Fundação ligada à secretaria de Educação de São Paulo é investigada em nove casos

Responsável por construir e reformar as escolas paulistas, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) está na mira do Ministério Público; fundação é a mesma envolvida no escândalo das mochilas; base de Alckmin enterrou apuração sobre governo Serra

São Paulo – O Ministério Público (MP) de São Paulo está apurando nove denúncias de irregularidades em licitações e contratos celebrados pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão subordinado à Secretaria Estadual de Educação, com empreiteiras no período entre 2009 e 2012. Conforme a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, do MP, os promotores acataram representações encaminhadas pelo Tribunal de Contas do Estado, de promotorias de Justiça e de parlamentares. A maioria das investigações (confira quadro) se refere a contratos para ampliação, reforma e instalação e manutenção de elevadores em prédios escolares. Havia ainda outros oito processos, que acabaram arquivados. 

O documento mais recente que aponta irregularidades na FDE data de março de 2012. Entre julho de 2010 e dezembro de 2011, os agentes de fiscalização Leonardo de Moraes Barros e Lilian Cristina Menino Robles, da diretoria de Contas do Governador do Tribunal de Contas do Estado, fiscalizaram a natureza operacional do programa Expansão, Melhoria e Reforma da Rede Física Escolar, sob responsabilidade da FDE. No relatório da fiscalização eles apontam falta de manutenção preventiva; incompatibilidade entre as peças orçamentárias, demora no atendimento das solicitações realizadas pelas escolas, descumprimento dos Planos de Obras de forma integral; falta de planejamento para a implementação das obras de manutenção, para a reforma dos prédios e para a escolha das escolas que mais necessitam de intervenção considerando a urgência da solicitação e o estado geral do estabelecimento escolar. 

Metas descumpridas

Segundo o documento do TCE, em sua folha 310, as leis orçamentárias de 2008 e 2009 previram o atendimento de 5.600 escolas em cada um desses anos, e as leis de 2010 e 2011, o atendimento de 5.400 escolas em cada um deles, números referentes a todas as escolas estaduais já que este é o número aproximado de estabelecimentos escolares mantidos pelo estado. No entanto, a julgar pela “relação de obras finalizadas e em execução encaminhada pela FDE, referente a 2011, não podemos afirmar que a totalidade das escolas passou por obras de reformas e melhorias nesse ano. Desse modo, isso também exemplifica a distorção existente nos números apresentados pelas citadas peças orçamentárias”.

Na mesma página, o relatório indica que, “de acordo com o informado no sítio da internet da FDE, a mesma mantém planos de expansão da rede pública estadual de ensino e de manutenção corretiva e preventiva de seus prédios escolares. Apesar disso, a própria FDE, em resposta a nossa Requisição de Documentos nº 02/11 – DGE 4, relata que não há planos relacionados à manutenção preventiva”.

Prioridade alta

Em sua página 327, os auditores relatam que muitas escolas, apesar de apresentarem problemas com alagamentos, vazamentos de gás e esgoto, com cabines de força, com a estrutura do prédio relacionados a desabamentos – todos considerados de prioridade alta – não constaram sequer do Plano de Obras da Secretaria, o que poderia garantir a sua execução, já que todas as obras relacionadas no Plano são incluídas na proposta orçamentária da SEE. 

“Verificamos também que essas ocorrências também não estão relacionadas entre aquelas obras realizadas e em execução constantes da relação encaminhada pela FDE. Além disso, com a não realização das obras consideradas de alta prioridade, há desrespeito a um dos critérios utilizados pela SEE na escolha das escolas que devem ter prioridade no atendimento, qual seja, os prédios escolares com problemas emergenciais. E, no geral, apesar da alta prioridade indicada, na maioria dos casos a FDE informa que já estão sendo tomadas as providências cabíveis ao caso.”

Eles destacam sete escolas, entre elas a Escola Estadual Profª Fátima Aparecida Costa Falcon, de Presidente Prudente, que necessitava da substituição do para-raios. O argumento da FDE: havia “verificação da possibilidade de inclusão do pedido da reforma que ocorrerá. Caso não seja possível, será aberto novo PI (pedido de intervenção).

Risco de desabamento

Na página seguinte, os agentes apontam que, embora haja prioridade de execução de obras em escolas que já foram vistoriadas e têm orçamento elaborado, muitas dessas escolas estão fora das listas de execução de julho de 2010 a dezembro de 2011. Eles elencam dez unidades, entre elas a Escola Estadual Engenheiro Francisco Prestes Maia, em São Bernardo do Campo. À solicitação de reparos e reforma porque o prédio corre risco de desabamento, a posição era que “a FDE já vistoriou e elaborou orçamento. Nova vistoria e novo orçamento deverão ser realizados pela Coordenadoria de Obras da Região”.  

