Dominada por base de Kassab, CPI dos incêndios ‘não começou’, admite presidente

Mais uma reunião termina sem quórum e presidente de colegiado, aliado do prefeito, cogita pedir substituição de integrantes para que investigações ao menos tenham início; moradores de favelas incendiadas não foram ouvidos

Alguns dos moradores da favela do Moinho, que sofreu incêndio em 2011, ainda esperam auxílio da prefeitura (Danilo Ramos/RBA)

São Paulo – Foram mais 15 minutos de espera. E mais um adiamento. Desde que teve início, em maio, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas, instalada na Câmara Municipal de São Paulo em 11 de abril, sofre com sucessivas reuniões suspensas, e até agora a investigação “não começou”, conforme as palavras do presidente do colegiado, vereador Ricardo Teixeira (PV).

Um dos dois presentes ao encontro de hoje (15), novamente um fracasso, ele teve de ouvir dos moradores afetados pelos incêndios que os trabalhos precisam ser levados a sério – são 530 ocorrências nos últimos quatro anos. Mas, a julgar pelo histórico, a CPI será encerrada em 9 de setembro sem sequer ter nomeado relator e vice. Isso porque as audiências não atingem a presença mínima de quatro vereadores e são canceladas.

Desta vez, a reunião, marcada para o meio-dia, foi suspensa. “Infelizmente, como não há quórum, sou obrigado a encerrar os trabalhos”, afirmou Teixeira, que presidiria o encontro – além dele esteve na sala o vereador Aníbal de Freitas (PSDB). Apenas as duas primeiras reuniões, em 11 de abril e 10 de maio, foram realizadas, porém ambas trataram apenas dos trâmites legais para instalação da CPI.

“Agora vou procurar o presidente [da Câmara, vereador José Police Neto, do PSD] para ele decidir se troca dos membros da CPI ou se acaba com ela, porque falta quórum”, avaliou Teixeira. “Eu sou engenheiro, vereador e proponente da matéria. Entendo que devíamos apurar as causas dos vários incêndios. Quero ouvir o corpo de bombeiros e os engenheiros das subprefeituras, mas não consigo fazer porque falta quórum”.

Todos os membros da CPI são da base aliada ao prefeito, fundador do PSD. O PT, que teria direito a duas vagas pela sua representatividade na Câmara, abriu mão de ambas alegando que não participaria de nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito até que seja instalada a CPI do Hospital Sorocabana, para investigar irregularidades na gestão do órgão, fechado há mais de um ano. Uma das vagas foi cedida ao PCdoB, que indicou o vereador Jamil Murad. Ele alegou que não pode assumir, pois já fazia parte de três comissões e liderava o partido na Casa.

A reunião de hoje contou com a presença do coordenador-geral da Defesa Civil de São Paulo, coronel Jair Paca de Lima, convocado para depor. Ele entregou ao presidente da CPI um histórico dos incêndios dos últimos cinco anos, que havia sido requerido para as investigações. Apesar de Teixeira não saber informar, outros órgãos públicos já entregaram o histórico dos incêndios requerido pela CPI: o Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil. A Secretaria das Subprefeituras, que também foi intimada repassar dados, ainda não entregou nada à CPI, de acordo com a Secretaria de CPIs da Câmara.

A próxima reunião está marcada para 29 de agosto. O prazo de investigação, de 120 dias, contados a partir da segunda reunião, termina em 9 de setembro.

Participação da comunidade

Além dos membros da comissão, de poucos repórteres e de cerca de dez promotores públicos, participaram da reunião dois líderes comunitários da favela do Moinho, no centro de São Paulo, que sofreu um incêndio em dezembro do ano passado. Terminada a reunião, um deles, Francisco Miranda, que preside a associação de moradores, procurou o presidente do colegiado e questionou: “Eu fui informado dessa reunião pela imprensa. Queria saber se vocês pretendem colher depoimentos da comunidade atingida.”

A resposta, no entanto, deixou Miranda “constrangido e decepcionado”: “Infelizmente o trabalho de investigação da CPI não começou. Temos de ouvir os dois lados, mas eu, sozinho, não posso tomar essa providência”, respondeu Ricardo Teixeira.

“Estou indignado com a Casa e com os vereadores”, disse Miranda. “Vivo em uma favela que pegou fogo, não perdi minha casa, mas sofri tudo o que as pessoas sofreram na época no incêndio. Abriguei três famílias, acompanhei tudo de perto e sei que é um caos”. A área que foi destruída pelo incêndio na favela do Moinho pode dar lugar a uma nova estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que deve ser finalizada até 2015.

Ausentes

A reportagem da Rede Brasil Atual procurou os quatro vereadores que deveriam ter participado da reunião. O único que estava na Câmara dos Vereadores no horário da CPI era Toninho Paiva. Seus assessores, no entanto, não souberam justificar sua ausência e informaram que, naquele momento, ele se encontrava em uma reunião da Comissão de Política Urbana e que não poderia responder.

As ausências dos demais membros foram justificadas por assessores: a vereadora Edir Sales (PSD) teve um imprevisto pessoal e não conseguiu chegar a tempo, o vereador Souza Santos (PSD) teve de acompanhar um familiar que está hospitalizado e o vereador Ushitaro Kamia (PSD) não justificou sua ausência. 

Confira na tabela quem participou das audiências:

11 de abril10 de maio30 de maio13 de junho27 de junho15 de agosto
Ricardo TeixeiraRicardo TeixeiraRicardo TeixeiraRicardo TeixeiraRicardo TeixeiraRicardo Teixeira
 Ushitaro KamiaSouza SantosEdir Sales Aníbal de FreitasAníbal de Freitas
 Aníbal de FreitasToninho PaivaToninho Paiva  
Souza SantosEdir Sales   
 Marco Aurélio
Cunha (PSD),
substituido por
Toninho Paiva
    

Casos recorrentes

Há quatro anos, incêndios em favelas têm sido recorrentes, somando mais de 530 ocorrências, de acordo com o Corpo de Bombeiros de São Paulo. Em 2008 foram registradas 130 ocorrências; em 2009, 122; em 2010, 91, e 189 em 2011.

Só em agosto de 2010 houve ocorrências no Parque Jabaquara, no Recanto dos Humildes (Perus), no Jardim Rodolfo Pirani (zona Leste) e em Tiquatira (Penha). Em 2011, os incêndios foram na favela Jaguaré e na favela do Moinho (Centro).

Os bombeiros ainda não têm números dos incêndios de 2012, mas já houve ocorrências na favela do Leão (Jaguaré), Paraisópolis, favela do Corujão (Vila Guilherme) e, mais recentemente, na favela Humaitá (Lapa). O incêndio ocorreu em 27 de julho e, até hoje, as cerca 400 vítimas continuam desabrigadas. Delas, 27 pessoas estão no abrigo cedido pela prefeitura, improvisado no vestiário do Clube Escola Pelezão, na Lapa.

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