Enfraquecimento de programas públicos de educação de jovens e adultos preocupa

São Paulo – A falta de políticas públicas de municípios, estados e governo federal para a educação de jovens e adultos tem mostrado uma perda de foco no aprendizado que […]

São Paulo – A falta de políticas públicas de municípios, estados e governo federal para a educação de jovens e adultos tem mostrado uma perda de foco no aprendizado que preocupa aqueles que acompanham o setor. A divulgação insuficiente da existência de cursos voltados a este segmento e o acanhamento daqueles que carecem de alfabetização são outros fatores que ajudam a explicar a trajetória de queda no oferecimento de vagas de Educação de Jovens e Adultos, o chamado EJA. 

Dados preliminares do Censo Escolar, divulgados recentemente pelo ministério da Educação, mostram que de 2009 a 2012 a quantidade de alunos jovens e adultos na rede pública caiu 17,2%. Os números ainda podem passar por revisão, mas de todo modo revelam um recuo significativo em um espaço curto de tempo. De 39,1 milhões de alunos que estudavam na modalidade EJA em 2009, o país passou a ter neste ano 32,4 milhões.

Professores e entidades da sociedade civil apontam que os cursos de EJA  vêm fechando progressivamente. Prefeituras e governo estaduais dizem que encerram as turmas por conta da falta de procura. Os governos estaduais afirmam o mesmo. O governo federal, por sua vez, não tem nenhum programa específico para EJA e concentra esforços e investimentos no programa Brasil Alfabetizado, que se limita a acabar com o analfabetismo, mas não compreende a escolarização.

A historiadora e doutora em educação Maria Alice Santos acredita que as políticas públicas são sustentadas por um pensamento de que a alfabetização basta. Ela é professora da Universidade de Guarulhos e integra o projeto MOVA-Brasil, que promove a alfabetização em diversos estados do Brasil, e o Fórum EJA-SP, que reivindica políticas públicas para a modalidade. “Achar que em pouco tempo a pessoa aprende a leitura e a escrita é um problema histórico das campanhas. Não é assim que se faz. As pessoas têm de fazer uso do aprendizado. O público de EJA, muitas vezes, não tem recursos pra comprar um jornal diário ou livros. Então, é o espaço escolar é o que garante esse estudo”, diz.

A modalidade EJA faz parte da política educacional brasileira desde o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela Constituição de 1934, mas foi o sucesso do Método Paulo Freire que a levou a ser instalada em diversas regiões do Brasil, na década de 1960. O filósofo e pedagago que o criou sistematizava a alfabetização de adultos com os chamados “círculos de cultura”, nos quais a aprendizagem surgia a partir da realidade e da necessidade dos alunos. O governo deixou de se limitar à alfabetização e compreender também a escolarização de jovens e adultos em 1971, com a criação de uma política nacional que fornecia ensino supletivo para pessoas de 15 anos ou mais.

Desde então, o analfabetismo no Brasil apresentou boas quedas. De um índice de 50% de analfabetismo em 1950, o país passou a ter somente 9,6% de sua população analfabeta, de acordo com o Censo IBGE 2010. Contudo, o analfabetismo funcional, no qual figuram aqueles que apesar de saberem ler e escrever, não conseguem interpretar textos e no qual o IBGE insere as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade, ainda atinge 20,3% da população brasileira. E a escolaridade com ensino médio completo entre pessoas de 25 anos ou mais é um benefício de somente 23% dos brasileiros.

Segundo Maria Alice, o alto índice de analfabetismo funcional se deve à falta de escolaridade. “O aluno fica entre oito e onze meses no Brasil Alfabetizado. Mas se ele não amplia o conhecimento da escrita e da leitura, esquece-o. O aluno que passa por um período de alfabetização precisa garantir seu direito à continuidade.”

Uma das reivindicações do Fórum EJA-SP é de que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), órgão do Ministério da Educação responsável por EJA, vincule o Brasil Alfabetizado ao atendimento em EJA. “A secretaria não conseguiu estabelecer exatamente a articulação de garantir a continuidade, pelos municípios e estados, dos estudos dessas pessoas”, comenta Maria Alice. Ela conta que desde 2010 essa secretaria tenta implementar a Agenda Territorial de EJA, cujo objetivo é que o estado trace metas para a educação de jovens e adultos. Contudo, até agora muitos estados não aderiram, e os que o fizeram não tiveram recursos para alcançar os alvos.

No Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), EJA é a modalidade que menos recebe recursos. “A verba não vem discriminada por segmento ou por modalidade. Mas há um entendimento de que não é necessário investimento em infraestrutura para que exista o atendimento de EJA, pois ele é feito com a estrutura da escola regular. Os recursos destinados seriam só para pagar professores. Mas nós não conseguimos reverter eles à ampliação da rede de EJA. Pelo contrário, os municípios não estão investindo nisso”, observa a historiadora.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada na sexta-feira (21) pelo IBGE, a taxa de analfabetismo recuou 1,1 ponto percentual entre 2009 e 2011, e agora representa 8,6% da população com 15 ou mais anos de idade, ou seja, 12, 9 milhões de pessoas. Dentro deste grupo, 96,1% têm 25 anos ou mais de idade e, entre eles, 60% superam os 50 anos. 

Para Maria Alice, há dois grandes motivos para a suposta queda na demanda. Um deles está relacionado a uma espécie de acanhamento. “Aqueles que não têm escolaridade ficam envergonhados de assumirem isso”. O outro é a falta de divulgação de que havia salas de EJA, o que levou o Fórum EJA-SP a solicitar ao Ministério Público Estadual que apresentasse ações contra as secretarias de educação do estado e da capital paulista. “Eles diziam que faziam chamada pública de que estavam abertas as inscrições para EJA no Diário Oficial. E algumas escolas colocavam faixas em frente. Nós brigamos, queríamos que a chamada fosse veiculada no rádio, na televisão.”

São Paulo

Atualmente, a maioria das turmas de EJA está em escolas municipais e estaduais convencionais, com atendimento à noite. Na cidade de São Paulo, entretanto, a prefeitura de Marta Suplicy (PT) desenvolveu os centros de integração de educação de jovens e adultos (Ciejas), que atendem exclusivamente jovens com escolarização tardia e adultos que não tiveram a oportunidade de estudar formalmente. Há, atualemente, 13 deles.

A pedagoga Eda Luiz foi uma das articuladoras do projeto. A ideia de fazer um EJA diferenciado surgiu no governo de Luiza Erundina (hoje no PSB) entre 1989 e 1994, que observara situação similar em uma visita ao Canadá. Durante a década de 1990, as turmas de EJA eram oferecidas apenas no período noturno, mas Eda não concordava com esse limite de atendimento e passou a oferecer aulas durante todo o dia. “A cidade de São Paulo funciona durante 24 horas, não posso ter um EJA só à noite, porque excluiria vários trabalhadores.”  

Hoje, Eda dirige o Cieja Campo Limpo, com 1492 estudantes matriculados – o maior da cidade. O centro oferece seis períodos, durante a manhã, a tarde e a noite. “Tenho pessoas que trabalham a noite inteira e vêm para aula de manhã e só depois vão descansar. No período da tarde, temos as donas de casa. E à noite, há gente que trabalha durante todo o dia.” Ela contou que várias de suas alunas estudam escondidas de seus maridos. “Tem companheiros que não permitem que a esposa estude, dizem que coloca minhoca na cabeça dela. Muitos deles vêm buscá-las aqui, quando as descobrem.” Segundo Eda, muitas dessas mulheres procuram voltar à escola para ajudar seus filhos e netos. “Uma família com pais escolarizados garante o desempenho do filho em sua própria escola”.

O Cieja Campo Limpo utiliza o Método Paulo Freire e faz com que os estudantes de diferentes idades tenham de conviver. Ela acredita que os adultos deixam de procurar as salas de EJA porque são tratados como crianças nas escolas. “A escola regular não está preparada para receber a modalidade EJA, é formatada para atender crianças de 5 a 14 anos. Imagine um adulto que trabalhou o dia inteiro, saiu correndo do trabalho, correu do ponto de ônibus e, quando chega na porta da escola, dizem a ele que não pode entrar, porque está atrasado, e terá de esperar pela próxima aula. Ele se cansa e desiste”, disse Eda.

José Serra (PSDB) tentou acabar com os Ciejas durante sua prefeitura, entre 2004 e 2008. Mas a empreitada foi deixada de lado por conta da pressão popular. À época, os secretários estadual e municipal de Educação visitaram uma escola próxima ao Cieja Campo Limpo, junto com uma equipe da TV Globo, para gravar uma reportagem sobre a reparação da caixa d’água que iriam promover ali. Eda mobilizou alguns de seus estudantes, e eles apareceram com placas que diziam: “O Cieja não pode acabar”, durante a gravação. Os secretários pediram que a filmagem fosse interrompida, e Alexandre Schneider (PSDB), atualmente vice de Serra na eleição municipal, à época secretário de Educação, marcou uma reunião com Eda. No dia do encontro, além dela, estavam presentes cerca de mil alunos. “Se o Cieja acabar, não vamos ter onde estudar”, disseram os alunos a Schneider. A prefeitura, então, desistiu do plano.

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