Belluzzo: política econômica é do governo, e não do mercado

Economista critica ideia de que independência do Banco Central é absoluta e afirma que governo Dilma quer mostrar que tem “bala na agulha para peitar o mercado”

Para o economista, mercado financeiro tem definido os juros até agora, e é preciso mudar isso (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil – arquivo)

São Paulo – O economista Luiz Gonzaga Belluzzo avalia que os últimos movimentos do Banco Central (BC), em especial o corte de meio ponto da taxa básica de juros, são uma correção de rumos, e não o disparate que querem fazer parecer alguns dos analistas escalados pela velha mídia. 

O professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) lamenta as falsas polêmicas criadas em torno da autonomia da autoridade monetária. “Essa independência é operacional, mas quem tem o mandato para definir a política econômica é o governo eleito”, afirma. Ele esclarece que se criou uma grande confusão em torno do conceito. “O que a independência do Banco Central quer garantir? Quer garantir que você não faça políticas desatinadas nos momentos de eleição.”

Na última semana, Belluzzo conversou com as reportagens da Rede Brasil Atual e do ABCD Maior após seminário organizado pela Agência Carta Maior. Confira a entrevista.

A medida adotada recentemente pelo BC, de cortar em meio ponto a taxa de juros, é uma política de alinhamento, de afinamento entre o ministério da fazenda e o BC, ou ainda é muito cedo?

Isso na verdade está corrigindo um problema que prejudicou muito a execução da política econômica, que é essa ideia um pouco primária de independência do Banco Central. Essa independência é operacional, mas quem tem o mandato para definir a política econômica é o governo eleito. Esse é o problema do conflito permanente. Veja os Estados Unidos, em que o Banco Central está submetido ao Congresso americano, portanto sua independência está submetida ao poder político. 

Aqui no Brasil, como nós não temos uma lei que regula uma independência formal, a independência do BC se transformou numa coisa muito mais intensa, sem nenhuma prestação de contas. No caso americano, o presidente do Federal Reserve (equivalente a um banco central) presta contas ao Congresso. Aqui, não presta contas a ninguém. Então, na verdade, não se tem uma obrigação, independência legal, constituída em lei, mas se tem uma independência informal que é muito maior.

De onde surge a defesa de que o Banco Central precisa ser independente a qualquer preço?

A ideia de independência é muito recente. Ela praticamente foi violada durante o tempo inteiro da crise (de 2008 a 2009). Durante esse tempo, o Banco Central se comportou como agente do Tesouro nos Estados Unidos ou na Europa, para debelar a crise. Você não pode transformar esse tipo de princípio em dogma. 

O que a independência do Banco Central quer garantir? Quer garantir que você não faça políticas desatinadas nos momentos de eleição, em que as instituições estão mais fragilizadas, mas isso não pode se transformar numa independência absoluta, porque o Banco Central acabou capturado pelo mercado financeiro. O governo recebeu um mandato. Uma vez eu fiz uma brincadeira dizendo que daqui a pouco o presidente do Banco Central ia escolher o presidente da República, tal o grau de independência que eles queriam. Isso é um absurdo. É preciso saber das limitações. 

Antes da redução de 0,5 ponto percentual na taxa de juros, o governo aumentou a meta de superávit. Isso influenciou no corte da Selic?

O governo precisa de uma política monetária diante dessa correlação de forças que se tem no Brasil. Por ter uma política monetária mais frouxa, ele precisa dar um sinal para o mercado de que tem força, bala suficiente na agulha. Vou dar um exemplo. O Tesouro Nacional regularmente rola a divida pública (emite títulos da dívida novos para pagar os velhos, que vencem). Mas se tem caixa, compra de volta os títulos e fala: “essa taxa de juros que vocês estão cobrando eu não vou pagar”. 

Isso é importante porque o governo quer dizer que é capaz de administrar a própria dívida, que é uma espécie de terreno intermediário entre a política monetária (relacionada a juros e ao câmbio) e a política fiscal (receita de impostos e despesas do governo). Então, se o governo tem bala na agulha para peitar o mercado, se consegue administrar a dívida pública, pode baixar juros. Isso porque também não adianta querer fazer uma coisa voluntarista que vai se dar mal, vai pagar o preço lá na frente. Você tem de administrar política fiscal de uma maneira que permita ter uma taxa de juros muito baixa, não adianta querer voluntaristicamente determinar a taxa de juros.

A dívida líquida atualmente não é nem um pouco assustadora, porque é equivalente a 40% do Produto Interno Bruto (PIB), então é uma dívida perfeitamente administrável. Só que nesse jogo com o mercado, quem é que define a taxa de juros? Até agora, em termos práticos, é o mercado (já que o Banco Central realizava o que os investidores previam). Isso precisa mudar. Não se pode ter dogma nessa coisas.

O governo Dilma tem condição de afirmar seu controle sobre o BC, algo que o governo Lula teve timidez em fazer?

Olha, isso não é uma coisa que eu possa garantir a priori. O que está acontecendo é que o Banco Central tem uma visão muito mais clara dessa interdependência. Está na ata do Copom, coisa que não acontecia com os governos anteriores. Acho que a direção vai ser essa desde que o governo mostre que ele tem capacidade suficiente de regular isso. Dinheiro é uma coisa complicada. A gestão monetária, aliás, é muito complicada.

Que avaliação da política monetária do governo Dilma o sr. faz? Houve mais mudanças ou mais continuidade?

Tirando a política monetária, que mudou em relação ao segundo mandato de Lula, algumas linhas estão mantidas, em relação às políticas sociais, a concepção que eles têm da gestão do pré-sal… Isso tudo foi formulado ainda no tempo em que ela era ministra-chefe da Casa Civil e tinha grande importância na definição das soluções. Ela disse que não vai se dedicar à faxina (nos ministérios), que vai se dedicar à faxina da pobreza, e está certo isso. Tem de dar continuidade. É importante, porque quanto mais gente está integrada ao mercado consumidor, maior a eficácia da política econômica. 

Mas a conjuntura é outra, se bem que se você olhar o combate à crise em 2008, vai observar que Lula foi muito eficaz. Isso vale na política de crédito, pela criação do fundo garantidor de crédito, pela compra de carteiras dos bancos que estavam mais fragilizados, por ter melhorado a liquidez do sistema bancário. E também vale no que diz respeito a estimular o setor industrial, sobretudo o automobilístico. Então, a política já começou a ter uma outra cara, de 2008 para 2009 ela mudou em função da crise, em boa medida. 

A Dilma agora está com outro ambiente. Se você mantiver a taxa de juros do jeito que está, vai engolir um tsunami de liquidez e vai prejudicar gravemente a sua economia. Tem uma fragilidade, e é preciso cuidar da taxa de câmbio, porque o câmbio determina o nível de investimento. Você não vai investir num país com a taxa de câmbio valorizada, porque vai produzir mais caro do que seus competidores. Dilma precisa também tomar conta da invasão chinesa – com todo o respeito aos chineses, porque de um lado eles são demandantes dos nossos produtos e por outro lado eles estão invadindo a indústria brasileira, que chega a importar bens prontos para apenas embalar no país.