Prosseguem os auditores, na página 329: “No entanto, cruzando os dados das tabelas referentes aos Planos de Obras de 2010 e 2011 com as obras finalizadas e em execução no período de 1.7.2010 a 31.12.2011, verificamos que algumas das obras constantes nos Planos não foram realizadas e nem sequer iniciadas, o que significa que o Plano de Obras não é executado integralmente.” São listadas dez escolas, entre elas a Prof. José da Costa Boucinhas, de Guarulhos, que precisava de reforma geral, e da Escola Estadual Ana Maria Poppovic, de Diadema, que precisava de muro de arrimo, revisão das instalações hidráulicas e demolição e execução de piso de concreto na circulação do pátio e salas de aula, entre outras intervenções.

Fora dos planos

Em compensação, há obras executadas ou iniciadas que não constam de um dos planos de obra elaborados pela SEE. O relatório lista 21 escolas, como a Escola Estadual Washington Alves Natel, com contrato no valor de R$ 3.810.332,20, com obras de combate a incêndio, de acessibilidade e expansão. O contrato foi assinado em 30 de abril de 2010 e a obra concluída em 31 de julho de 2012. 

As constatações reforçam observações de relatórios do Tribunal de Contas do Estado de 2007, 2008, 2009 e 2010. Entre as principais observações das auditorias estão irregularidades em contratos, como aqueles por lote. As reformas entre 2008 e 2009 custaram mais caro do que os declarados. Auditoria do TCE encontrou irregularidades como pagamento a serviço não realizado e uso de material de menor qualidade, diferente do contratado. Em agosto de 2010 uma reportagem do Jornal da Tarde mostrou que tinham sido questionados os modelos de licitação e concorrência dos serviços com valores superiores a 850 mil. Segundo o jornal, foi emitida ordem de R$ 788,6 mil em 19 de janeiro de 2009 e oura de R$ 861 mil em 29 de maio, ambas para reparação de danos causados por um incêndio.

Lista longa

CPI da FDE

Em fevereiro passado, a bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo protocolou pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para a investigação dessas irregularidades. Os deputados se basearam em auditorias do TCE e em advertências do tribunal às contas de 2007, do então governador José Serra (PSDB), quanto à necessidade de que o correspondente numerário repassado tenha, em contrapartida, “dotações claramente identificadas no orçamento específico da Fundação, de modo que se possa constatar a efetiva movimentação de recursos”. Segundo o TCE, entre 2007 e 2011 a FDE gastou cerca de R$ 8 bilhões sem discriminar em que os recursos foram aplicados. Outra irregularidade apontada é o contrato de empreiteiras por um sistema de Registro de Preços, o qual só pode ser aplicado para pequenos serviços e não para grandes, como é o caso de reformas.

Ainda segundo o TCE, em 2010 havia problemas na liquidação das despesas com acessibilidade, já que “no momento em que ocorrem não são conhecidos a origem, o objeto, a importância exata e a quem se deve pagar”. 

Como o governo Geraldo Alckmin tem a maioria absoluta como base de sustentação de seu governo, de 94 deputados cerca de 60 apoiam o governo. O PT tem 24 deputados, há um do PSol, dois do PC do B e um dissidente do PDT, o major Olímpio. Com este quadro o governo ‘tratora’ o Legislativo. Para protocolar um pedido de CPi são necessários 23 assinaturas. Por isso a CPI não avançou. 

Mochileiro

Em junho de 2011, o presidente afastado da FDE José Bernardo Ortiz foi convocado por deputados petistas para esclarecer as irregularidades apontadas. Até hoje ele não compareceu. No começo de outubro, ele teve seus bens bloqueados pela Justiça sob acusação de comandar um esquema de corrupção e superfaturamento na compra de mochilas para as escolas do estado. O juiz acatou pedido do Ministério Público.

Reforma

Depois de várias manifestações, os alunos da Escola Estadual Pereira Barreto, localizada na Lapa, zona oeste de São Paulo, voltaram a ter aulas na escola nesta segunda (22). Desde o dia 10 de setembro eles estavam estudando na Escola Estadual Reinaldo Ribeiro da Silva, no mesmo bairro para a aceleração das obras atrasadas. Segundo a estudante E. C., 17 anos, as salas de aula foram pintadas, tiveram o piso trocado e as lousas substituídas. Mas os ventiladores ainda não foram recolocados. Os corredores também estão prontos. O refeitório está sendo pintado e ela acredita que até o final deste ano as demais dependências da escola estejam prontas, bem como a o restauro da fachada. “Deu uma boa melhorada”, diz a aluna, que integra uma comissão para acompanhar o andamento da reforma. 

O grupo foi constituído em reunião com representantes da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, durante as manifestações estudantis que exigiam a conclusão das obras. Conforme o Diário Oficial do Estado, o contrato entre a empreiteira CAJ Construções e Empreendimentos Ltda, no valor de R$ 1.189.032,26, foi assinado em 18 de novembro de 2011 com prazo de 360 dias para a conclusão. Pelo visto, os alunos da Pereira Barreto não são os únicos prejudicados com reformas que começam e não terminam ou com aquelas que nunca começam. 

Procurada pela reportagem, a FDE não se manifestou até o final da edição desta reportagem.