Emir Sader acusa Folha de tentar inviabilizar espaço de ‘reflexão crítica’

Sociólogo afirma que jornal quer evitar sua nomeação para a Fundação Casa de Rui Barbosa ao publicar informações não autorizadas em texto 'editorializado'

São Paulo – O sociólogo Emir Sader considera que as reportagens publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo a respeito de sua nomeação para a Fundação Casa de Rui Barbosa são uma tentativa de inviabilizar um espaço de “reflexão crítica sobre o Brasil de hoje”. No texto, atribui-se a Sader críticas à ministra Ana de Hollanda – “meio autista” – e à própria Casa Rui Barbosa, “meio de costas para a realidade”.

Em conversa telefônica com a Rede Brasil Atual, Sader evita comentar sobre a possibilidade ter suspensa a sua nomeação para a fundação, responsável por pesquisas culturais e manutenção de acervos. Ele, porém, mostra-se apreensivo diante da incerteza sobre o futuro.

O professor lamenta o texto “editorializado” publicado no último domingo (27) no suplemento “Ilustríssima”, que começa indicando que o “espectro do comunismo” ronda o Ministério da Cultura. “A entrevista é editorializada desde o título até o final. Não tem nem a generosidade de te dar a palavra e depois, no final, dizer o que acha. É tudo editorializado”, lamenta. O título é “Um emirado para Emir”.

Sader argumenta que parte de sua conversa com os repórteres Marcelo Bortoloti e Paulo Werneck foi feita na condição de off, prática jornalística pela qual se publica o conteúdo sem citar a fonte. Além das críticas à ministra e à fundação, o texto atribui ao intelectual a seguinte afirmação: “O Caetano (Veloso) ziguezagueia, fala qualquer coisa. O (Gilberto) Gil foi ministro, tem que ter mais coerência, tem que fazer política. Quem diria que aquele nego baiano tem muito mais articulação do que o Caetano?”

O sociólogo entende que a intenção por trás da reportagem do diário paulista vai muito além de sua posse na fundação. “O problema não é comigo. É tentar inviabilizar um espaço de pluralismo intelectual, teórico, político. Isso é o que os assusta porque são do pensamento único. Então, quando se começa a falar, a dar voz pra esse, pra outro, pra outro, pra outro, ficam apavorados.”

A Folha entende que a ideia de Sader seria fazer da Casa Rui Barbosa um centro de estudos sobre o governo Lula. No texto, Bortoloti e Werneck ironizam as intenções, afirmando que os intelectuais passariam a entoar a Internacional Comunista ou seriam enviados a Cuba para cortar cana.

Em reportagem publicada nesta terça-feira (1º), na internet, o jornal nega que tenha sido pedida a condição de “off” em relação às falas.

Ipea da cultura

Há duas semanas, os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo publicaram notícia dando conta de que Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), deixaria o cargo. De acordo com as publicações, Pochmann desagradava ao ministro Moreira Franco, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, por conduzir pesquisas voltadas à desigualdade social, ao crescimento econômico e à qualidade do serviço público. Na ocasião, o presidente do Ipea desmentiu à Rede Brasil Atual qualquer processo nesse sentido.

Sader vê semelhança entre os dois casos. “Querem queimar um projeto de autonomia pluralista e de reflexão crítica sobre o Brasil de hoje.” Questionado se gostaria de obter da Folha um direito de resposta, o sociólogo afirma que isso seria inútil, uma vez que os repórteres acabariam por publicar uma nova nota tentando desmerecer sua versão. “Você acha que algum jovem lê um suplemento de domingo chamado Ilustríssima? É muito careta. Parece que envelheceram prematuramente”, ironiza, e acrescenta que sua versão foi publicada em artigo escrito para o site de Carta Maior.

Em O trabalho intelectual no Brasil de hoje, ele defende a importância da Fundação Casa de Rui Barbosa e nega que tenha desmerecido as pesquisas conduzidas atualmente. Além disso, coloca-se contra a versão de que simplesmente transformaria a fundação em um centro de estudos do governo Lula, indicando que convidará, se nomeado, intelectuais de diferentes origens, setores e vertentes para realizar debates regulares sobre o Brasil. 

“Sem subestimar a vigorosa e extensa produção intelectual que a vida acadêmica brasileira e outras instâncias inovadoras passaram a produzir nas últimas décadas, é necessário constatar que as transformações que o país vem vivendo, tem se dado em ritmo mais avançado do que o ritmo do avanço da capacidade de produção teórica de dar conta das profundas”, indica no texto.