Secretaria da Justiça de São Paulo é contra política de cotas raciais no estado

Coordenador de Políticas Públicas para a área, Antônio Carlos Arruda, critica projeto que estabelece vagas para negros, indígenas e deficientes em universidades paulistas

No lugar das cotas, coordenador defende sistema de pontuação para ingresso nas universidades (Foto: Secretaria da Justiça de São Paulo)

São Paulo – A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo vai propor ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) – e à sua base aliada na Assembleia Legislativa – que derrube qualquer tentativa de transpor para o estado a política de cotas raciais praticada pelo governo federal e outras unidades da federação.

Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF), em votação histórica, foi unânime em afirmar a constitucionalidade do sistema de cotas, negando procedência a uma ação do DEM protocolada em 2006. A decisão deu novo ânimo aos deputados estaduais que, na Assembleia paulista, tentam transformar em lei estadual essa bandeira do movimento negro.

O mais recente projeto, do deputado Luiz Claudio Marcolino (PT), tramita na Casa desde maio. Estabelece cotas nas faculdades e universidades púbicas estaduais para negros, indígenas e portadores de deficiência. Lideranças do movimento trabalham para que a proposta seja votada antes do recesso parlamentar.

Mas Antônio Carlos Arruda, responsável pela Coordenadoria de Políticas Públicas para a População Negra e Indígena de São Paulo, ligada à Secretaria, avisa que dará parecer desfavorável. Embora se assuma como defensor das políticas afirmativas, ele rejeita a ideia de cotas, na qual vê um viés político-partidário. “Pode ao invés de beneficiar, prejudicar”, diz. Arruda defende um sistema diferente, de pontuação, já aplicado na Unicamp e em escolas técnicas. 

Leia abaixo a entrevista.

A política de pontuação acrescida para afrodescendentes tem alguma relação com o sistema de cotas raciais?

A política de pontuação não é cota. Essa é a diferença e isso que nos coloca em rota de confronto com o entendimento que se tem tido sobre o tema.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), tramita o Projeto de Lei (PL) 321, de 2012, de autoria do deputado Luiz Claudio Marcolino. Ele estabelece porcentagem de cotas para negros, indígenas e portadores de deficiência, para o acesso às faculdades e universidades públicas no estado. Como o governo do estado reagirá frente a esse PL?

Primeiramente, eu não estou falando em nome do governo do estado, mas sim da Coordenadoria e da Secretaria da Justiça do Estado. A secretaria, através de um trabalho elaborado na coordenação, indica ao governador Geraldo Alckmin, que em vez de adotar uma política de cotas rígidas no serviço público – com percentual e fechada – crie a política de pontuação acrescida, semelhante ao que é feito no Centro Paula Souza e na Unicamp.

Explique um pouco sobre essa proposta.

Em 2005, essa política de pontuação acrescida para negros e oriundos do ensino público (Decreto 49.602), foi aplicada nas Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) e Faculdades de Tecnologia (Fatecs), nos cursos ligados ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza.

No sistema de cotas, há vagas estabelecidas para os que se autodeclararem negros ou indígenas e eles estarão dentro de uma quantidade específica de vagas. Com cotas, eu limito o máximo que uma pessoa pode entrar. No sistema de pontuação acrescida que propomos, não há isso. O sujeito terá oportunidade de concorrer a todas as vagas e quando ele se autodeclarar negro ou indígena – terá 3% a mais na sua nota. E se além de ser negro ou indígena, ele tiver feito a sua preparação na rede pública de ensino, ele terá mais 10%. Então se contempla o critério social e na nota final dessa população, ela terá 13%.

A existência dessa política de pontuação em outros lugares trouxe avanços efetivos para o povo negro e indígena?

No Centro Paula Souza e nos cursos superiores das Fatecs, não temos tido percentual de negros e pobres que entram, de menos de 20%. Tem sido de 22% a 24%, desde 2006. Diferente da USP, por exemplo, onde existe 4% de negros, contando os africanos.

E os resultados na Unicamp?

A Unicamp aplica um sistema parecido e lá também os números são altamente positivos. São 8% e 9%, além da porcentagem dessa população que eles já tinham na universidade.

