos oficiais sobre o estado de saúde de Hugo Chávez, mas nenhum boletim médico mais específico.

Sabe-se que o presidente passou por uma cirurgia contra um tumor na região pélvica, mas não há informações exatas sobre que tipo são suas células cancerígenas e que riscos representam à sua saúde. Também é conhecido que, após a intervenção médica, Chávez sofreu um “sangramento inesperado” e depois uma infecção respiratória e que ficou bastante debilitado. De acordo com as autoridades venezuelanas, porém, o pior já passou. “Mais cedo que tarde teremos em Caracas o nosso comandante desfrutando da construção da pátria”, garantiu ontem (8) Maduro.

Após a última operação, Chávez virou uma figura quase religiosa, diz estudante (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Idolatria

Há tempos a figura de Hugo Chávez é protagonista não só da política, mas da vida dos venezuelanos. Sua imagem está espalhada por todos os lados de Caracas, e principalmente nas regiões mais pobres da capital. A reportagem da RBA esteve em dois bairros da periferia da cidade e pôde constatar que, apesar de estar fora do país há dois meses, a presença do presidente jamais deixou de ser sentida:é constante em cartazes, grafites e pichações. Ninguém passa incólume. Seu nome e foto são tão corriqueiros na rua quanto o trânsito caótico e os camelôs.

“Agora que está entre a vida e a morte, então, acabou por se transformar numa espécie de figura religiosa”, detecta Aquarela. Com 24 anos, Aquarela é uma chavista convicta e apoia com todas as forças o processo – ou revolução – iniciado por Hugo Chávez em 1998, quando foi eleito pela primeira vez para governar os venezuelanos. Mas tem suas reservas práticas e teóricas quanto ao personalismo exagerado do presidente e à imensa máquina em que se transformou o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), sigla que representa o chavismo na arena eleitoral.

São críticas pontuais e, de alguma maneira, esperadas para uma jovem universitária com sólida formação política dentro de movimentos sociais naturalmente desconfiados das transformações que podem advir do “Estado burguês” ou dos partidos tradicionais. Aquarela é mais afeita às organizações de base e à autogestão – que, ao contrário do que ocorre em outros países latino-americanos, têm sido apoiadas pelo chavismo. Daí que a jovem faça uma concessão à onipresença do comandante.

“A figura de Chávez é necessária para que as mudanças possam ocorrer dentro da democracia liberal.” Aquarela lembra que o próprio Chávez tentou tomar o poder pelas armas, em 1992, e fracassou. Ele mesmo já desistiu dessa ideia, garante, e atualmente a maioria dos que estão com o presidente tem certeza de que o caminho possível para revolucionar o país deve ser trilhado pelas eleições. “Mas, pra vencê-las, precisamos de seu carisma popular.”

Transição

As opiniões de Aquarela, porém, não são compartilhadas pelos meios de comunicação venezuelanos. Um dos principais canais de televisão privados do país, Globovisión, tem organizado diariamente programas de entrevistas e pequenos documentários com sociólogos, analistas, políticos da oposição e especialistas de toda estirpe para comentar o que vêm chamando de “chavismo sem Chávez”. Há uma constelação de argumentos, todos contra o governo, por vezes ofensivamente contrários – prova de que existe liberdade de expressão no país.

Uns dizem que a Venezuela está sendo governada a partir de um gabinete cubano coordenado pelos irmãos Fidel e Raúl Castro, outros já se apressam em decretar o início de um possível pós-chavismo no país – o começo de um processo de transição inaugurado pela ausência do comandante e a ascensão do vice-presidente, Nicolás Maduro, à cabeça do governo. “Os chavistas estão com medo”, defendeu o sociólogo Tulio Hernández, convidado pelo programa Aló Ciudadano, transmitido em horário nobre pela Globovisión. “Não sabem o que poderá acontecer na ausência de Chávez quando as pessoas perceberem que o futuro melhor prometido pelo chavismo nunca chegou.”

Não é o que se vê numa das maiores favelas de Caracas, chamada El 23 de Enero, um bairro atípico na cidade pelo elevado nível de organização política de seus moradores. O lugar é divido em coletivos, alguns deles com milícias armadas para defender a revolução. Por todos os lados, murais homenageiam os “mártires da revolução”, gente que morreu durante manifestações ou emboscadas do governo enquanto protestavam por uma vida melhor, antes da eleição de Chávez. Há também imagens de Jesus Cristo segurando a Constituição Bolivariana da Venezuela, impulsionada pelo presidente e aprovada em 1999, além de uma Virgem Maria portando um fuzil AK47 – os mesmos que Chávez trouxe da Rússia após um acordo com Vladimir Putin no começo da década.

"Continuamos pobres", diz Marleny, "mas antes éramos mais pobres" (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Em El 23 de Enero, não é apenas o nome e a foto de Chávez que se espalham pela vizinhança. Também há pequenos postos de saúde – os chamados módulos – onde há anos trabalham médicos cubanos atendendo à população pobre que vive nas redondezas. E são muitos: cada bloco habitacional tem o seu. São pequenos, feitos de blocos de concreto, com um consultório em baixo e, em cima, a casa do doutor ou doutora. El 23 de Enero tem também um Centro de Diagnóstico Integrado onde os moradores podem realizar gratuitamente uma série de exames clínicos – raio X, análise sanguínea etc. Ao lado, um campo de futebol com gramado sintético está recebendo os últimos retoques.

Menos pobres

“Estamos muito atentos à situação do presidente, indo a todas as concentrações e marchas convocadas pelo governo”, conta Marleny Castro, 37 anos, moradora de uma outra favela de Caracas, em La Vega, mais ao sul da capital. Marleny diz que até agora presenciou todas as manifestações desde que Chávez foi internado: em 10 de janeiro, esteve na cerimônia simbólica de posse do presidente, que, com as bênçãos do povo e da Justiça, começou ali seu quarto mandato; em 4 de fevereiro, marcou passo na comemoração do golpe fracassado de 1992, liderado por Chávez. “A próxima será uma marcha que estão organizando para 27 de fevereiro. E não me pagam nem me obrigam. Vou porque quero. Chávez é o único que se preocupou com a gente.”

Marleny explica que, antes da chegada dos médicos cubanos, os moradores de La Vega tinham que percorrer distâncias enormes até um hospital público, enfrentar filas gigantescas e, depois de finalmente receber atendimento, tinham que comprar os remédios. “Era uma via crúcis”, compara, mesmo porque a casa de Marleny fica no alto do morro, onde já quase não há mais urbanidade – de sua janela só se vê a vegetação da montanha de contorna esta parte de Caracas.

Hoje há um módulo médico a 50 metros de sua porta, além de um Mercado de Alimentos (Mercal) que vende comida a preços módicos, um posto da Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) que vende gás subsidiado e um Infocentro, com computadores e internet, onde a comunidade recebe cursos de alfabetização tecnológica. Tudo proporcionado pelo Estado bolivariano. “A gente se sente identificada com Chávez. Ele nos ajuda, suas ideias são para os mais necessitados”, comenta. “Por isso a oposição odeia tanto: ele tira dos mais ricos e dá aos mais pobres.”