Livro que chama golpe de ‘revolução democrática’ segue em uso em colégios militares

Um ano depois de pedido de esclarecimento, MEC que escolas militares são regidas por legislação específica

Passados mais de 20 anos da primeira eleição direta para presidente após o período autoritário, os colégios militares brasileiros seguem ensinando aos alunos que o que ocorreu em 1964 foi uma “revolução democrática”, em reação ao comunismo. Quem chama atenção é a Associação Nacional de História (Anpuh), que pediu explicações ao Ministério da Educação após o caso vir à tona, no ano passado, mas recebeu como resposta a informação de o que o MEC nada pode fazer.

A associação se refere ao livro “História do Brasil: Império e República”, de Aldo Fernandes, Maurício Soares e Neide Annarumma, que integra a Coleção Marechal Trompowsky, editada pela Biblioteca do Exército (Bibliex). O caso gerou polêmica em junho do ano passado, após a publicação de uma reportagem pela Folha de São Paulo.

A Anpuh pediu explicações ao MEC, mas o livro, lançado em 2001, continua servindo de base para o ensino de História no sétimo ano do ensino fundamental nos colégios militares brasileiros. O MEC alega que as escolas militares, assim como as particulares, têm autonomia pedagógica.

A Anpuh afirma que enviou uma carta em agosto do ano passado aos ministérios da Educação, da Defesa e à Casa Civil, manifestando sua preocupação diante da legitimação do golpe de 1964 no ensino de História dos colégios militares, o que trafega na contramão do conhecimento atual sobre o tema. “Que cidadãos estão sendo formados por uma literatura que justifica, legitima e esconde o arbítrio, a tortura e a violência?”, questiona trecho da carta.

Apenas o MEC, por meio da Coordenação Geral de Materiais Didáticos (Cogeam), respondeu à Anpuh, já na virada do ano, afirmando a impossibilidade de mudar esta situação. Em sua resposta, o órgão cita o artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que fala em “liberdade de aprender, ensinar, pesquisa e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”; e o artigo 83, que dá autonomia ao ensino militar e uma legislação específica.

Ensino afronta preceitos constitucionais

De acordo com Luis Fernando Cerri, integrante da diretoria da Anpuh e professor de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), legitimar o golpe militar na educação básica fere preceitos constitucionais. “Em uma democracia, liberdade é fazer tudo o que o que é possível dentro da lei. Entendemos que o ensino da História não pode ser feito desconsiderando nossos princípios atuais. Nossa Constituição proíbe várias práticas da ditadura militar, como a formação de grupos armados para tomar poder”, diz.

Além disto, Cerri aponta que o livro “História do Brasil: Império e República” não passaria no padrão de qualidade do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que distribui livros gratuitos para o ensino público em todo o Brasil. “O livro não passaria pela falta de organização da informação, pelo modo como são formuladas questões para os alunos e por não estar dentro discussões atuais da historiografia brasileira, do nosso atual estado de conhecimento”, afirma o professor.

Apesar de admitir as peculiaridades do ensino militar, Cerri sugere que seus livros, como o supracitado, passem pelo PNLD. Ele destaca que o ensino militar é feito com dinheiro público, bem como a produção dos livros e que, ainda assim, os alunos precisam pagar por eles. E que o programa nacional é bem-sucedido tanto na distribuição quanto na avaliação dos livros, feita por vários especialistas de cada área. “Poderiam submeter os livros à avaliação no PNLD. Caso aprovados, eles seriam distribuídos gratuitamente aos alunos, e os especialistas poderiam apontar questões para haver um aprimoramento”, diz.

Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação de Secretaria Nacional de Educação Básica, responsável pela Cogeam, afirmou que o órgão não se pronuncia sobre o tema, porque o ensino militar tem autonomia pedagógica, assim como as escolas particulares. O MEC só se pronuncia acerca dos livros distribuídos pelo PNLD às escolas públicas.

O Sul21 entrou em contato na terça-feira com o Departamento de Ensino Preparatório e Assistencial do Exército (Depa), responsável pelo ensino dos colégios militares, que repassou a questão à Central de Comunicação do Exército. A resposta chegou à redação às 17h40 desta quinta-feira. “O Centro de Comunicação Social do Exército informa que a linha didático-pedagógica do livro História do Brasil – Império e República vem atendendo adequadamente às necessidades do ensino de História.Vale destacar que alguns tópicos, atualmente, são objeto de revisão”, diz a nota.

Fonte: Sul21

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