Para pesquisador britânico, sobrevivência humana depende da educação

São Paulo – O pesquisador britânico Peter Moss entende que a escola precisa tratar de temas relacionados à sustentabilidade. Em visita à capital paulista na quarta-feira (6), ele discutiu desafios […]

São Paulo – O pesquisador britânico Peter Moss entende que a escola precisa tratar de temas relacionados à sustentabilidade. Em visita à capital paulista na quarta-feira (6), ele discutiu desafios colocados para a educação, incluindo a necessidade de se promover valores democráticos na formação da criança.

“Na escola, as pessoas podem aprender o lado formal, sobre como tomar a decisão do voto, mas também podem aprender a viver de um modo democrático”, explica. “Quero ressaltar que isso é uma possibilidade. Precisamos decidir o que queremos de nossas escolas. Se não quisermos isso, não seremos democráticos”, alerta.

Peter Moss é historiador de formação e professor da Universidade de Londres. Estuda questões relacionadas à primeira infância, embora ressalte que prefere pensar a educação de forma integrada. As formas de se incluir práticas democráticas na escola são seus principais pontos de pesquisa.

Ele acredita que, diante de desafios ambientais colocados, como o aquecimento global, é preciso buscar formas melhores de se viver. “Estamos diante de uma situação em que, se não tomarmos os cuidados necessários, podemos ser extintos ou impingir sérios danos a nós mesmos”, alerta.

Moss esteve em São Paulo para participar de um seminário sobre educação na primeira infância, a convite da Campanha Latinoamericana pelo Direito à Educação (Clade).

Confira a entrevista concedida a jornalistas a qual a Rede Brasil Atual acompanhou.

“Estamos diante de uma situação em que, se não tomarmos os cuidados necessários, podemos ser extintos ou impingir sérios danos a nós mesmos. Um ponto central atualmente para um projeto educacional é tratar a questão da sustentabilidade e encontrar formas melhores de viver sem provocar tantos danos ao ambiente e a nós mesmos.” – Peter Moss, pesquisador sobre democracia e experimentação na educação infantil

Como o sr. definiria a primeira infância?

Peter Moss – Em geral, as pessoas falam de zero a seis anos como sendo a primeira infância. Algumas vezes, de três a seis. E de educação primária e secundária a partir daí. Prefiro enfatizar a educação como um todo, pensando em valores comuns e objetivos e formas de trabalho que podem ser trabalhados e aplicados a várias idades diferentes, desde os primeiros anos até 18 ou 19 anos. Precisamos pensar na educação como um todo e não apenas de forma compartimentada.

“A criança, em seu crescimento, passa por um processo de construção de conhecimentos e identidades. A escola é um dos lugares. (As crianças) precisam de professores adultos para isso.” – Peter Moss, pesquisador sobre democracia e experimentação na educação infantil

A ideia de sustentabilidade tem espaço na escola?

Peter Moss – É uma questão central. Ao nos perguntarmos qual é a função da educação, minha resposta atualmente é que precisamos de uma educação para a sobrevivência. Estamos em uma posição perigosa enquanto espécie humana. Estamos diante de uma situação em que, se não tomarmos os cuidados necessários, podemos ser extintos ou impingir sérios danos a nós mesmos. Um ponto central atualmente para um projeto educacional é tratar a questão da sustentabilidade e encontrar formas melhores de viver sem provocar tantos danos ao ambiente e a nós mesmos.

“Na escola, as pessoas podem aprender o lado formal da democracia, mas também a viver de um modo democrático. Precisamos decidir o que queremos de nossas escolas. Se não quisermos isso, não seremos democráticos.” – Peter Moss, pesquisador sobre democracia e experimentação na educação infantil

Qual é o papel da escola na formação das crianças?

Peter Moss – A criança, em seu crescimento, passa por um processo de construção de conhecimentos e identidades – e uso o plural, porque temos várias identidades mesmo. A escola é um dos lugares, incluindo a pré-escola, para se construir conhecimentos, identidades e valores. Elas precisam de professores adultos para isso. Éuma arena importante, embora não seja a única, para que criem suas próprias identidades.

“Sou pai e especialmente responsável por meus filhos, mas também preciso me interessar por outras crianças. Em última análise, podemos pensar que, quando eu for velho, o filho de outra pessoa vai assistir-me como enfermeiro ou cuidador. Preciso ter interesse na educação dos filhos de todos.” – Peter Moss, pesquisador sobre democracia e experimentação na educação infantil

Como a escola pode trabalhar para formar valores democráticos nas crianças?

