ONG critica ‘transmissão online de possível chacina’ no Rio

Ativista mostra preocupação com ação da polícia, motivada por 'sentimento de vingança'

São Paulo – A coordenadora da ONG Justiça Global, Camilla Ribeiro, alerta para o risco de abusos nas ações da polícia do Rio de Janeiro após os incêndios de veículos desde domingo (21) no estado. A preocupação é que a “grande resposta” anunciada pelo governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), seja orientada por  “sentimentos de vingança”. A ativista critica com ênfase a transmissão ao vivo, por emissoras de TV, das notícias da ação da polícia na Vila Cruzeiro, na zona norte da capital.

“A polícia age como se fosse questão de honra e tivesse de se vingar dos moradores de favelas”, alerta Camilla. “É muito preocupante e inadimissível que o Estado haja por motivação passional e não racional”, avalia. “A corrida e a transmissão online de uma possível chacina pela televisão assusta muito”, critica.

Para ela, ações como a realizada nesta quinta-feira (25) não têm “objetivo claro a não ser o extermínio de quem está correndo na mata”. Historicamente, neste tipo de situação, diz a ativista, ocorreram mortes e violações de direitos humanos. Ela cita a invasão do mesmo Complexo do Alemão em julho de 2007, às vésperas dos Jogos Pan-Americanos, e a reação policial à queda em outubro do ano passado. Na primeira ocasião, foram 19 mortes; na outra, 40 em dez dias.

Nesta quinta-feira, a investida policial na Vila Cruzeiro foi acompanhada por helicópteros de redes de televisão. A edição do jornal vespertino da TV Globo, o Jornal Hoje, e todas os programas de canais como a GloboNews, dedicaram-se a exibir imagens de suspeitos de ligações com o tráfico de drogas fugindo da chegada da polícia.

Por isso, a ativista teme uma chacina. “Há o extermínio em si e também há uma descaracterização da ação da polícia nesses casos. As evidências de execução são ocultadas ou não são levantadas na investigação. Além da chacina, há outras violações até após o assassinato, que precisam ser denunciadas”, detalha.

Resposta

Desde domingo, 55 veículos foram incendiados e 121 pessoas foram presas pela polícia no Rio. Há registros de 23 mortos. Tanto o governador Sérgio Cabral como o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, sustentam que as ações são ataques coordenados do crime organizado, em reação à política de segurança adotada pela gestão. A principal frente são as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), aliadas ao deslocamento de apenados de presídios do Rio de Janeiro para outros estados.

Camilla considera que não há elementos suficientes para se afirmar que se trata de uma resposta do crime organizado. Ainda que seja o caso, ela defende ações mais amplas e planejadas do que uma reação como a promovida nesta quinta. Ela cita policiamento preventivo, garantia de acesso a serviços básicos e políticas sociais, além de geração de oportunidades de trabalho.

Em relação às UPPs, a representante da ONG Justiça Global revela ter críticas ao conceito de pacificação, que pressupõe a necessidade de defesa do território e a legitimidade da ação policial, ainda que em padrões violentos. Ela acredita que a lógica da criminalização da população pobre não é totalmente contornada com as unidades, o que torna, em sua análise, o modelo distante do que seria desejável para um policiamento comunitário.

“No cotidiano, há controle total sobre hábitos, costumes e comportamento da população”, sustenta. “Muda também o enquadramento; apesar de não ter mais autos de resistência (assassinatos cometidos por policiais), ocorre o enquadramento criminal por desacato, desobediência, resistência à prisão”, compara. Camilla diz que há relatos de autoritarismo em relação a qualquer questionamento ou “não submissão”, o que incluiria festas e atividades culturais.