Peru planeja explorar gás em território indígena com povos isolados

Organização internacional adverte que exploração representa violação de leis nacionais, mas admite possibilidade de Congresso se valer de brechas para autorizar empreendimento

Metade do povo indígena Nahua foi extinta por causa da exploração de gás na região. Instalação integrante do projeto Camisea. (Foto: Divulgação/Survival)

São Paulo – A estatal peruana Petroperú anunciou que planeja explorar gás em território em parte localizado na reserva indígena Nahua-Nanti, na Amazônia Peruana. A empresa divulgou a informação no seu plano de perspectivas para o ano de 2012, mas, procurados, ela e o Ministério de Energia e Minas não confirmaram a existência do projeto. A extração seria no complexo Camisea, que tem um de seus lotes operados pela Petrobras. Explorar ali viola uma lei peruana sobre a proteção aos povos isolados, um decreto presidencial de demarcação daquela área e uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a respeito dos direitos dos povos indígenas. A denúncia foi feita há duas semanas pela organização Survival International. Na reserva, há grupos indígenas isolados, que sofreriam com o contato com estranhos.

O Projeto de Gás Camisea, localizado na região central do Peru, enfrenta problemas com povos indígenas peruanos desde o princípio de sua existência, na década de 1980. A companhia holandesa Shell, em 1986, em busca de petróleo na região, encontrou reservas de gás, mas só em 1994 foi fechado um acordo com a Petroperú, e somente nos anos seguintes a exploração teve início de fato. Desde então, metade do povo indígena Nahua foi extinta em decorrência de doenças contraídos pelo contato com as pessoas atraídas pelo acesso à região, segundo estimativa de Rebeca Spooner, ativista da Survival responsável pelas campanhas que dizem respeito ao Peru. 

"Eles precisam da floresta para sua sobrevivência, sua comida, sua roupa, seu abrigo, absolutamente tudo com o qual vivem é suprido pela floresta”, disse ativista da Survival International. Índios Nahua. (Foto:Divulgação/Survival)

Para Rebecca, o que está em jogo é a vida dos oito povos que habitam a região, entre eles os Nahua e os Nanti. “Se um povo entra em contato com um estranho, seja ele um funcionário de uma companhia de gás, um turista, um funcionário do governo, pode facilmente adquirir alguma doença, e é muito provável que os indígenas morram com essa doença, pois não têm nenhuma imunidade”, disse. Ela explica que, assim como no Brasil, os povos isolados têm o direito à terra de seus ancestrais e de serem deixados em paz.

“Outro perigo”, contou, “é se a terra deles for destruída, para abrir caminho para uma empresa de gás explorar. Eles precisam da floresta para sua sobrevivência, sua comida, sua roupa, seu abrigo, absolutamente tudo com o qual vivem é suprido pela floresta”. Para realizar o empreendimento, seriam construídas estradas e abertos meios de acesso à floresta, o que levaria madeireiros à região – no Brasil, segundo a Survival, os madeireiros têm causado o genocídio de todo um povo, os Awá, no Maranhão. Na reserva Nahua-Nanti estão os últimos povos isolados da Amazônia peruana. Não há estimativa acerca do número de indígenas que vivem na região – a Survival não entra em contato com povos isolados por causa dos riscos. Sabe-se, entretanto, da existência deles por meio das aldeias contactadas no local.

Para realizar o empreendimento, seriam construídas estradas e abertos meios de acesso à floresta, o que levaria madeireiros à região. Homem Nanti. (Foto: Divulgação/Survival)

A Survival trabalha com centenas de comunidades indígenas ao redor do mundo. A posição contra a exploração faz parte de uma luta pela defesa específica dos povos isolados. Uma das frentes, aliás, é a própria campanha de exigência ao Ministério da Defesa do Brasil de ter uma postura mais ativa em relação aos madeireiros que invadem o território indígena dos Awá no Maranhão. A organização está em contato com a Federación del Rio Madre de Dios y Afluentes (Fenamad), uma organização nacional do Peru de defesa aos povos indígenas, que declarou repúdio ao plano. 

A Fenamad afirmou que recebeu informações de índios Nahua de que eles teriam surpreendido na região de Fitzcarrald uma equipe de investigação da empresa Environmental Resources Management (ERM). A consultoria ambiental teria sido contratada pelo Consórcio Camisea para uma ampliação da exploração de gás em territórios indígenas. “Não há muita clareza”, disse, no entanto, um dos diretores da Fenamad, Cristobal Garcia. “Não há muita informação, com transparência, com vontade política, frente à pergunta que lançamos. A organização se reuniu na semana passada com a Petroperú, mas, dentro dos planos expostos pela companhia, não constava a exploração de Fitzcerrald. “Estamos preocupados. Totalmente, não estamos de acordo. Somos contra, inclusive, que haja uma nova lei para exploração da atividade de gás ou de petróleo em território dos povos indígenas em ilhamento voluntário, que são gente inocente e agora têm sua vida em perigo”, afirmou Garcia.

Um decreto de 2003 do então presidente Alejandro Toledo reiterou a proteção aos povos da “Reserva Territorial do Estado em favor dos grupos étnicos em isolamento voluntário Kugapakori, Nahua, Nanti e outros”. A terra citada no decreto está no Parque Nacional Manu, e parte dela é compreendida pelo lote Fitzcerrald. Explorá-lo é também violar a Constituição de 1994, que declara a defesa aos povos isolados, e também o artigo 169 da Convenção Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas.

Mas há um jeito de levar adiante o projeto. “O que farão provavelmente – o que fizeram no passado – é levar a questão ao Congresso, e pedir pare ele determinar que o projeto é de necessidade nacional”, disse Rebecca. Assim, o decreto presidencial é revogado. “Há muitas brechas na lei peruana que os permite fazer o que quiserem”, afirmou.

A exploração do lote 88 foi destinada ao consumo interno do país, e a Survival acredita que o de Fitzcerrald também o seria. De um modo geral, a população peruana é a favor do projeto Camisea, pois com ele o preço do gás baixou, e o novo empreendimento traria um resultado semelhante, o que daria apoio político à revogação do Decreto Supremo.

Se o projeto for levado adiante, isto é, tornar-se público e assumido, a Survival pretende realizar uma campanha para impedi-lo. Mas, diante do apoio que lhe é dado pela população peruana, quais obstáculos a organização pretende implantar? “Se há uma grande pressão internacional, se pessoas suficientes aderiram à campanha, e ouvirem aos povos indígenas, então nós esperamos que eles nos ouçam. Há pessoas no governo peruano que se preocupam com os indígenas, mas há, claramente, um número suficiente de pessoas que não se importam”, disse Rebecca.

Leia também

Últimas notícias