Com plebiscito, movimentos sociais pressionam por limite de terra

Brasil ainda é o segundo país com maior concentração de terra do mundo

Caso a mudança seja efetivada, 3,6 mil propriedades seriam afetadas (Foto: Divulgação)

São Paulo – Para pressionar o Congresso a estabelecer um limite para propriedades rurais e ampliar as possibilidades de reforma agrária, movimentos sociais promovem um plebiscito popular nacional. A coleta de votos ocorre de 1º a 7 de setembro em todos os estados mais o Distrito Federal, por meio de comitês em universidades, sindicatos e comunidades religiosas ligadas às 50 entidades engajadas na mobilização. O encerramento da coleta de votos coincide com o 16º Grito dos Excluídos, mobilização promovida pela Pastoral Social, ligada à Igreja Católica no Brasil. 

A Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade de Terra defende que se estabeleçam limites distintos para cada região do país, de 30 a 70 hectares (ver quadro abaixo). Isso porque, o teto definido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é de 35 módulos fiscais, que variam de acordo com cada unidade da federação. Se a mudança for efetivada, 3,6 mil propriedades rurais seriam afetadas, segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR).

Gilberto Porter, secretário executivo do Fórum Nacional da Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), que promove a campanha, explica que a concentração de terra no país é um problema que vem desde a época da escravidão. “Existe uma grande massa de camponeses e trabalhadores que são expulsos e não têm direito ao acesso da terra como sobrevivência”, sustenta. “Estabelecer o limite da terra significa gerar emprego”, avalia.

Segundo dados do censo agropecuário de 2006, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pequenas propriedades geram, em média, 17 empregos diretos a cada 100 hectares, enquanto grandes fazendas correspondem a 1,4 postos na mesma área.

Além do emprego, Porter acredita que uma melhor produção vai oferecer à população uma alimentação de qualidade. Isso porque a produção das grandes propriedades, geralmente voltadas à monocultura, implicam em grandes quantidades de insumos químicos para a produção. “Na monocultura são aplicados, por ano, em torno de 750 mil litros de agrotóxico nas áreas de terra, enquanto a pequena e média propriedade têm uma produção mais ecológica e saudável”, compara.

Dirceu Fumagalli, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), integrante do FNRA, considera que o plebiscito é um instrumento importante no debate público. “Nós (sociedade) temos de criar dispositivos para que seja modificada a forma como está colocada a reforma agrária na Constituição”, declara.

O artigo 186 da Constituição Federal, que trata da função social da terra, não estabelece um teto para a área para uma propriedade. O texto dispõe que a propriedade rural deve atender a critérios de aproveitamento racional adequado, utilização regular dos recursos naturais e observância das relações de trabalho. O limite de propriedade de terra no Brasil constava na lei que criou o Estatuto da Terra, em 1964, mas nunca chegou a ser aplicado. Pelo estatuto, o latifúndio poderia ser objeto de desapropriação, embora o país nunca tivesse claramente o limite do tamanho que as propriedades rurais pudessem alcançar.

O voto

As urnas serão colocadas em comitês regionais, sindicatos, comunidades religiosas, entre outros locais. Também serão coletadas assinaturas por meio de um abaixo-assinado na internet.

A divulgação deve ser feita ainda nas redes sociais na internet e nos comitês regionais distribuídos pelos estados.

Para votar, o participante preenche uma cédula em que opina se é favorável ou não a se estabelecer limite máximo ao tamanho das propriedades rurais.

Após o plebiscito, está previsto o envio de proposta de emenda constitucional junto das assinaturas para o Congresso.

O professor titular de Geografia Agrária da USP, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, explica a propriedade de terra é diferente da de um automóvel, por exemplo. Apesar de alguém poder ter domínio absoluto sobre seu carro, isso não pode ocorrer em relação a uma área rural. “A terra tem de produzir, cumprir legislação trabalhista e ambiental”, afirma.

Índices de produtividade

O Brasil é um dos países com maior concentração latifundiária no mundo. Para Umbelino, “não tem cabimento uma propriedade situada entre o Amapá e o Pará ter 5 milhões de hectares, que seja maior que Sergipe e vários países da Europa”. Ele refere-se à região de Jari (AP), um dos locais com maiores propriedades. O pesquisador lembra que dados do Incra indicam que as médias propriedades têm maior produtividade nessa região, além de 120 milhões de hectares de áreas improdutivas.

O cenário coloca a necessidade de atualização dos índices de produtividade de terra, uma das bandeiras defendidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). José Batista de Oliveira, membro da coordenação geral do MST, acredita que o plebiscito pelo limite de terra complementa o debate colocado pelos ativistas. “A votação trata de limitar o tamanho das propriedades, porque está fora de controle. Com essa perspectiva, possibilitaríamos a distribuição para muitas pessoas que querem viver e produzir no campo”, avalia. “É uma questão de justiça social”, opina.

Para mais informações, consulte o manual do plebiscito, no site oficial da campanha.

Limite de propriedade por estado

ESTADO MÓDULO MÁXIMO
(em hectare)
MÓDULO MÍNIMO
(em hectare)
MAIS FREQUENTE
(em hectare)

Região Norte

 

 

 

Rondônia

60

 

60

 

60

 

Acre

100

 

70

 

100

 

Amazonas

100

 

10

 

100

 

Roraima

100

 

80

 

80

 

Pará

75

 

5

 

70

 

Amapá

70

 

50

 

70

 

Tocantins

80

 

70

 

80

 

Região Sul

 

 

 

 

 

 

Rio Grande do Sul

40

 

5

 

20

 

Santa Catarina

24

 

7

 

20

 

Paraná

30

 

5

 

18

 

Região Nordeste

 

 

 

 

 

 

Maranhão

75

 

15

 

70

 

Piauí

75

 

15

 

70

 

Ceará

90

 

5

 

55

 

Rio Gr. do Norte

70

 

7

 

35

 

Paraíba

60

 

7

 

55

 

Pernambuco

70

 

5

 

14

 

Alagoas

70

 

7

 

16

 

Sergipe

70

 

5

 

70

 

Bahia

70

 

5

 

65

 

Região Sudeste

 

 

 

 

 

 

Minas Gerais

70

 

5

 

30

 

Espírito Santo

60

 

7

 

20

 

Rio de Janeiro

35

 

5

 

10

 

São Paulo

40

 

5

 

16

 

Centro Oeste

 

 

 

 

 

 

Mato Gr. do Sul

110

 

15

 

45

 

Mato Grosso

100

 

30

 

80

 

Goiás

80

 

7

 

30

 

Distrito Federal

5

 

5

 

 

 

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