Impacto na Previdência de ‘teste’ para desonerar folha de pagamento preocupa

Tratado como 'piloto' no plano Brasil Maior, em 60 dias a contribuição patronal ao INSS de quatro setores passará dos salários para o faturamento

São Paulo – A decisão do governo de incluir no plano Brasil Maior a desoneração da folha de pagamento para quatro setores é vista com preocupação por sindicalistas e economistas. A medida é tratada como “piloto” pela equipe da presidenta Dilma Rousseff e será acompanhada por representantes dos empresários e da sociedade civil. O caráter de teste foi bem recebido, por permitir uma avaliação prática do impacto, mas é preciso haver garantia de diálogo e de cobertura às contas da Previdência Social.

Quatro setores (confecções, calçados, móveis e softwares) deixarão de recolher 20% sobre a folha de pagamento para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em seu lugar, uma nova contribuição incidirá sobre o faturamento líquido das empresas – de 1,5% para confecções, calçados e móveis e 2,5% para softwares. A medida vigorará até o fim de 2010 e os impactos sobre as contas do  serão acompanhados por um fórum tripartite.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, afirmou nesta quarta-feira (3) que a mudança deve ser aplicada daqui a 60 dias. O intervalo é necessário para a adaptação da Receita Federal ao novo regime. A ampliação dos setores atendidos foi descartada pelo titular da pasta.

“Os efeitos de desonerar em 20% o custo da folha de trabalho para Previdência dependem de como isso será compensado pelo tributo sobre faturamento”, avalia o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. “Ninguém tem certeza exatamente se ganha ou não com isso”, pondera.

Diante das dúvidas, ele considera interessante a opção por conduzir a hipótese como um teste, aplicado de modo gradativo e provisório. Caso a modalidade não tenha o efeito desejado sobre a composição de preços da indústria ou se tiver impacto demasiadamente negativo sobre o INSS, a fórmula poderia ser corrigida antes de ser expandida a outros setores.

Clemente afirma ainda que, a depender de como a mudança for convertida ao consumidor, a transferência do custo sobre o salário para o faturamento poderia representar um agravamento do caráter regressivo do sistema tributário. Isso aconteceria se a desoneração não significar redução de preços ao consumidor. Na prática, os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os ricos, justamente pela incidência de tributos sobre bens comprados no dia a dia.

O economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Claudio Dedecca considera que a mudança pode até ser positiva. “Quem continua contribuindo para a Previdência é a empresa. Se a referência são os salários ou se é o faturamento, é questão de referência. O que o governo está fazendo é tentar onerar menos as empresas que correm risco de sobrevivência.”

Na análise de economistas ligados ao mercado, confecções, calçados e móveis são segmentos da indústria que estariam na iminência de “desindustrialização”, deixando de fabricar no país para apenas montar a partir de peças importadas. No caso dos softwares, a medida serviria como estímulo para expansão. Mas mesmo a dimensão da vantagem é pouco clara.

A medida foi alvo de críticas por parte de sindicalistas por não ter contado com negociações prévias. As centrais sindicais demonstram apreensão em relação a essa possibilidade, por temer eventuais perdas de receita pelo INSS – o que viria associado a críticas pelo tamanho do déficit do setor e à defesa de reformas para retirar direitos dos trabalhadores.

O deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), ministro da Previdência Social nos dois primeiros anos do governo Lula, defendeu que o texto da medida provisória que institui a política industrial garantisse que eventuais prejuízos sejam cobertos pelo Tesouro Nacional. “Isso já ocorre na prática, mas não deixa de ser uma garantia e sinalização política”, disse ao jornal Valor Econômico.

A inclusão de uma comissão tripartite – com representantes do governo, de empresários e da sociedade civil, incluindo sindicatos – é bem vista, por amenizar a tensão criada pela falta de diálogo anterior ao lançamento do programa. Em protesto realizado nesta quarta por cinco das seis centrais sindicais, a desoneração chegou a ser classificada como “casca de banana” colocada pelo governo.

“Não é que as centrais sindicais são contra a medida, mas faltou debate”, resume Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “A Previdência Social é um tema caro a todo cidadão brasileiro porque é ela que ampara as pessoas em situações adversas. É muito sério tirar recurso da Previdência.” A preocupação é de onde o Tesouro vai tirar recursos para cobrir eventuais perdas.