Estatística de homicídios em São Paulo despreza mortes decorrentes de roubos

Latrocínios crescem no estado e apesar das mortes, secretaria de Segurança Pública exclui número em estatística de crimes contra a vida

São Paulo – “Estatística é papel e os números da segurança pública não chegam à realidade dos fatos”, aponta a presidenta da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp), Marilda Pinheiro, sobre dados da Secretaria de Segurança Pública paulista que indicam queda no número de crimes contra a vida no estado.

Embora o órgão aponte queda de 12,2% no número de homicídios dolosos (cometidos com a intenção de matar) no primeiro semestre de 2011, em comparação com o mesmo período do ano passado, Marilda questiona a metodologia empregada pela secretaria, que deixa de registrar os latrocínios – roubos seguidos de morte – entre os crimes contra a vida. “Comemora-se que não está se matando tanto por homicídio e se esquecem que muita gente está morrendo por latrocínio, ou seja na mesma proporção”, diz. “A sociedade não quer saber a tipologia do crime, quer segurança pública, que é dever do Estado.” 

Segundo a assessoria de imprensa da secretaria de Segurança Pública, o fato de não incluir latrocínios entre os crimes contra a vida deve-se às diferentes motivações que levam às ocorrências. O órgão trata latrocínio como crime contra o patrimônio, embora haja morte de cidadãos. Nos seis primeiros meses do ano, houve dois mil crimes contra a vida (homicídios), em relação aos 2.278 de período equivalente do ano anterior.

De acordo com dados divulgados pela própria secretaria, os latrocínios cresceram 20% nos primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2010, quando passaram de 134 para 161 casos. O total de crimes violentos – homicídio doloso, roubo, latrocínio, estupro – em geral cresceu 1,9%, indo de 158.437 a 161.453 ocorrências. “Todos os dias, alguém é morto no seu estabelecimento comercial, na rua, em roubos de carro”, lista a presidenta da Adpesp.

Distorções

Os dados também são distorcidos por falta de atualização na tipificação das ocorrências, explica a delegada. Casos registrados inicialmente como desaparecimentos, após investigação podem se tornar homicídios, mas não há atualização no registro inicial, alerta. Outro caso é o de homicídio tentado que pode se tornar homicídio doloso com o falecimento da vítima. “Por vezes, a estatística é uma forma de tentar enganar a sociedade, mas no caso de segurança pública, é impossível, porque a sociedade sente a realidade”, dispara.

Ela credita os erros à falta de experiência dos gestores de segurança pública de São Paulo. “Quem cuida da segurança está fora da realidade social: anda de carro blindado. Tudo que a sociedade sente, quem comanda não está sentindo.”

As distorções nos dados, sugere a especialista, podem ser resolvidas com ações simples como mudanças de metodologia e atualização dos dados. “O estado tem condições. Talvez falte vontade política ou talvez seja para vender um dado falso que não corresponde à realidade”, adverte. Já a política de segurança pública precisa de investimentos maciços em recursos humanos e materiais. “A segurança pública de São Paulo está falida”,decreta.

Abandono

Dados da Adpesp indicam que a cada 15 dias um delegado pede demissão no estado. São Paulo é o 25º colocado no ranking de salários de delegados do país. Também faltam materiais nas delegacias. Entre os resultados da falta de verba destinada à segurança pública, as investigações criminais só ocorrem em casos de “clamor social”, descreve a delegada.

Neste ano, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) investiu, até agosto, apenas 11% dos R$ 470,2 milhões destinados à pasta, de acordo com dados do Sistema de Informação e Gerenciamento do Orçamento (Sigeo).

Os principais cortes ocorreram em programas de inteligência policial, reaparelhamento da polícia e de formação e capacitação dos policiais civis também foram afetados pela redução de investimentos. A inteligência policial perdeu R$ 20 milhões de orçamento, e até agosto teve 22,8% do orçamento utilizado. O reaparelhamento da polícia teve 11,7% de execução orçamentária e a capacitação de policiais civis executou 31,8% do valor destinado ao trabalho.