Prefeitura corta 4 mil vagas em albergues em SP; movimentos sociais e especialistas criticam

Câmara Municipal cria frente parlamentar para acompanhar situação dos moradores de rua. Para ativistas, política higienista do prefeito Gilberto Kassab acentua exclusão

Moradores de rua perderam 4 mil vagas em albergues no centro de São Paulo (Foto: Leroy Skalstad/Sxc.hu)

A possibilidade de não encontrar vaga em albergues para moradores de rua ou pessoas em situação de rua é cada vez maior em São Paulo, com o fechamento de seis albergues, extinção de 4 mil vagas e a restrição de acesso às vagas que restam.

A reportagem da Rede Brasil Atual acompanhou a acolhida (recepção) em dois albergues do centro de São Paulo no fim da tarde da terça-feira (15). Ouviu moradores de rua que temem ficar sem lugar para dormir, se alimentar, tomar banho e lavar roupa. “A gente não ‘tá’ aqui porque quer. Eu desencontrei da minha família em Santos, vim parar em São Paulo e fiquei sem ter para onde ir”, lamenta Raimundo, de 20 anos.

Jessé, de 27, há onze meses nas ruas da capital, espera sua vez para tentar uma pernoite no albergue, mas já adianta que muitas vezes dorme na rua por falta de vagas. “Aí, só ‘turbinando’ pra aguentar frio, chuva, barulho, trânsito, gente passando, polícia, sabe como é, né?”, exclama, referindo-so ao consumo de bebidas alcoólicas.

“Pior mesmo é quando eles [do albergue] chamam a polícia pra bater na gente, porque ficamos aqui no viaduto. A gente sabe que o prefeito não quer que se veja morador de rua no Centro”, descreve. Às 19h30, Jessé ainda não havia conseguido um lugar para passar a noite e se alimentar.

Alex, 43 anos, veste roupas limpas, tem debaixo do braço uma bolsa pequena, semelhante às de uma academia de ginástica, na qual guarda suas roupas. Ele trabalha durante o dia e procura o albergue à noite, por falta de condições de manter uma moradia. Segundo ele, a apreensão entre a população de rua é grande, principalmente nos últimos meses, desde que surgiram informações de que a prefeitura vai restringir o acesso a albergues em toda a cidade.

morador de rua

Ele expressa grande preocupação, porque acredita que vai conseguir um lugar para ficar em breve mas, até lá, precisa do albergue. “Eu vou ter moradia logo. Mas preciso de lugar pra dormir, pra não desandar tudo”. Alex explica que é muito difícil conseguir emprego sendo morador de rua, por isso é preciso um lugar “pra tomar banho, cuidar da roupa, dormir, ter algo no estômago”.

De acordo com Robson Cesar Correia de Mendonça, ex-morador de rua e coordenador geral do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, cerca de 20 mil pessoas estão em situação de rua na capital. Problema que tente a piorar, caso a prefeitura realmente imponha novas regras para acesso aos albergues. “Temos informações de que só deficientes físicos e pessoas com mais de 60 anos vão ter atendimento”, afirma. “Serão mais 4.500 pessoas dormindo nas ruas diariamente”, avalia.

Desmonte

“Estamos vendo um desmonte lento dos serviços de assistência social para a população de rua e crianças”, afirma Alderon Pereira da Costa, editor do jornal ‘O Trecheiro’, que retrata a situação de moradores de rua.

“Sabemos que a Secretaria Municipal de Assistência Social vai soltar uma portaria com nova regulamentação para o atendimento à população de rua. E nela estariam sérias restrições para utilizar albergues, por exemplo”, cita Costa. Segundo ele, o abrigo mantido pela Associação Evangélica Brasileira, na Avenida Brigadeiro Luís Antonio, onde estão 83 pessoas, entre elas 33 crianças, já foi formalmente comunicado de fechamento.

