MP cobra da gestão Kassab destino de R$ 2,5 bilhões arrecadados em área de favela incendiada

Favela do Piolho está dentro da Operação Urbana Água Espraiada e deveria acessar recursos arrecadados com títulos emitidos pela prefeitura, mas pontes e avenidas levaram mais verba que moradia

Incêndio destruiu quase 300 barracos. Muitas famílias reconstruíram moradia ainda sobre escombros (Foto:Marcelo Camargo/ABr)

São Paulo – O Ministério Público (MP) pediu uma série de esclarecimentos à prefeitura de São Paulo e ao governo do estado a respeito das providências que serão tomadas em relação aos moradores da favela do Piolho, no bairro do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. No último dia 3, um incêndio destruiu barracos da comunidade, deixando pelo menos 285 pessoas desabrigadas. A favela é uma das 33 que pegaram fogo este ano. 

“Nosso interesse não é só em razão da habitação, mas da assistência de saúde e educação também. As crianças possivelmente estudavam em escolas próximas e com esse tipo de sinistro elas acabam indo morar em regiões distantes e perdendo o ano letivo. Assim como atendimento de saúde. O estado que as pessoas moravam era de precariedade, mas agora é de completo abandono”, afirma o promotor José Carlos de Freitas, responsável pelo inquérito. 

Para o MP, a prefeitura tem obrigação de garantir que as famílias permanecem no mesmo local e em condições adequadas de moradia, já que a comunidade fica dentro dentro da perímetro da Operação Urbana Água Espraiada. Trata-se de uma das intervenções urbanas que podem emitir um título cotado em bolsa de valores para permitir ao mercado imobiliário a aquisição, permitindo a construção de edifícios acima dos limites estabelecidos pelas leis de zoneamento. Desde 2004, a administração municipal arrecadou quase R$ 2,5 bilhões com esses títulos e, pela legislação, tem obrigação legal de investir cerca de R$ 170 milhões deles em moradia para pessoas de baixa renda no mesmo perímetro. Mas, até agora, foi aplicado pouco mais de R$ 69 milhões na construção de habitação de interesse social. 

Segundo os moradores que perderam seus bens durante o incêndio, a situação na área incendiada é “caótica”. Parte dos atingidos construiu barracos ainda mais precários que os anteriores sobre escombros. “Ontem assistentes sociais da prefeitura vieram aqui para oferecer um auxílio-aluguel de R$ 300, o que deixou a população revoltada. O aluguel dos barracos que pegara fogo eram mais alto que isso”, explica a conselheira tutelar Rudinéia Arantes, umas das lideranças da comunidade. 

Ela se queixa que nenhum projeto de habitação social foi apresentado aos moradores. “O dinheiro da operação urbana não é usado para construir moradia e, enquanto isso, a especulação imobiliária aumenta”, adverte. Segundo membros do Grupo Gestor da Operação, 48 terrenos estão sendo desapropriados e 16 já estão disponíveis para construção. “Do tempo que eles sabem que vão fazer isso lá, por que já não construíram as moradias?”, questiona Rudinéia.  

A favela do Piolho ficava em uma região com boa localização, dotada de infraestrutura urbana em geral (transporte, saúde, educação) e das que mais se valorizaram da cidade. Nos últimos anos, ela foi beneficiada com a expansão de avenidas e a construção de pontes que ficaram com R$ 403 milhões da Operação Urbana Água Espraiada. Para os próximos anos, ainda dentro do escopo do projeto urbanístico, estão previstas passagens de linhas de monotrilho e do Metrô na região. 

Segundo Rudinéia, até o dia 10 de outubro, 143 famílias irão deixar o bairro depois de receberem indenização. “O Metrô está oferecendo até R$ 119 mil de indenização. Mas não explicam nada para que as pessoas tenham discernimento em escolher entre o dinheiro e o apartamento. Quem é que não ia querer morar em um apartamento naquela região?”, relata. 

Para o MP, a oferta de indenizações e de auxílios-aluguel em vez da oferta de moradia adequada dentro no perímetro das operações é uma prática comum e inadequada. “Elas [as famílias] não têm muita opção. Ou vão para áreas fora da Operação ou ficam com auxílio aluguel ou pegam os R$ 5 mil pagos por família, sem que se queira saber para onde elas vão”, afirma José Carlos de Freitas. “É fato que a prefeitura não remaneja para a construção de habitação social. O que é suspeita nesse caso é que há muita coincidência entre os locais onde esses incêndios vem acontecendo e locais de grande especulação imobiliária ou onde há obras públicas.”

Para Rudinéia, a coincidência faz parte de uma estratégia de “limpeza” da área. “Para eles é mais fácil dar dinheiro do que construir casa aqui. Nesses prédios magníficos que saíram ali ninguém quer ficar perto de favela. Então eles pensam o quê? Vamos limpar”, acredita.