Moradores da Mooca, em São Paulo, tentam impedir venda de praça

Audiência pública para tentar reverter venda do espaço em troca de creches será hoje

São Paulo – A Associação de Moradores e Amigos da Mooca (Amo a Mooca) tenta impedir a venda da Praça Alfredo Di Cunto, mais conhecida como Praça das Flores, próxima ao Viaduto Bresser, na Radial Leste. No ano passado, a prefeitura anunciou que comercializaria o espaço. A praça é uma das 20 áreas municipais que ela deseja vender, em um projeto que prevê a construção de creches pelas empresas que adquirirem esses imóveis. Mas, para os moradores da Mooca, ele não beneficiará o bairro, uma das regiões menos arborizadas da cidade.

Hoje (11), o Ministério Público Estadual realizará uma audiência pública para debater o caso. Valter Foleto Santin, da Promotoria do Patrimônio Público e Social, e Washington Luis Lincoln de Assis, da Promotoria do Meio Ambiente, querem somar informações ao inquérito civil que apura a venda de bens públicos à iniciativa privada. 

A presidenta da Amo a Mooca, Crescenza Giannocaro, disse que espera fazer a prefeitura mudar de ideia, embora a administração de Gilberto Kassab (PSD) ainda não tenha confirmado o envio de representantes ao debate. “É difícil imaginar o que se pode construir ali, com o barulho da avenida Alcântara Machado (Radial Leste). Vai construir o quê? Mais moradia? Mais cimento? E o nosso déficit de área verde?”, comentou. Cursos gratuitos de jardinagem ocorrem na praça, que tem boa parte de seus mais de seis mil metros quadrados ocupados por hortas e árvores. De fato, o verde destoa na paisagem cinza desse pedaço da Radial Leste e de seu entorno. O projeto da prefeitura deverá criar 45 mil vagas em creches na cidade. No entanto, para Crescenza, a venda da praça é injustificável. “Quem ocupar esse terreno construirá creche onde há necessidade na cidade, e nós aqui não temos essa carência, mas a de área verde.”

A alienação da área foi anunciada no ano passado, junto com a de um quarteirão de serviços no Itaim Bibi, na zona sul, cuja venda foi abandonada pela prefeitura em fevereiro deste ano, após a mobilização dos moradores vizinhos – e com o reconhecimento de que não haveria tempo hábil nesta gestão, que se encerra em dezembro, para levar adiante a operação. No caso da Mooca, a proposta inicial era vender a Praça Alfredo Di Cunto e o imóvel ao lado, que abriga sucatas da prefeitura. Este ela desistiu de alienar, e os moradores esperam que ela faça o mesmo com o outro. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano não se manifestou, e a Subprefeitura da Mooca, curiosamente, afirmou desconhecer o projeto de venda do espaço.

No ano passado, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) disse, em ofício enviado à Câmara dos Vereadores, que a valorização imobiliária é incontestável, por conta do desenvolvimento e da urbanização da região. Com a venda da praça, R$ 4,3 milhões deverão ser arrecadados, segundo estima a Secretaria de Finanças. Kassab também afirmou que o espaço não é utilizado pela administração. 

O cenário encontrado na praça, de descaso do poder público, parece justificar o prefeito. A Alfredo Di Cunto não é exatamente uma praça: é fechada, embora a placa que a nomeia praça lá esteja. Funciona como um viveiro de plantas, que contém uma estufa, onde há as hortas. É cercada por grades e está aberta ao público das 6 às 15 horas, quando os funcionários vão embora e trancam seus portões. As quatro pessoas que ali trabalham, com muito esforço, conseguem deixar o espaço bem cuidado, mas o curso de hortaliça, que ocorre às segundas, quartas e sextas-feiras, ministrado por uma empresa contratada pela prefeitura, tem um quorum de cerca de dez pessoas.

O viveiro foi criado na gestão de Marta Suplicy (PT) para que nele fossem oferecidos cursos de jardinagem a moradores de rua e de pequena agricultura para geração de renda. Foi neste momento que o local passou a levar o nome de Alfredo Di Cunto. Esse projeto social foi mantido pela prefeitura por dois anos e, então, abandonado. Desde então, alguns cursos gratuitos de capacitação profissional, de jardinagem para pessoas da terceira idade, de criação de hortas caseiras e projetos de reciclagem têm sido realizados ali. Além das estufas, há um moinho de vento, construído pelo irmão de Alfredo, Lorenzo Di Cunto, para gerar energia para a rega automática das hortas que serviriam aos moradores de rua. Sem o projeto social, é meramente decorativo.

A família Di Cunto opõe-se à venda da praça. “Como família e como moquense, lamento muito a venda. Temos a perda de uma das pouquíssimas áreas verdes que temos no bairro e de um espaço que pode servir para a melhoria social do bairro”, disse Marcos Di Cunto Jr., neto de Lorenzo, o construtor do moinho, sobrinho-neto de Alfredo e morador da Mooca desde que nasceu, há 31 anos. Os Di Cunto aos quais se refere são os que dão o nome à célebre confeitaria e empresa de gastronomia Di Cunto, presente na Mooca desde 1935, ano em que Alfredo, Lorenzo e mais alguns de seus irmãos deixaram a comuna de Campagna, na Itália, e se mudaram para o Brasil. Eles vieram para reabrir a padaria que seu pai, Donato Di Cunto, deixara no Brasil no final do século XIX, e, por sua representatividade no bairro, Alfredo, um ano após morrer, foi homenageado no nome dado à praça.

O projeto social inicial propunha que a Di Cunto levasse turmas de estudantes de escolas públicas ao local para aprenderem o processo do cultivo do alimento e, nas instalações da empresa, terem contato com a culinária. “Temos visto tantos empreendimentos imobiliários. Acho que é hora de pensar a cidade com calma, não com oportunismo em relação aos preços dos imóveis, mas levando em consideração a qualidade de vida das pessoas”, disse Marcos.