PSDB acusa governo de demagogo e defende modelo da era FHC para energia

Contratos feitos no governo tucano preveem para empresas que atuam no Brasil margens de lucro acima das praticadas em outros países

Disputa entre governo e hidrelétricas traduz embate entre visões diferentes do papel das empresas para a sociedade (CC/Cemig)

Rio de Janeiro – A batalha travada em torno das propostas de mudança feitas pelo governo federal para o sistema elétrico brasileiro traz de volta à luz dos holofotes um duelo que marcou – e marca – a história recente do Brasil. Mais do que uma prévia da disputa político-eleitoral que deverá acontecer em 2014 entre o PT e o consórcio PSDB/DEM/PPS, os debates em torno da Medida Provisória 579 revelam um setor elétrico que ainda funciona dentro dos moldes para ele estabelecidos no período neoliberal, mesmo após dez anos de governo petista.

Ao colocar o interesse pelo lucro dos acionistas de suas empresas elétricas estaduais à frente da preocupação em desonerar a cadeia produtiva nacional e aliviar o bolso do consumidor, governadores tucanos como Geraldo Alckmin (SP), Antônio Anastasia (MG) e Beto Richa (PR), além do demista Raimundo Colombo (SC), seguem a bíblia neoliberal que prega livre poder ao mercado. Para corroborar sua decisão, eles têm ao seu lado a mídia conservadora, as agências de rating e a opinião de “especialistas”, todos sempre prontos a denunciar a devastadora “perda de rentabilidade” das empresas do setor.

A coisa não é bem assim. Herança do período neoliberal, que conheceu seu auge no país durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a margem de lucro das empresas que atuam com geração e transmissão de energia no sistema elétrico nacional é significativa. Segundo diversos estudos acadêmicos publicados nos últimos anos, essa margem de lucro, em média, ultrapassa 20% do patrimônio líquido, índice raro no mercado e que faz com que as empresas que atuam no Brasil tenham desempenho financeiro superior às empresas similares na Europa ou nos Estados Unidos.

Além dos votos em 2014, portanto, o que está em jogo é a permanência de um modelo estabelecido para atender à desenvoltura de um mercado desregulado, então encarado como um novo eldorado pelos investidores. A grande maioria dos contratos de concessão cujas renovações o governo quer agora antecipar foi firmado em um período em que o elevado “risco Brasil”, conceito criado por economistas neoliberais, fazia com que o eventual impacto trazido em termos de custo pelas incertezas do mercado fosse embutido na previsão de lucros das empresas. 

É esse modelo, considerado injusto pelo atual governo, que a presidenta Dilma Rousseff está decidida a transformar, nem que para isso seja obrigada a antecipar o embate político com os setores mais à direita da sociedade.

Lucros para sempre

A decisão de lutar por suas margens de lucro, tomada pelas empresas Cesp, Cemig e Copel, controladas pelos governos de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, respectivamente, foi criticada pelo secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia (MME), Márcio Zimmermann: 

“Lastimamos a recusa dessas concessionárias em contribuir com esse esforço que o governo federal está fazendo para tornar o preço da energia elétrica no Brasil mais compatível com outros lugares do mundo. Essas empresas querem manter os seus benefícios para sempre, mas nossa Constituição não permite isso”, disse.

Outra crítica contundente partiu do professor da USP e ex-diretor da Petrobras, Ildo Sauer, para quem a proposta do governo para o setor elétrico, na forma como está, é inócua. Segundo ele, as mudanças deveriam ser mais ousadas: “A prorrogação das concessões não afeta a principal causa do custo elevado da energia no Brasil, que são os contratos feitos desde os anos 1990 e que garantem retornos extraordinários às empresas do setor”, disse.

No que diz respeito à lucratividade, o maior temor das empresas estaduais de energia que não aceitaram o pacote elétrico do governo federal é o fato de já terem vendido a energia que ainda vai ser gerada em suas usinas pelos preços atualmente praticados pelo mercado. Com isso, se tiverem que baixar seus custos, Cesp, Cemig e Copel terão que comprar energia no mercado livre de forma a poder honrar seus compromissos. Daí a não concordância em antecipar a renovação dos contratos de concessão das principais usinas, impasse que pode levar Alckmin, Anastasia e Richa a recorrerem à Justiça.

Sem recuo

O governo federal não pretende recuar, e já anunciou a intenção de leiloar no início do ano que vem a usina de Três Irmãos, que é operada pela Cesp e tem contrato vencido desde 2011: “Se isso acontecer, iremos à Justiça”, resume o presidente da empresa e secretário estadual de Energia de São Paulo, José Aníbal. Em nota divulgada ontem (5), a Executiva Nacional do PSDB afirmou que “em São Paulo e Minas Gerais, os mais pobres já pagam tarifas menores de energia porque estão isentos do ICMS”. Já o PT, segundo o documento, “age de forma distinta nos estados sob seu comando”.

Ao falar hoje (6) com jornalistas, a presidenta Dilma voltou a criticar de forma contundente a não colaboração dos governos estaduais que não aderiram ao pacote elétrico: “Nós tivemos não-colaboradores nessa missão. Eles deixam no seu rastro uma falta de recursos. Essa falta de recursos vai ser bancada pelo governo federal, pelo Tesouro Nacional. Agora, a responsabilidade por não ter feito isso é de quem decidiu não fazer. Não há possibilidade de tergiversar”, disse.

Na véspera, Dilma já havia lamentado publicamente a “imensa insensibilidade” daqueles que não apóiam as propostas de mudança para o setor elétrico feitas pelo governo federal. A presidenta ressaltou a falta de compromisso de seus adversários com o aumento da competitividade industrial do país: “O preço da energia, algo que era fundamental no Brasil que todos soubessem, é tão importante quanto à redução da taxa de juros ou da taxa de câmbio”, disse.

Com a não adesão de Cesp, Cemig e Copel, que juntas são responsáveis por cerca de 25% da capacidade nacional de geração da energia, o índice médio de redução de 20,2% nas contas de luz pretendido pelo governo federal não poderá ser atingido sem que se encontrem novas formas de desonerar os custos do sistema. Por isso, o Planalto já admite novos aportes do Tesouro Nacional. Questionado sobre isso, o ministro da Fazenda Guido Mantega também não escondeu sua irritação com os governantes dos partidos de oposição: “É difícil. Não pode ficar tudo nas costas do governo federal. Teria sido muito melhor se as empresas de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina tivessem assegurado a redução”, disse.