Voltando ao PL 321/12, nesse momento em que ele está em tramitação. Quais são as críticas?

O projeto de lei passará por aqui para um parecer nosso. Nós entendemos que ele restringe e que pode ao invés de beneficiar, prejudicar. Porque além das cotas na universidade, onde há autonomia universitária e nós não interferimos nela, esse projeto inclui também os concursos para o serviço público. Então, ele prejudica porque hoje, eu já tenho 23% de não brancos no serviço público estadual que se autodeclara. Quanto é que um Projeto de Lei desse pode estipular? A população negra do estado de São Paulo é de 35%. Na melhor das hipóteses, se o deputado for muito bom e respeitado entre os seus colegas, ele vai conseguir fazer um projeto de 30%.

E quais as contradições principais que se apresentam junto ao movimento negro?

O movimento negro primeiro parte do princípio das cotas. Então, ainda não conseguimos estabelecer uma solução para isso, mas vamos conversar com quem estiver disposto a conversar conosco.

Como se coloca o movimento negro, em São Paulo, que está a favor das cotas étnico-raciais e não do sistema de pontuação?

É o seguinte, eles estão baseados na lei estadual 3.708/01, que instituiu o sistema de cotas raciais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), feita pelo (governador) Sérgio Cabral e, agora, pelo (prefeito) Eduardo Paes. Eles têm como base o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 2010), que recomenda a governos e municípios a adoção de politicas públicas para essa população.

O movimento negro, em São Paulo, está achando o máximo. Mas 20% de cotas para negros, o prefeito de Jundiaí já havia criado em 05 de fevereiro de 2005. Em Cubatão e Piracicaba, também existe 20% de cotas para negros. Isso é uma discussão de quase uma década. Essas cotas funcionam, mas você limita. Então, ou eu aceito concorrer como cotista dentro dos 20% ou me sujeito a ser atropelado por quem teve uma preparação na rede particular de ensino, nos outros 80%.

Em relação a isso, quais são os contra-argumentos do movimento negro pró-cotas?

Não tem um argumento, ao menos ninguém apresentou nada para mim. Na verdade, a maioria das ações até agora, do movimento negro, têm sido mais levadas pela questão político-partidária, do que pelo raciocínio frio. Mas olha, precisamos deixar claro que nós não somos contra ações afirmativas, achamos que deve existir uma política de atendimento específica para negros e indígenas.

A Coordenadoria de Políticas Públicas, mesmo sem poder interferir na autonomia das universidades, nesse momento em que há duas ou mais propostas em jogo, opina o quê sobre a USP, a Unesp e a Unicamp?

A Unicamp precisa ampliar o sistema de pontuação que possui. A USP e a Unesp precisam criar algum projeto e a coordenação incentiva a essas universidades a adoção de algum procedimento de ação afirmativa, de inclusão de negros e indígenas. E que seja de verdade, porque o Inclusp (Programa de Inclusão Social da USP) não inclui nada.

Em audiência pública na Assembleia, no dia 22 de maio, representantes das USP, Unicamp e Unesp reafirmaram que não pretendem implantar a política de cotas. Por que essas universidades são tão resistentes à criação de medidas inclusivas?

Porque essas universidades são espaços conservadores da burguesia, branca e brasileira. Esse é o verdadeiro BBB no país. A USP é um vexame.

Alguns grupos contrários a políticas étnico-raciais de inclusão, especialmente as cotas, afirmam que essas ações deveriam existir apenas para pobres e não para negros ou indígenas.

Isso é um sofisma dessa burguesia branca. A pobreza no Brasil tem cor. Pobre e negro são sinônimos. Assim como indígena e pobre também são.

Mais alguma consideração?

No Brasil, na década de 60, foi criada a chamada “Lei do Boi” (5 5.465, de 3 de julho de 1968), num período de ditadura, que dava aos filhos dos fazendeiros, aos produtores rurais, vagas nas escolas superiores agrícolas. Agora eles são contra as cotas raciais. Eles nunca reclamaram dessas cotas, porque o produtor rural é branco. E agora, por que é que reclamam?

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