Europa colhe frutos de modelo arrogante

Um sistema que exclui tanto os seus nativos como os de fora nunca pode dar certo

Uma semana difícil de entender: trader diante de mesa na bolsa de valores de Frankfurt. (Foto: Alex Domanski. Reuters)

Dublin (Irlanda) – Quando surgem as crises, as divisões ficam mais aparentes. Foi o que se viu nos últimos dias no reino da rainha Elizabeth. Até agora, analistas de renome e outros de plantão, na Europa e no mundo, estão tentando entender o que está acontecendo pelas ruas da Inglaterra, especialmente as de sua capital, Londres. De uma ponta, os manifestantes são chamados de arruaceiros, baderneiros, marginais, aproveitadores, vândalos, gente sem escrúpulos nem valores. De outra, filhos de uma geração excluída por um Estado que, em crise, os exclui ainda mais.

Não cabe aqui apontar mocinhos ou bandidos. O fato é que não é a primeira vez que a Inglaterra assiste a esse filme. Em 1981, descendentes de imigrantes africanos e caribenhos foram às ruas protestar contra a morte de um rapaz negro. Policiais ingleses foram acusados de não prestar socorro à vitima, que havia sido esfaqueada, e de negligência na investigação de sua morte. Foi o fator detonador para uma série de protestos violentos por várias cidades inglesas.

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Naquela época, o país também enfrentava crise, também cortou gastos em programas sociais para os mesmos imigrantes que ainda sofriam com o desemprego. Agosto de 2011: a morte de um rapaz de origem estrangeira em circunstâncias estranhas durante um suposto confronto não comprovado com a mesma polícia provocou a onda de protestos que o mundo acompanha. Os mesmos filhos de imigrantes, que sofrem com o desemprego, a maioria filhos de uma geração de mães solteiras que se sentem abandonados pelo Estado-pai em tempos de crise e com falta de perspectivas futuras.

Mas o reino inglês não está sozinho. Desde setembro de 2008, o velho mundo e a América, então de George W. Bush, hoje de Barack Obama, não são mais os mesmos. O povo saiu às ruas, em maior e em menor grau, em países como Grécia, Irlanda, Itália e Espanha, colocando em xeque o futuro da União Europeia e, além da moeda unificada, princípios que pautam esse projeto, como a liberdade de circulação de bens, serviços, capital e pessoas.

Prova disso é que, na última quinta-feira, uma comissão da UE aprovou projeto da Espanha, que tem a mais alta taxa de desemprego dos países do grupo (20%), para barrar temporariamente a entrada de romenos que queiram trabalhar em território espanhol. Estes representam a maior população estrangeira na Espanha, com cerca de 800 mil. Destes, cerca de 200 mil estão desempregados. A Romênia passou a integrar a UE em 2007. A regra não atinge os romenos que já vivem na Espanha.

Também nesta semana, a Dinamarca anunciou uma medida que joga uma pá de cal no Tratado de Schengen, de 1985, que abre a fronteira para cidadãos de 15 países da Europa: vai controlar a fronteira com a poderosa Alemanha para evitar a imigração ilegal. Os alemães não gostaram, mas os dinamarqueses bateram o pé.

Quando suas economias velejavam por mares menos revoltos, os governos incentivavam o consumo exacerbado pela população desses países por meio da concessão de crédito fácil. A mão de obra estrangeira era também muito bem-vinda, como foi o caso da Irlanda. Agora, estão tirando o doce da boca de todo mundo. No caso da população nativa, o corte de orçamentos de programas sociais; no caso dos estrangeiros, com medidas restritivas para evitar que cheguem ou “estimular” que saiam.

Como dizem os críticos do euro, da UE e sua parafernália capitalista, um sistema que exclui tanto os seus como os de fora nunca pode dar certo. A prova disso está no grito dos excluídos pelas ruas do velho mundo que, muito provavelmente, vamos continuar acompanhando por um bom tempo.

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