Sem apoio para desocupações, presidente do Jd. Botânico do Rio pode deixar cargo

Ações do administrador para retirar centenas de famílias que há décadas moram em área do instituto dividem setores do PT no Estado e em Brasília

Ocupação em área do Jardim Botânico carioca cria polêmicas e divide setores do governos (googlemaps/reprodução)

Rio de Janeiro – Ganhou as páginas dos jornais nos últimos dias uma disputa de bastidores no governo federal que diz muito sobre algumas contradições políticas do exercício do poder e vividas desde 2003 pelo PT de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff na execução do projeto de país imaginado pelo partido e seus aliados. Resultado de um imbróglio fundiário que coloca em rota de colisão as políticas ambiental e habitacional do governo, o presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e histórico militante petista Liszt Vieira anunciou que pretende deixar o cargo que ocupa há nove anos.

Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Jardim Botânico é o principal responsável pelas pesquisas científicas realizadas no Brasil em áreas como taxonomia, fitogeografia, filogenética, biogeografia, conservação e ecologia, entre outras, além de ministrar cursos de pós-graduação na Escola Nacional de Botânica Tropical, que pertence ao instituto. O conteúdo científico produzido no JBRJ ajuda o país a cumprir as metas de proteção da biodiversidade assumidas na Convenção de Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas.

Os números da gestão de Liszt indicam que ele cumpriu a missão de revitalizar o instituto que lhe foi conferida por Lula e renovada por Dilma, mas sua determinação em retirar de dentro do Jardim Botânico e do vizinho Horto Florestal, por alegadas razões ambientais e científicas, parte das 620 moradias irregulares que estariam prejudicando a conservação e a expansão da área verde do parque é motivo de uma briga interna que se arrasta desde que assumiu a direção do órgão.

A atual ocupação do Jardim Botânico por moradias – elas acontecem desde a época do Império – teve início há 60 ou 70 anos, quando foi permitido a alguns servidores públicos que ali trabalhavam fixar residência nas proximidades do arboreto. As ocupações irregulares, no entanto, se acentuaram nas últimas décadas, levando ao estado atual onde residências dividem espaço com oficinas, estabelecimentos comerciais, campos de futebol e até mesmo sedes de empresas privadas, como a Light, e públicas, como o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

Havia uma compreensão inicial, no PT e no governo, de que as remoções seriam necessárias, até mesmo porque estavam determinadas no Plano Diretor do Jardim Botânico, vigente desde 2002. Essa era também uma antiga bandeira da área ambiental do partido, já que o aumento do número de moradias irregulares estava ameaçando de forma crescente a limpeza dos rios que cortam o parque e a existência dos chamados talhões florestais de continuidade, importantes para o estudo da biodiversidade e a realização de pesquisas na natureza.

Ainda no governo Lula, no entanto, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), subordinada ao Ministério do Planejamento, aprovou um plano de Regularização Fundiária de Interesse Social com o objetivo de conceder títulos de propriedade aos moradores das casas localizadas dentro do Jardim Botânico e do Horto Florestal. A iniciativa teve apoio do então ministro da Igualdade Racial e hoje deputado federal Edson Santos (PT-RJ), nascido e criado no local. Familiares do ex-ministro dirigem a Associação dos Moradores do Horto, entidade que está na linha de frente pela defesa da regularização fundiária.

O impasse foi instalado dentro do partido e do governo e as forças, num primeiro momento, se neutralizaram. Apesar de contar com o apoio dos ministros que passaram pelo MMA, Marina Silva e Carlos Minc, a direção do JBRJ não conseguiu dar seqüência à remoção. Tampouco havia avançado o plano de regularização fundiária da SPU, mas isso mudou quando, já no governo Dilma, a Advocacia Geral da União (AGU) foi aconselhada a tratá-lo como política de governo. Desde então, com o silêncio do MMA e o apoio do Ministério do Planejamento, a concessão de títulos de propriedade voltou a avançar, fato que agora leva Liszt Vieira à decisão de entregar o cargo.

Moradias em risco

A remoção das ocupações irregulares do Jardim Botânico e do Horto Florestal tem o aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que, desde 1973, determinou o tombamento de toda a área. Além disso, existe, segundo Liszt, um relatório técnico encomendado no ano pasado pela Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA que teria apontado a existência de 240 moradias irregulares construídas em áreas de risco de desabamento ou alagamento. O estudo, segundo o presidente do JBRJ, pede “a imediata remoção” dessas casas. O MMA, por intermédio de sua assessoria de imprensa, confirma a existência do estudo, que foi realizado pela mesma equipe que avaliou as áreas de risco na Região Serrana do Rio após a tragédia de janeiro do ano passado. No entanto, nenhuma providência foi tomada até agora pelo ministério.

Em outra frente, o Tribunal de Contas da União (TCU) começou a votar em 8 de agosto o processo que analisa eventuais “irregularidades na ocupação de área pública” no Jardim Botânico. O relator do processo, ministro Valmir Campello, votou pelo estabelecimento de um prazo de 90 dias para que a AGU, a SPU e o JBRJ concluam o processo de reintegração de posse das áreas ocupadas. A medida só não atingiria os casos em que as decisões judiciais já tenham transitado em julgado e não apresentem mais possibilidades de recurso.

Campello também invoca o JBRJ e o Iphan a delimitarem “a real área de interesse para as atividades do parque, respeitando os locais de tombamento” e determina que a SPU “pare imediatamente de expedir novas titulações de propriedade a ocupantes”. O voto do relator do processo no TCU foi acompanhado pelo ministro Walton Rodrigues. Mas o terceiro ministro a votar, José Múcio Monteiro, pediu vista do processo, o que acabou provocando a suspensão do julgamento por tempo indeterminado.

Enquanto José Múcio relê o processo, a questão permanece em suspenso. A SPU, no entanto, já anunciou que pretende continuar com as titulações e afirma entender que o processo de regularização fundiária do Jardim Botânico “não interfere na conjunto paisagístico tombado pelo Iphan”.

“Regularização antiambiental”

Em nota pública, a direção do JBRJ afirma que a proposta de regularização fundiária é “ilegal, anticientífica e antiambiental” e que “prevaleceu o equívoco de considerar de interesse social a privatização de um patrimônio público tombado, para atender a alguns poucos que ocupam uma área de interesse social, histórico e científico que pertence a toda a sociedade”.

A nota lembra que “o Plano Diretor do Jardim Botânico, vigente desde 2002, prevê a retomada de sua área hoje irregularmente ocupada, com diversos níveis de prioridade” e faz um apelo: “A União possui muitos terrenos disponíveis na cidade do Rio de Janeiro. Cabe ao Governo Federal construir habitações de interesse social e resolver a questão de moradia desses ocupantes, sem prejudicar a sobrevivência do Jardim Botânico no século XXI e o cumprimento de missões assumidas pelo Brasil junto à ONU”.

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