Analista vê investimento chinês como oportunidade de ‘reindustrialização’

São Paulo – Para Wladimir Pomar, escritor e profundo conhecedor da China, foi positivo o saldo da visita da presidenta Dilma Rousseff ao país asiático. Os investimentos anunciados no Brasil […]

São Paulo – Para Wladimir Pomar, escritor e profundo conhecedor da China, foi positivo o saldo da visita da presidenta Dilma Rousseff ao país asiático. Os investimentos anunciados no Brasil podem, na visão do analista, contribuir para o que ele chama de “reindustrialização” do país, o que permitiria que as exportações nacionais para a China deixassem de ser restritas a produtos básicos para incluir itens manufaturados, de maior valor agregado.

Na semana passada, Dilma assinou 20 acordos comerciais, com perspectiva de investimentos na produção industrial, entre outros alvos. Foram cinco dias de reuniões e encontros, que ocorreram um mês após a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil.

Pomar considera que o fato de a política externa de Dilma ter envolvido tanto os Estados Unidos como a China logo nos primeiros meses de gestão indica que o mundo caminha para se tornar cada vez mais “multipolar”. Articulações como a do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), dos 20 países mais industrializados do mundo (G20), da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) como exemplos dessa tendência de deslocamento de poder.

O analista faz ainda críticas ao empresariado brasileiro. “Esses empresários brasileiros não vendem seus produtos industrializados para a China e para vários outros países porque seus produtos não são competitivos. E isso não depende só do câmbio ou do valor da força de trabalho”, criticou.

 

Rede Brasil Atual – A primeira visita internacional de Dilma de grande repercussão foi para a  China, o que ocorreu um mês depois da visita do presidente dos EUA ao país. Isso indica que o eixo de poder do mundo está dividido entre esses dois polos?
Wladimir Pomar – Não, eu não acho que o mundo esteja dividido entre dois pólos, e isso é muito bom para o mundo. Acho que o mundo caminha cada vez mais para a multipolaridade. Os Brics, G20, Unasul e outras instituições e ações multilaterais, impensáveis ainda nos anos 1990, são uma experssão dessa multilaridade, o que torna cada vez mais díficil aos EUA impor sua unipolaridade.

Que análise o sr. faz dos acordos firmados durante a visita que promovem  investimentos chineses no Brasil?
Faço uma análise muito positiva. Sempre defendi que a China teria condições de ser, além de grande importadora de bens primários, uma parceira ativa na reindustrialização brasileira, condição básica para sermos também exportadores de produtos manufaturados. Os acordos caminham nesse sentido e vão além, ao incorporarem a preocupação com ciência, tecnologia e inovação, que são o núcleo das novas  forças produtivas.

A relação do Brasil com a China pode ir além da exportação de commodities e importação de bens industrializados?
Tenho certeza que sim. É verdade que certos empresários brasileiros reclamam que a China não compra seus produtos industriais, o que alíás não é uma excusividade chinesa. Esses empresários brasileiros não vendem seus produtos industrializados para a China e para vários outros países porque seus produtos não são competitivos. E isso não depende só do câmbio ou do valor da força de trabalho. Depende de escala, logística, tecnologia incorporada e outros fatores que a indústria brasileira ainda não incorporou e que, na indústria chinesa, já estão avançados. Os investimentos diretos chineses no Brasil, inclusive na reforma e reconstrução de nossa infraestrutura logística, poderão contribuir positivamente para elevar a indústria brasileira a um novo patamar e torná-la competitiva, mesmo em relação a muitos produtos chineses. Mas isso depende muito mais de nós do que dos chineses. Os empresários brasileiros precisam despir-se dos preconceitos, elaborar projetos industriais visando a parceria com os chineses, e se disporem a discussão minuciosas e detalhadas para conquistar os investimentos daquele país.

A China tem investido pesadamente no continente africano há alguns anos. A incursão no Brasil pode ser entendida como parte de uma ação mais forte na América do Sul?
Na verdade, a China tem investido em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e na Europa. E, na América do Sul, vinha investindo mais na Argentina, Peru e Venezuela do que no Brasil. Mas, em 2010, o volume de investimentos diretos chineses no Brasil deu um salto para mais de US$ 20 bilhões, de um total de US$ 60 bilhões investidos no resto do mundo. Isso se deve, em grande parte, ao fato de o Brasil haver demonstrado forte resistência à crise financeira econômica global e ter mantido sua política de crescimento e redistribuição de renda. Assim, por um lado, os chineses estão mais confiantes na força do Brasil, e o Brasil também está se convencendo de que os investimentos chineses podem contribuir positivamente para seu desenvolvimento econômico e social. Nessas condições, a parceria estratégica entre ambos os países tende a se consolidar e avançar.