Aumentam suspeitas de leptospirose nos bairros alagados há mais de 40 dias em SP

Além da doença transmitida pela urina de ratos, moradores sofrem ataques de insetos e muitos apresentam sinais de depressão

Casas continuam alagadas no Jardim Pantanal. Água parada provoca doenças na população (Foto: Suzana Vier/RBA)

A inundação do Jardim Pantanal e do Jardim Romano, no extremo leste de São Paulo, há mais de 40 dias, já causa graves problemas à saúde dos moradores. A população reclama de doenças que vão de leptospirose, doença transmitida pela urina de ratos, a problemas psicológicos.

A pequena Vivi, de apenas dois anos e meio, ficou traumatizada depois de ver a enchente de 8 de dezembro tomar a casa da família. Desde então, ela se assusta diante de qualquer chuva. “Se chover, ela grita ‘vai encher’. A gente vê o pavor dela”, conta a responsável pela criança, M.R.A.S., que prefere não se identificar.

Toda a família de M. está fragilizada por conta dos problemas causados pelas enchentes no Jardim Pantanal. Seu filho, R.A., de 15 anos, teve leptospirose confirmada pela Secretaria Municipal de Saúde. Segundo, a mãe, diversos moradores estão sofrendo com os mesmos sintomas.

“Foi um desespero ver meu filho apresentando um por um os sintomas de leptospirose, até ser confirmada”, lamenta. “Vários vizinhos estão passando mal, com os mesmos sintomas do meu menino. Eles estão indo ao hospital pra ver se é a ‘doença das águas'”, comenta a moradora.

Já Lígia Aparecida da Silva, também moradora do Pantanal, apresenta quadro de depressão, depois de ter perdido todos os móveis da casa, contou uma vizinha à reportagem da Rede Brasil Atual, na quinta-feira (14). O quarto da casa de Lígia, continua com água. Ela e a família se instalaram, de forma improvisada, em uma casa cedida pela vizinha.

O filho de Marta Pereira, de dois anos, foi picado por um inseto e teve de ser internado. Vasti Maria Cândido teme pelos filhos pequenos. “O meu menino tá com feridas na perna [por causa] dessa água. Meus pés estão cheios de buracos (sic)”, desabafa, mostrando os pés à reportagem.

Resposta da Sabesp

De acordo com a Sabesp, o Jardim Romano possui rede de esgoto, mas ainda não há tratamento. 

“As redes e os coletores-troncos serão interligados ao interceptor (tubulação que leva o esgoto até a estação de tratamento), cujos trabalhos estão em andamento, como parte da 3ª Etapa do Projeto Tietê. Essa interligação é uma obra de grande porte, prevista para terminar 2013, quando os esgotos do Jardim Romano passarão a ser conduzidos à ETE São Miguel para tratamento”, afirmou a empresa em nota à Rede Brasil Atual.

Com água parada há mais de 40 dias em parte dos bairros, os moradores do Jardim Pantanal e do Jardim Romano têm ainda de conviver com mosquitos e outros tipos de insetos em meio a alimentos, roupas e objetos que sobraram. “As fezes desfilam na rua e dentro de casa. Essa água fica com verme, minhoca, bicho”, descreve Vasti.

Sem diagnóstico

Moradores ouvidos pela Rede Brasil Atual levantam suspeitas de que os médicos da rede pública municipal de saúde e entidades conveniadas estariam proibidos de diagnosticar e comunicar casos de leptospirose na capital paulista.

“Alguns médicos já disseram que não podem diagnosticar ‘doenças das águas'”, afirma uma moradora que prefere não se identificar. Também há denúncias de que as pessoas que procuram hospitais públicos com sintomas de leptospirose – febre alta, mal estar, dores no corpo, na panturrilha e dor de cabeça – estariam sendo precariamente atendidas e encaminhadas para casa, sem assistência médica.

Leptospirose

É uma doença causada pela bactéria Leptospira interrogans, transmitida principalmente pela urina do rato.

A incidência do doença é maior no verão, estação em que as enchenates são mais comuns e podem levar as pessoas a ter contato com urina de rato.

Os principais sintomas são febre alta de início súbito, sensação de mal estar, dor de cabeça constante e acentuada, dor muscular intensa, cansaço e calafrios. Dor abdominal, náuseas, vômitos e diarréia são freqüentes, podendo levar à desidratação. É comum que os olhos fiquem avermelhados (hiperemia conjuntival) e alguns doentes podem apresentar tosse e faringite.

A mãe do adolescente R. A. conta que procurou uma Unidade Básica de Saúde (UBS), no dia 19 de dezembro, mas não conseguiu atendimento, por falta de médicos no horário. Inconformada, procurou um hospital conveniado à prefeitura, onde ele ficou internado por dez dias. Inicialmente, os médicos negaram que fosse leptospirose, mas a família recebeu a confirmação da doença  no início desta semana.

Ainda de acordo com os moradores, as doenças seriam causadas pelo esgoto não tratado pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que é despejado em córregos da região e, com as constantes chuvas, invade as casas. “A Sabesp capta o esgoto, mas não trata. Joga direto nos córregos que estão cheios de sujeira porque o governo do estado não limpa há muito tempo”, aponta Ronaldo Delfino de Souza, da coordenação do Movimento de Urbanização e Legalização do Jardim Pantanal.

A assessoria de imprensa da Sabesp informou que por questões legais não pode atuar em áreas de várzea, como ocorre em parte do Jardim Romano e Pantanal. Lideranças da região discordam. “É estranho, porque nós recebemos água da Sabesp”, atesta uma moradora.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da prefeitura. Mas até o fechamento da matéria não houve retorno sobre o assunto.