Entretanto, ainda não há um lugar para transferir as pessoas. “É um equívoco muito grande desse governo [Kassab]. Ele está fragilizando a assistência social e usando a PM [Polícia Militar] e a GCM [Guarda Civil Metropolitana] para expulsar os moradores do centro. Quem fica sofre violência”, denuncia.

O vereador Chico Macena (PT-SP), em entrevista à Rede Brasil Atual, condenou as ações da prefeitura em relação aos moradores de rua. “A prefeitura fechou seis albergues na região central de São Paulo e está fazendo tudo para mandar os moradores de rua para a periferia. É um erro, porque a sobrevivência deles está relacionada a pequenos trabalhos no centro de São Paulo”, dispara. “Não adianta albergue na periferia”. Segundo Macena, só no centro da capital foram fechadas 4 mil vagas em albergues.

O desmantelamento da estrutura de assistência social e a falta de assistência à população de rua levou a Câmara Municipal de São Paulo a criar uma Frente Parlamentar em Defesa da População de Rua.

A ideia é discutir os problemas dos moradores de rua. “Nós temos uma legislação municipal que estabelece política de acolhimento, atendimento na área de saúde, psicológica, atendimento a drogadito e uma política para retirar a população da situação de rua, dando condições com políticas de geração de renda”, explica Macena.

Entretanto, a legislação está sendo descumprida e os moradores estão desassistidos, afirma o parlamentar. “Tivemos situações recentes em que a prefeitura mandou jogar água nos moradores de rua no Centro. Colocaram ferro no meio dos bancos para impedir que as pessoas dormissem. Estão fechando albergues. Isso não é política pública”.

Mendonça, do Movimento Estadual de População em Situação de Rua, denuncia que a PM passará a prender os moradores de rua que estiverem deitados ou dormindo nas calçadas, com base na antiga ‘lei da vadiagem‘. “A partir de janeiro, quem estiver dormindo na rua será  preso”.

Sem política pública

Restrições são ruins para moradores

A professora Titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), Aldaiza Sposati, lamenta a falta de política pública da cidade de São Paulo para a população em situação de rua. Se forem confirmadas as restrições à assistência dos moradores de rua, “é preciso denunciar ao Ministério Público”, avalia. “Isso seria uma agressão a Loas (Lei Orgânica de Assistência Social) e a Lei Municipal 12.316/97”.

Falando à Rede, Aldaiza criticou a atuação da secretária Municipal de Assistência Social – que também é vice-prefeita da capital – Alda Marco Antonio (PMDB). “A secretária tem dificuldade de condução da assistência social do município. Ela não fica atenta às necessidades da área. Fica mais no gabinete da prefeitura”.

Outro problema, segundo ela, é a administração do prefeito Gilberto Kassab (DEM) tratar a política de assistência social como se fosse uma política do PT. “É ruim a condução da política [de assistência social] do município”, analisa.

Apesar do baixo investimento na área, a prefeitura chega a devolver recursos para o governo federal. “Eles não conseguem fazer a gestão dos recursos. São displicentes porque seria uma política do PT”, aponta.

Em novembro, os trabalhadores da assistência social chegaram a realizar um protesto em frente ao gabinete do prefeito contra cortes de verbas para o setor. A administração de Gilberto Kassab (DEM) não concede reajuste aos convênios firmados com organizações sociais há três anos.

Na ocasião, o padre Jaime Crowe, presidente da ONG Sociedade dos Santos Mártires, reiterou que o protesto foi um “grito de desespero das entidades”.

O orçamento aprovado na Câmara Municipal de São Paulo, na terça (15), prevê cerca de R$ 316 milhões para a assistência social, mais R$ 431 milhões do Fundo Municipal específico para a área. Mas para o Fórum de Assistência Social da Cidade de São Paulo o setor precisa receber em torno de R$ 1,5 bilhão para atender à demanda. O valor que a prefeitura deverá dispor para assistência social é de 50% do necessário.

A administração dos albergues procurados pela reportagem afirmaram que a área está passando por reformulações com o fechamento de diversas unidades, mas não há deliberação formal da prefeitura indicando restrições ao atendimento de moradores de rua.