Com problemas dentro e fora de campo, Mineirão é primeira realização de BH para a Copa

Ministério Público ainda aguarda projeto para pessoas com problemas de mobilidade e briga entre Atlético e Cruzeiro coloca em risco utilização da arena, agora reformada

R$ 695 milhões foram investidos no estádio, que agora passa à iniciativa privada (Foto: Secopa-MG)

Belo Horizonte – Apesar dos deslizes e desafios para a Copa do Mundo, de uma coisa os mineiros podem ficar mais aliviados. O estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, já está pronto. O pontapé inicial foi dado pela presidenta Dilma Rousseff no dia 21 de dezembro, em cerimônia com autoridades do estado. Mas o novo gramado só vai sentir o peso da bola com a inauguração oficial no dia 3 de fevereiro. A estreia será de clássico, com uma partida entre Cruzeiro e Atlético, abrindo a temporada 2013 do Campeonato Mineiro. Antes de 2014, a arena ainda vai receber amistosos com seleções internacionais.

Para dar um novo visual ao gigante da Pampulha, foram investidos R$ 695 milhões, o que incluiu a modernização da arena, construção de cobertura, estacionamentos, esplanada, novas arquibancadas e reforma de vestiários. Para atender aos padrões da Fifa, a capacidade do estádio reduziu e é, agora, de 64,5 mil torcedores, onde serão recebidos três jogos da Copa das Confederações – incluindo a semifinal – e seis partidas da Copa do Mundo.

Apesar de a entrega da obra ter sido festejada em dezembro, o Mineirão só deve ficar realmente pronto no dia do clássico. Por sinal, a grande estreia será um teste para os organizadores da reforma da arena. O Minas Arena, consórcio responsável pela gestão do estádio nos próximos anos, e os órgãos parceiros têm pedalado para finalizar os últimos preparativos para o grande palco da Copa de 2014 em Minas Gerais.

A RBA publicará ao longo deste ano uma série de reportagens sobre a organização da Copa de 2014. Em cada uma das sedes, os repórteres mostram o que está próximo de ser entregue, o que ainda demora e o que não ficará pronto a tempo do megaevento, que deveria servir como um incentivo à solução de antigos problemas estruturais e sociais

O principal dos desafios é o acesso a pessoas com deficiência física. Poucos dias antes da cerimônia de abertura, em dezembro, o Ministério Público Federal (MPF) reuniu-se com organizadores e autoridades envolvidas na reforma, pedindo a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a adequação das obras às normas de acessibilidade estabelecidas há três anos. 

Segundo perícia técnica do MPF e do Ministério Público Estadual, o estádio ainda não está apto para receber torcedores com deficiência física ou com dificuldades de locomoção. Entre os problemas destacados pela vistoria está a falta de lugares reservados para pessoas obesas e com mobilidade reduzida. Não estão prontas demarcações no piso dos espaços exclusivos para cadeirantes e acompanhantes. Além disso, bilheterias, elevadores, escadas, telefones e bebedouros não atendem, de maneira satisfatória, este público.

De acordo com a procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Silmara Goulart, é “inadmissível” que o Mineirão não tenha feito adequações para a acessibilidade de seus torcedores. Para ela, a cerne do projeto inclui um trabalho de inclusão social e ele deve estar apto para isto, especialmente quando há a possibilidade de, no futuro, receber eventos, como as Paralimpíadas. “Um estádio de futebol moderno deve facilitar, e não dificultar, a vida do cidadão portador de deficiência”, enfatiza.

Durante a reunião, representantes da Secretaria Extraordinária para a Copa do Mundo de Minas Gerais (Secopa-MG) e do Minas Arena se recusaram a assinar o TAC, mas se comprometeram a finalizar os ajustes até a noite do clássico, em fevereiro. Em defesa, eles argumentaram que a cerimônia de entrega, em dezembro, era apenas um “ato simbólico” e que o prazo é o jogo entre Atlético-MG e Cruzeiro.

Grande estreia é para os cruzeirenses

Se a abertura oficial para os mineiros está marcada para fevereiro, a estreia não será tão democrática assim. Isto porque o Cruzeiro, mandante do clássico contra o Atlético, decidiu que o jogo será de torcida única. A iniciativa, anunciada no início de janeiro, repercutiu nas redes sociais e recebeu contestações inclusive de cruzeirenses.

O imbróglio começou quando o presidente do Atlético, Alexandre Kalil, anunciou que as partidas que o Galo fosse mandante seriam no Estádio do Independência. Por determinação da Polícia Militar, jogos na arena obrigatoriamente são de torcida única. A resposta veio em seguida, com o presidente do Cruzeiro, Gilvan de Pinho Tavares, tomando a decisão de delimitar a disputa apenas para torcedores do time celeste.

A medida não agradou e recebeu críticas não somente de fãs do esporte, mas também da Federação Mineira de Futebol (FMF). De acordo com o presidente da instituição, Paulo Schettino, a decisão deve ter o consentimento da direção do Galo, já que o regulamento do Campeonato Mineiro define que os jogos devem ter no mínimo 10% do público adversário ao mandante da partida.

A reunião para o acordo ainda não ocorreu e Kalil foi incisivo nas críticas à decisão do clube celeste. Em entrevista à Rádio Itatiaia, o presidente atleticano reiterou que a medida fere o acordo do campeonato e que deve levar o problema ao governo estadual. “Eu não sei se o presidente do Cruzeiro sabe, mas a renda é dividida nesse jogo. Já está no arbitral. Estão fazendo essa celeuma com o objetivo único de levar o Atlético, na marra, para o Mineirão”, atacou.

Enquanto os times não chegam a um acordo, a direção do Cruzeiro já divulgou os preços dos ingressos para a partida, com valores variando de R$ 60 a R$ 120. Na programação do estádio, também está confirmado um concerto do cantor inglês Elton John. O show será realizado no dia 9 de março e os ingressos já estão à venda.

Quase 50 anos de história

Inaugurada em 1965, a arena foi construída para suprir a demanda crescente de torcedores do Estádio do Independência, reinaugurado em 2011. O projeto do Mineirão foi assinado pelos arquitetos Eduardo Mendes Guimarães e Gaspar Garreto. Para sua estreia, no dia 5 de setembro de 1965, ao contrário do que ocorrerá quase quarenta anos depois, a rivalidade do futebol belo-horizontino foi esquecida com a criação da Seleção Mineira. O time, formado por craques do estado, enfrentou o River Plate com vitória de 1 a 0. 

A RBA conversou com o autor do único gol da partida e do primeiro do estádio, o ex-jogador José Alberto Bougleaux, o Buglê. O mineiro de São Gotardo, na época, jogava para o Atlético-MG e não pensava que aquele lance bem sucedido ficaria guardado para sempre na memória do Mineirão. “Quando entramos em campo, pensávamos na vitória. Não importava quem ia fazer o gol. Eu não podia imaginar naquela época o que isto ia repercutir na minha vida”, assume.

Buglê não conseguiu viver muito dos tempos de glória do estádio. Alguns anos depois do jogo contra os argentinos, ele foi contratado pelo Santos e, em seguida, fez carreira no Vasco. Hoje, com 77 anos, duas filhas e um neto, o jogador vive em Brasília, mas não dispensa uma pelada com os amigos. Sobre o novo Mineirão? Ele ainda não o viu de perto, mas ficou satisfeito com o resultado e ainda é otimista com a possibilidade de novamente hospedarmos o evento da Fifa. “Basta focarmos como fazemos no futebol. O brasileiro quando faz uma coisa séria, ele faz muito bem feita”.