Peter Moss – É um espaço em que podemos aprender a viver em relações democraticas. A democracia tem várias dimensões. Por exemplo, quando vamos às urnas e votamos nos membros do Congresso, exercemos uma dimensão. Mas nossa vida cotidiana pode ser baseada na democracia, em uma forma de ser aberto a outras pessoas, ficar atento a outras perspectivas e à negociação. É um conceito bem amplo. Na escola, as pessoas podem aprender o lado formal, sobre como tomar essas grandes decisões do voto, mas também podem aprender a viver de um modo democrático. Quero ressaltar que isso é uma possibilidade. Precisamos decidir o que queremos de nossas escolas. Se não quisermos isso, não seremos democráticos.

Quando o sr. diz “nós queremos”, o sr. refere-se à sociedade, à comunidade?

Peter Moss – Estou falando de nós cidadãos individuais que vivem em comunidade, como pessoas que têm de assumir responsabilidade pela educação. Com o neoliberalismo, tende-se a falar de escolas com pais e crianças envolvidos apenas como consumidores. No entanto, parece-me – e isso não é uma opinião original – a educação é uma responsabilidade e diz respeito a todos. Todos somos afetados por suas consequências e todos somos responsáveis pelas crianças. Sou pai e particularmente responsável por meus filhos, mas também preciso me interessar por outras crianças. Em última análise, podemos pensar que, quando eu for velho, o filho de outra pessoa vai assistir-me como enfermeiro ou cuidador. Preciso ter interesse na educação dos filhos de todos, tanto quando dos meus. Isso vale para mim e para todos nós. Não é uma questão de pais comprando serviços de empresas voltadas para o negócio. Essa seria uma perspectiva perigosa.

“Tem sido colocado com frequência um falso dilema sobre se as crianças deveriam ficar com as famílias ou na pré-escola. Para mim, é uma distinção completamente falsa. Uma boa infância precisa ter uma boa qualidade de convivência com a família, mas também possam estar com outras pessoas durante uma parte do tempo.” – Peter Moss, pesquisador sobre democracia e experimentação na educação infantil

O sr. critica a educação tratada como mercadoria, como um serviço. Como mudar essa perspectiva para promover outros valores e prioridades?

Peter Moss – Como promover a transformação é uma pergunta difícil e poderíamos passar o restante da noite conversando a respeito. Como trazer a mudança? Não acontece de uma hora para a outra. Em parte, envolve eventos como este, em que há uma arena para discutir abertamente essas questões. Há uma grande responsabilidade nos representantes eleitos democraticamente, que podem abrir a política educacional.

E o mundo mudou. Há 30 anos, as discussões eram muito diferentes. Como estamos vendo essa situação na educação, tendemos a achar que vai ser sempre assim. Sou um historiador de formação e sei que não acontece assim. Mudam as pessoas, o mundo, o tempo e as circunstâncias. Milton Friedman, um intelectual do neoliberalismo, disse que o que ele fez por muitos anos foi apenas falar sobre o tema até que o momento fosse propício para essas ideias. Às vezes, é assim que essas coisas acontecem, mantém-se as ideias fluindo e o mundo se move.

Qual é o papel da famílias na formação das crianças?

Peter Moss – Os pais são muito importantes. Acredito que todo pai já saiba que é muito importante para a criança. Mas tem sido colocado com frequência um falso dilema sobre se as crianças deveriam ficar com as famílias ou na pré-escola. Para mim, é uma distinção completamente falsa. Uma boa infância precisa ter uma boa qualidade de convivência com a família, mas também que as crianças possam estar com outras pessoas durante uma parte do tempo. Isso depende da qualidade dessas creches ou que quer que seja a pré-escola, mas também há famílias com problemas terríveis. Em países como Suíça ou Dinamarca, em que há uma qualidade grande assegurada nas creches, o que se considera uma boa infância inclui cinco ou seis horas das crianças em uma pré-escola. É uma nova forma de entender o que significa crescer. E supera-se essa discussão inútil entre casa versus creches. Mesmo que as famílias sejam importantes e pré-escolas também. Precisamos ter o melhor dos dois. As crianças se adaptam e precisam aprender a se adaptar a diferentes ambientes.

Muitos pais atualmente têm dificuldades de tempo para dedicar à educação dos filhos.

Peter Moss – A questão do tempo é uma das maiores que precisamos enfrentar atualmente. Temos muito pouco tempo para as coisas importantes da vida e precisamos dedicar mais tempo para pensar em questões como a educação. Mas curiosamente, não tenho tempo para discutir isso agora (risos).

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