Uruguai: legalização da maconha deve ser votada pelo parlamento até o fim do ano

Governo apresentou texto ao legislativo que cria monopólio estatal sobre produção e venda da cannabis. Ongs comemoram, mas querem lei que também permita cultivo doméstico

O governo de Mujica e organizações que apoiam a questão acreditam que será possível combater o narcotráfico pela via econômica (Foto: Iván Franco. EFE)

São Paulo – Com apenas um artigo, o projeto de lei que pretende regulamentar a venda e o consumo de maconha no Uruguai deve ser votado até o fim deste ano. O texto elaborado pelo governo do presidente José Mujica foi encaminhado ontem (8) ao Legislativo.

Pela proposta, o Estado vai assumir o controle e a regulamentação de todas as atividades relacionadas à importação, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição de maconha no país. Em contrapartida, deve alertar a população sobre os efeitos prejudiciais da substância à saúde.

O projeto foi bem recebido por movimentos sociais e parlamentares que se dedicam à elaboração de uma nova política sobre drogas no Uruguai. “O Estado finalmente está abrindo mão da estratégia repressiva e propondo novas alternativas”, comemora Diego Pieri, membro da organização não governamental uruguaia Prolegal-Proderechos, que luta pela legalização da maconha no país. “Com a lei, será possível garantir o direito de quem consome e combater o narcotráfico pela via econômica, que é a mais eficiente.”

Anexa ao texto da lei, a extensa argumentação apresentada pelo governo é rica em dados estatísticos e históricos e vai ao encontro do discurso radiofônico proferido pelo presidente da República no último 19 de julho. Na ocasião, José Mujica admitiu que a polícia uruguaia tem sido eficaz no combate às drogas, mas que cadeias cheias não têm se traduzido em queda na venda ou no consumo de substâncias ilegais. O presidente disse ainda que o Estado deve disputar o mercado com os traficantes. “Enquanto houver gente que compre, haverá oferta”, ressaltou.

Mercado

“A ideia é que o Estado compita em preço e qualidade”, explica Diego Pieri. Além de secar a fonte do narcotráfico, o governo quer evitar que os usuários tenham de se dirigir às bocas de fumo para comprar maconha, pois ali se expõem à delinquência e a outras substâncias ainda mais lesivas à saúde, como o crack e a cocaína. O membro da Prolegal-Proderechos recorda que outro problema são as crises de abastecimento que atingem o Uruguai com frequência, sobretudo durante o verão. “Na falta da maconha, os traficantes oferecem outras drogas, algumas pessoas aceitam e acabam se viciando”, diz. “A produção estatal é uma garantia de que não faltará cannabis.”

Outra vantagem apontada por Pieri é que o comércio estatal não visará ao lucro – ou seja, não será um negócio, como se dá com o narcotráfico. “O lucro está no centro dos problemas ocasionados pelo consumo excessivo de drogas, porque quanto mais se consome, mais ganhos financeiros para quem vende”, explica. “O mercado ilegal coloca e retira mercadoria de circulação para aumentar o preço ou vender as substâncias que desejam vender em determinado momento. Isso não ocorrerá com a comercialização estatal.”

Uma vez no parlamento, o projeto de lei do Executivo poderá ser alvo de mudanças. A esperança das organizações da sociedade civil uruguaia é que o texto a ser aprovado pelos deputados e senadores permita também o cultivo doméstico da maconha. Pela proposta do governo, apenas o Estado terá essa prerrogativa. Diego Pieri argumenta que a nova legislação não será tão eficaz caso não admita o cultivo para consumo próprio ou os chamados clubes de cultivo – que é quando um grupo de pessoas se reúne para dividir terreno, trabalho e despesas do plantio da maconha e depois compartilha a colheita. A venda, porém, deve permanecer exclusivamente como uma atribuição do Estado.

Avanço

“Esperamos que todo o trâmite legislativo esteja concluído até o final do ano”, prevê Sebastián Sabini, deputado nacional pela Frente Ampla e presidente da Comissão Especial de Vícios e Drogas do Parlamento uruguaio. Assim como ocorre no Brasil, após ser votado pela Câmara o projeto seguirá para apreciação do Senado. No processo, Sabini pretende mesclar ao texto elaborado pelo governo uma proposta que há dois anos vem sendo discutida pelo legislativo – e que prevê o cultivo doméstico da maconha, mas não só. “Também abordamos a questão das sementes, a produção de medicamentos e o uso industrial da cannabis.”

O deputado explica que agora o legislativo dará início a um amplo processo de discussão social dentro e fora do parlamento, algo que já se vinha fazendo no âmbito da Comissão Especial de Vícios e Drogas. “Desde 2010, quando o grupo parlamentar foi criado, recebemos mais de 40 organizações para tratar da legalização da maconha”, lembra Sabini, para quem o Uruguai tem uma longa tradição em assumir a vanguarda latino-americana no que diz respeito à ampliação de direitos sociais.

“Foi assim com o divórcio, com a jornada de trabalho de oito horas e com a legalização da prostituição”, lembra Sabini. “Temos condições sociais e culturais para, agora, regulamentar a maconha. O consumo aqui no país é bastante difundido e aceito por boa parte da população. Isso nos obriga a modificar uma legislação que já está ultrapassada. É importante buscar novos caminhos.”

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