Teles anunciam recorde de investimentos, mas movimentos rejeitam desoneração

Empresas afirmam aportes de R$ 25 bi, mas entidades representativas da sociedade criticam pacote que prevê renúncias fiscais de até US$ 6 bi

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, no dia em que anunciou o pacote de desoneração para as teles (Marcello Casal Jr/ABr)

Rio de Janeiro – As empresas prestadoras de serviços de telecomunicações anunciaram ontem (20) terem atingido no ano passado seu recorde histórico de investimentos, com aportes de R$ 25,3 bilhões. Segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), entidade filiada à Federação Brasileira de Telecomunicações (Febratel), esse montante foi aplicado “especialmente em expansão de redes, ampliação de cobertura e melhoria da qualidade dos serviços”. O total de investimentos em 2012, segundo as empresas, representa um crescimento de 11% em relação ao ano anterior e foi 54% maior que a média anual de aportes realizado desde a privatização das telecomunicações, em 1998.

O anúncio acontece uma semana depois de o governo federal ter oficializado o pacote de desoneração das telecomunicações que prevê um alívio fiscal de US$ 6 bilhões para as empresas do setor até 2016.  Alvo de críticas oriundas dos movimentos sociais e das entidades que atuam pela democratização da comunicação no Brasil, as grandes empresas do setor anunciam ainda que “a taxa de retorno sobre o capital médio do setor de telecomunicações no Brasil foi, em 2012, a metade da taxa de retorno do Chile e 40% da do México”.

Entre os ativistas do setor, os benefícios oferecidos às teles não foi bem recebido, já que as empresas são criticadas por aquilo que é considerado um descaso histórico em relação ao desenvolvimento da indústria nacional ou à expansão das redes de transmissão para o interior e pequenas cidades do país, o que contraria os dois principais objetivos do pacote do governo. A entidade representativa das empresas, por sua vez, aponta a “falta de coerência” dos críticos, uma vez que o pacote beneficiaria, sobretudo, o sistema estatal Telebras.

“Um projeto que define o mercado como principal agente de universalização erra na premissa. Está claro que o mercado não vai resolver o acesso em regiões que não sejam capazes de viabilizar as margens de lucro pretendidas pelas empresas transnacionais. O serviço de telecomunicações no Brasil já é um dos mais caros do mundo e não tem apresentado bons indicadores de qualidade. Criar mais incentivos nesse sistema é alimentar algo que até hoje não respondeu nem com quantidade nem com qualidade e, por isso, nos parece insistir no erro”, diz Pedro Ekman, integrante do Coletivo Intervozes.

Ekman defende que a pauta das teles seja discutida no marco do regime público: “Hoje, a telefonia móvel e os serviços de internet são inteiramente explorados em regime privado. O regime público foi um dos grandes responsáveis pela universalização da telefonia fixa, pois tem instrumentos mais eficientes para o estabelecimento de metas de universalização, o que permite a utilização de recursos públicos e o controle tarifário. O governo tem que parar de tratar a comunicação apenas como uma questão comercial e entender de uma vez por todas que se trata de um direito fundamental”, diz.

Integrante da Cooperativa Eita (Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão) que, ao lado do Instituto Mais Democracia, organiza a ranking “Quem são os Proprietários do Brasil”, Daniel Tygel revela que uma empresa do setor de telecomunicações, a Telefonica, é a primeira colocada na lista que pode ser vista na internet (www.proprietariosdobrasil.org.br). Isso demonstra, segundo ele, a dissociação dos grandes detentores de capital da área de telecomunicações com os interesses sociais do país.

“O ranking mostra que metade do PIB brasileiro está nas mãos de poucas famílias e que esses são também os grupos que estão fazendo as doações de campanha eleitoral, etc. Não temos uma democracia de fato no país, já que o poder econômico, que é quem orienta a tomada de decisões dos governos, está totalmente concentrado em poucas mãos. No setor de telecomunicações, isso vale também. Há alguns monstros, um poder gigantesco em poucas empresas de telecomunicações que têm uma influência direta sobre as direções do governo com relação à política de telecomunicações. Como vamos conseguir então democratizar as telecomunicações se essas empresas têm boa parte do controle da economia no país?”, indaga.

Concentração

Pedro Ekman critica também a proposta, feita pelo Ministério das Comunicações, de doar dezenas de bilhões de reais em bens reversíveis da telefonia fixa por metas de investimento: “Na prática, o governo vai realizar uma privatização sem precedentes na história do país. O governo FHC, quando privatizou a telefonia, a colocou em regime público e definiu que a infraestrutura seria pública para retornar à União ao final da concessão. O governo Dilma vai abrir mão de uma infraestrutura estratégica para a soberania nacional, aprofundando a níveis impensáveis a privatização feita em 1998. O país perde todas as garantias de conexão que possui em troca de investimentos privados em estruturas privadas”, diz.

Daniel Tygel duvida que as empresas do setor se esforcem para aderir ao pacote de desoneração, já que este prevê a priorização da utilização do conteúdo – equipamentos e serviços – nacional: “Quando foi feito o debate sobre a obrigatoriedade dos 30% de vinculação de materiais nacionais já houve uma campanha de algumas empresas de telecomunicações contra isso. Elas têm uma característica de utilização de produtos e materiais externos muito grande. O debate sobre os usos das bandas de freqüências, que é anterior ao debate sobre a banda larga, é outra derrota para o país, já que temos pouco espaço para a construção endógena – nos municípios e a partir da própria população – dos meios de comunicação”.

O favorecimento ao grande capital, segundo Tygel, se repete no debate sobre a disponibilização da internet: “Ampliar o uso da internet, mas manter essa lógica de concentração em poucas empresas de capital privado com relação à concessão do uso para o usuário final, que é a população, tira a capacidade de opção, por exemplo, para a construção de pequenas centrais locais de disponibilização de internet nas diversas regiões do país. Então, você faz um pacotaço em nível nacional que fecha com uma megaempresa e fica com poucas opções, convivendo com um monopólio de fato”, diz.

‘Falta coerência’

Presidente do Sinditelebrasil, Eduardo Levy rechaça as críticas ao setor oriundas dos movimentos sociais: “Respeitamos as críticas, mas eu lembraria que esses mesmos movimentos sociais têm feito uma grande defesa da empresa estatal do governo, a Telebras, que é uma empresa que vai se beneficiar dessa desoneração. Então, eu não vejo muita coerência nessas críticas”, diz.

“Além disso, enxergo nos movimentos sociais uma defesa muito forte e boa dos produtos fabricados no Brasil e de um maior incentivo à indústria brasileira. E, esta desoneração é muito mais para trazer benefícios à indústria brasileira dos que aos projetos de engenharia. A desoneração que está prevista nesta medida anunciada pelo governo é da ordem de 10%. Não é tão grande assim, mas pode vir a trazer um benefício muito grande aos produtos fabricados no Brasil e à própria Telebras, que está muito carente de construção de redes no país”, acrescenta Levy.

Segundo o Sinditelebrasil, deverá ser encaminhado nos próximos dias ao Ministério das Comunicações o pedido das empresas para que sejam ampliados os prazos de adesão ao pacote de desoneração do setor.