Pedágio proporcional pode agravar trânsito em cidades paulistas

Especialistas advertem que estudo de novo sistema de cobrança precisa passar por debate com usuários que realizam pequenos trajetos, que poderiam se sentir forçados a circular por dentro dos municípios

Governo de São Paulo ameaça criar novas formas de aumentar a arrecadação já obtida pelo pedagiamento das estradas do estado (©Folhapress/arquivo RBA)

São Paulo – O pagamento do pedágio rodoviário mais caro do Brasil, o paulista, poderá passar por grandes mudanças caso entre em vigor a proposta da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) de cobrança por trecho percorrido. A medida, que consiste na alteração da cobrança manual para o chamado sistema ponto a ponto, está em discussão desde 2011, mas ainda não tem data prevista para aplicação. No entanto, o que poderia baratear a viagem de quem percorre pequenos trechos de rodovias pode se transformar numa espécie de “pedágio urbano”, na opinião de especialistas. O estado tem 227 praças de pedágio.

A Artesp defende que o novo modelo resultaria em cobrança mais justa, pois seria proporcional e reduziria os custos. A discordância entra nesse ponto. Para o professor de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Roberto Braga, a mudança resultaria na cobrança de trechos rodoviários dentro de regiões metropolitanas. “As rodovias são alternativas aos sistemas viários já saturados. Então, a cobrança de pedágio nesses trechos vai causar impacto sério nessas áreas urbanas. Isso é uma irresponsabilidade do governo estadual. Porque ele vai jogar no colo dos governos locais o problema que vai ser criado”, afirmou.

Braga disse que a partir da cobrança proporcional haverá pedagiamento de trajetos entre cidades vizinhas, o que antes não existia. Isso resultaria em uma “fuga” dessas rodovias para vias urbanas sem tarifação, podendo saturá-las e agravando ainda mais a mobilidade urbana.

Para o professor, as regiões metropolitanas poderão ser as mais prejudicadas. Quem faz o trajeto São Bernardo-São Paulo usa, preferencialmente, trecho da rodovia Anchieta para chegar à capital. Em caso de cobrança, os motoristas, inclusive de transportes coletivos, optariam, possivelmente, por vias urbanas para sair de uma cidade e chegar a outra.

A Artesp afirmou, em nota, que o sistema de pedágio ponto a ponto é a maneira mais justa de cobrar pelo uso das rodovias paulistas e negou que o novo sistema seja uma espécie de “pedágio urbano”. “Nos trechos urbanos de rodovias estaduais já é cobrado pedágio há 14 anos. Isso porque cada praça de pedágio realiza a cobrança por um determinado trecho, incluindo os urbanos. Porém, há casos em viagens de curta distância em que os usuários utilizam a rodovia sem passar por nenhuma praça de pedágio e casos em que o usuário passa por praças que cobram por um trecho maior do que ele efetivamente percorreu. Com o sistema ponto a ponto é possível tornar essa situação mais justa”, diz a nota.

Para o especialista em Transporte e Mobilidade Urbana e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Carlos Alberto Bandeira Guimarães, a cobrança ponto a ponto tem como princípio o modelo mais justo. Porém, a principal desvantagem, também para ele, é a cobrança feita nos trechos urbanos. “A ideia é o preço ser mais justo. Todo mundo pagar apenas o trecho que anda. Esse é o princípio do ponto a ponto. Uma desvantagem é a escolha pelas vias urbanas. Isso pode ser tratado como um caso especial ou até não cobrar nesses determinados trechos. Depende do estudo no qual o governo irá se basear. Pelo que eu saiba, a Artesp ainda não definiu o que será feito”, disse Guimarães.

A Artesp afirmou, na nota, que a expansão do sistema depende dos resultados do projeto-piloto que já está sendo aplicado, mas que ainda não há um cronograma para a operação em todo o estado.

Concessionárias manterão lucros

O professor Roberto Braga considera a mudança de sistema uma atitude meramente arrecadatória. Para ele, a cobrança nos trechos urbanos seria uma medida de compensar a concessionária pela diminuição na arrecadação que terá com o fim das praças de pedágio. “Teria de se pensar primeiro na política fiscal a ser aplicada”, disse.

Braga acredita que a saída para a cobrança de pedágio nas estradas paulistas passa por rever o modelo de concessão ou, possivelmente, isentar as taxas em áreas urbanas. “O pedágio ponto a ponto é sem dúvida mais justo, mas o governo tem de discutir isso e rever a margem de lucro das concessionárias. Não sei se as pessoas sabem, mas a concessão é onerosa. Pedágio hoje é quase um tributo indireto”, observou.

José Matos, cooordenador do Movimento contra os Pedágios Abusivos do estado de São Paulo, disse que o mais preocupante é que o governo ainda não discutiu o modelo financeiro para reduzir as tarifas. O que ocorrerá, segundo ele, é que o sistema ponto a ponto vai aumentar a base de arrecadação das concessionárias. “O novo sistema vai facilitar a arrecadação cada vez mais”, lamentou.

 

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