Apesar de esforço, Brasil vacila no aumento do investimento em educação

Especialistas destacam que governos progressistas da América Latina ficam presos a uma estrutura econômica herdada do neoliberalismo que não favorece os investimentos sociais

Para pesquisador, gastos militares e redução da arrecadação de impostos são outros fatores que atravancam o investimento em educação (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Os chamados governos “progressistas” da América Latina conseguiram avanços ao longo da década no que diz respeito aos investimentos sociais, mas ainda patinam no campo da educação. Especialistas consideram que a herança neoliberal dificultou a transformação das condições que possibilitariam melhorar a qualidade do setor.

No que diz respeito ao financiamento, a dívida pública e a necessidade de criar excedentes financeiros limitam extremamente a capacidade dos países latino-americanos em superar problemas deixados por antecessores.

José Marcelino de Rezende Pinto, professor do Departamento de Psicologia e Educação da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, aponta que gastos militares e redução da arrecadação de impostos são outros fatores que atravancam o investimento em educação.

O Chile, neste aspecto, mergulhou mais profundamente nos problemas, sem conseguir reverter até hoje a baixa arrecadação e os altos gastos com forças armadas. “O problema é que os gastos sociais não caem, o número de alunos permanece igual ou cresce. Ou seja, se há corte nas receitas do governo, o que ocorre é uma deterioração na qualidade do serviço”, aponta Marcelino.

O caso brasileiro é extremamente complexo. Se por um lado os investimentos em educação como um todo subiram, do outro não aumentou o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) empenhado no setor. A estimativa é de que o Brasil invista entre 4,3% e 4,8% do PIB na política educacional, um pouco abaixo da média da região, e bem abaixo de Cuba, que tem 12% do PIB atrelado a instituições de ensino.

O modelo cubano, por sinal, saltou aos olhos dos educadores e representantes de governos e entidades internacionais que na última semana participaram de um seminário em São Paulo. O evento “Financiamento do direito à educação na América Latina” reuniu interessados em debater novos caminhos para as políticas educacionais, retomando a condição do ensino como um direito humano.

Ilich Leon Ortiz, economista e consultor da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação (Clade), considera que o exemplo de Cuba, apesar de todas as especificidades econômicas e políticas que dificultam a aplicação em outras partes, deve ser levado a sério.

“Permite sair da discussão da eficiência para falar de compromisso com os direitos. É o ensinamento cubano: se há um gasto sustentado e a largo prazo, não importa se o país é pobre, vai melhorar a condição da maioria das pessoas, gerando maior igualdade”, afirma (leia aqui a entrevista completa).

Desigualdades

Desigualdade, por sinal, foi outro tema que dominou as discussões. No atual modelo latino-americano de educação, em que o financiamento é privado e, por isso, as famílias devem desembolsar elevadas somas para contar com o serviço, a desigualdade social acaba se aprofundando. Se uma família tem menos condições financeiras de pagar pela escola, acaba-se gerando um ciclo em que o rompimento da situação econômica é muito mais difícil.

“Por outro lado, justamente as camadas mais baixas têm maior incidência de pessoas ou famílias que são objeto de tradicionais exclusões ou discriminações na sociedade, como as étnicas, e portanto são aquelas que terão menor possibilidade de entrar na escola, de continuar nela e de sair dela com êxito. À medida em que os gastos relacionados à educação são despejados sobre as famílias, está se acrescentando fatores às desigualdades”, afirma o consultor da Clade.

O Brasil, neste aspecto, continua sem conseguir esgotar as desigualdades entre brancos e negros, entre pobres e ricos no que diz respeito ao oferecimento escolar. A criação do Fundeb, fundo para manutenção da educação básica, pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, conseguiu aumentar o nível de recursos repassados ao ensino, mas persistem as desigualdades entre estados – e entre esses e os municípios.

“O país tem tradição de um papel pequeno da União na oferta de educação básica. Por outro lado, o sistema atual, que fica na mão de estados e municípios, tem se mostrado insuficiente para garantir um patamar mínimo de qualidade. Se não dá para falar em federalizar a educação básica, acho fundamental ampliar o papel da União nesse financiamento”, afirma Marcelino, lembrando que a União entra com 10% dos recursos da educação básica, mas recebe 50% da arrecadação tributária.

Durante o seminário surgiram algumas propostas que poderiam ser adotadas pelo Brasil para garantir o financiamento à educação. O básico é assegurar um fluxo financeiro estável, que não seja reduzido ao sabor dos movimentos econômicos de um país, como crises financeiras e reduções do PIB, por exemplo. O princípio da equidade, caminhando para investimentos menos díspares entre educação privada e pública, é outro caminho.

Além disso, Ilich Leon Ortiz entende ser fundamental que o país mexa em sua estrutura macroeconômica, tornando os investimentos sociais prioritários. Ele aponta que a discussão sobre o setor educacional não deve ser feita apenas dentro do ministério específico, mas no debate sobre a destinação do orçamento a cada área.

“Há várias discussões importantes como, por exemplo, as barreiras que o Estado impõe de maneira ativa. Por exemplo, quando despeja carga tributária sobre os mais pobres. Isso significa um impacto sobre as condições de igualdade e, por fim, da educabilidade da sociedade”, aponta.