Comissão de Anistia lamenta declaração de Serra sobre crimes da ditadura

Em encontro a portas fechadas com militares, tucano afirmou que seria um equívoco a tentativa de revisão da Lei de Anistia

São Paulo – O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, lamentou as declarações do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, que em encontro com militares afirmou que a discussão sobre a punição de torturadores da ditadura militar (1964-85) é um equívoco. A afirmação ocorreu na sexta-feira (27), no Rio de Janeiro.

Abrão considera que o teor do discurso, feito a portas fechadas com militares e revelada pela reportagem de Rede Brasil Atual, é fruto da conveniência do momento eleitoral para “não querer enfrentar diretamente um assunto que é tão caro para nossa sociedade”.

“Não é possível que nenhum pretendente a ocupar o primeiro cargo da nação ignore os tratados e as convenções internacionais de direitos humanos, que dizem o contrário. Equivaler torturados com torturadores é ignorar a perspectiva dos direitos humanos.” – Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

Serra, exilado durante o regime, atribuiu a setores do governo federal a tentativa de discutir o passado. “Reabrir a questão da anistia para mim é um equívoco porque a anistia valeu pra todos e ao meu ver não é algo que deveria ser reaberto. Uma coisa é ter conhecimento do que aconteceu etc. Outra é a reabertura dos processos que, aliás, pegaria gente dos dois lados”, disse.

Paulo Abrão discorda veementemente da análise do candidato, apontando que não é possível a comparação entre os que resistiram à violação dos direitos humanos e os que se apropriaram do Estado para cometer as violações. “Não é possível que nenhum pretendente a ocupar o primeiro cargo da nação ignore os tratados e as convenções internacionais de direitos humanos, que dizem o contrário. Equivaler torturados com torturadores é ignorar a perspectiva dos direitos humanos.”

O presidente da Comissão de Anistia avalia que é preciso aproveitar o momento para eleger, no Congresso, uma bancada alinhada à revisão da Lei de Anistia. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, no último mês de abril, que a Lei 6.683, de 1979, foi fruto de um amplo processo de acordo, não havendo, portanto, necessidade de rever o tema, dando possibilidade à punição de torturadores. Com isso, restou aos familiares de mortos e desaparecidos tentar a mudança pelo Legislativo.

“Essa luta pelos direitos da transição política tem de ser feita por dentro da democracia. Não vai ser possível ter uma sociedade que respeite a verdade e que implemente ações que possam suscitar os organismos de Justiça em favor da proteção judicial das vítimas do passado se não houver também a formação de uma consciência que esteja expressada no Congresso Nacional”, avalia Abrão.