Para ONG, ação policial em área de consumo de crack em SP desarticulou ações de saúde e assistência social

Cidadãos usuários de crack se reúnem em região central de São Paulo reagem a operações policiais (Foto: CC/Serjão Carvalho/Flickr) São Paulo – A operação policial iniciada em parte da região […]

Cidadãos usuários de crack se reúnem em região central de São Paulo reagem a operações policiais (Foto: CC/Serjão Carvalho/Flickr)

São Paulo – A operação policial iniciada em parte da região central de São Paulo, frequentada por um grande número de jovens usuários de crack e outras drogas, no início desse ano, desarticulou as ações de saúde e assistência social que vinham sendo feitas na região por entidades assistenciais. A avaliação é de especialistas da organização não governamental (ONG) É de Lei, que faz desde 1998 um trabalho de redução de danos junto aos usuários de drogas.

Segundo o psicólogo e coordenador da ONG, Thiago Calil, nos últimos anos surgiram uma série de ações assistenciais às pessoas que fumam crack nas áreas próximas à Estação da Luz. “Nós últimos anos começou a crescer bastante [o trabalho]. Por muito tempo, era só a gente”, conta. Ele lembra ainda que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também começou, no fim de 2010, um programa de aproximação com as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade na região.

Na opinião de Calil, essas ações que buscam ganhar a confiança dos dependentes para que eles passem a se cuidar e eventualmente buscar tratamento, foram comprometidas com a ação policial desencadeada pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB). “Estava rolando alguma coisa que parecia ser um caminho mais interessante. Esse vínculo mais humano, com várias equipes. Mas isso se esvaiu totalmente”, lamenta.

Além disso, o psicólogo acredita que a ação policial ostensiva cria um clima pouco propenso para a aproximação com os usuários. “Tem quase uma agressão do Estado contra eles, fica uma coisa tensa”, ressalta.

Ele disse que também foi prejudicado o trabalho da É de Lei, que se aproxima dos usuários para incentivá-los a cuidarem de si mesmos, evitando contrair doenças e outros riscos relacionados ao crack. Para isso, a ONG distribuí insumos, como preservativos e piteiras de silicone, para evitar a transmissão de doenças com o compartilhamento dos cachimbos.

Com a dispersão dos viciados para outras áreas da cidade, após a ocupação das ruas pela Polícia Militar, Calil tenta agora reencontrar as pessoas com quem estabeleceu contato nos últimos anos. “Estou tentando achar as pistas para encontrar o pessoal, para não perder anos de trabalho que a gente veio construindo”.

Desde o começo da operação, a prefeitura contabiliza 2,3 mil abordagens feitas por agentes de saúde e 2,2 mil por agentes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. A atuação resultou em 436 encaminhamentos para serviços de saúde e 106 internações.

Para a diretora da É de Lei, Camila Alencar, os números não indicam que a operação tenha obtido sucesso nas ações de saúde. “As pessoas eram internadas antes dessa ação. Se você for ver a história dos usuários, a maioria sofreu pelo menos uma internação. Eles são internados e voltam”, disse.

Camila aponta outros problemas, como a falta de uma estrutura de acompanhamento após as internações. “Quando elas saírem, elas vão para onde?”, questiona. “Elas também podem se internar em um dia e sair em outro”, acrescenta.

De acordo com ela, os relatos dos usuários dizem ainda que existem dificuldades para acessar os serviços públicos de saúde e assistência social. “Eu ouvi dizer que o processo de cuidado está muito burocrático. Não são todos que vão  procurar (atendimento) que conseguem”, diz.