Deputado espera vencer resistência ruralista para anistiar sem-terra

Vieira da Cunha (PDT-RS) considera que parecer que dá liberdade a trabalhadores rurais e a policiais por massacre ocorrido em 1995 em Rondônia tem plena condição de ser aprovado; OAB elogia

Vieira da Cunha acolheu a sugestão do ruralista Moreira Mendes e espera ver o projeto votado rapidamente (Foto: Gustavo Lima. Agência Câmara)

São Paulo – O deputado federal Vieira da Cunha (PDT-RS) espera que seja votado rapidamente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara o Projeto de Lei 2.000, de 2011, que concede anistia aos condenados pelo Massacre de Corumbiara, promovido em 1995 por policiais militares e pistoleiros na cidade do leste de Rondônia. Em parecer apresentado no final de março, o parlamentar acolhe a ideia de dar anistia também aos agentes de segurança acusados de participação no episódio, e não apenas aos trabalhadores rurais sem-terra. 

“Apresentamos um parecer favorável à concessão da anistia, mas a anistia se limitava aos trabalhadores rurais envolvidos naquele episódio”, explicou, em entrevista à TVT, na qual manifestou que há um “clima favorável” à aprovação do texto, de autoria do deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Foram condenados dois sem-terra, apontados como líderes da ocupação, e três policiais. 

Antes do novo parecer, o deputado Moreira Mendes (PSD-RO) havia apresentado manifestação em separado na qual se colocava contra a anistia argumentando que os policiais agiram em legítima defesa, ao passo que os sem-terra, a quem chama de “posseiros invasores”, infringiram a lei. “Desta feita, à aprovação deste projeto é incentivar a prática de invasão de terras em todo o país, principalmente abrir precedente para que outros membros de ‘Movimentos’ que se unem para invadirem terras pratiquem crimes e depois utilizem desta respeitável Casa de Lei para que sejam anistiados. Ninguém está acima da Lei”, diz o parlamentar, que indagou qual o motivo de não se absolver também os policiais. 

“Nós, então, resolvemos refletir sobre nosso parecer e fizemos uma complementação de voto e apresentamos uma emenda na qual estendemos a anistia a todos os envolvidos”, responde Vieira da Cunha. “Com isso nós entendemos que agora o projeto está em condições de ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, e esperamos que isso ocorra em breve.”

A inclusão dos policiais se deu a pedido da família de um dos sem-terra acusados pelo massacre. Claudemir Ramos considera-se um “foragido da injustiça” porque se recusa a cumprir a pena de oito anos e seis meses de reclusão, que considera um erro do Tribunal de Justiça de Rondônia, ratificado em 2004 pelo Superior Tribunal de Justiça. “Não se prova nada. Ninguém prova que eu estava armado. Fui torturado, saí de lá como morto, no caminhão de defunto”, diz.

Na madrugada de 9 de agosto de 1995, policiais acompanhados de pistoleiros invadiram a Fazenda Santa Elina, quebrando acordo firmado horas antes com os sem-terra, que esperavam uma resposta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para decidir se deixariam a área. Depois de dominados os trabalhadores rurais, os agentes de segurança passaram a promover torturas, estupros e assassinatos. 

Claudemir foi acusado pelo Ministério Público Estadual de formação de quadrilha e cárcere privado. A promotoria considerou à época que ele e Cícero Pereira Leite, condenado a pena de seis anos e dois meses de prisão, obrigaram as 2.300 pessoas que participavam da ocupação da Fazenda Santa Elina a permanecer no local, privando-as dos documentos pessoais. A acusação tomou como base a investigação promovida pela Polícia Militar, envolvida diretamente no episódio, que teve oficialmente doze mortos – dez trabalhadores e dois policiais. 

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, Martim de Almeida Sampaio, compartilha da visão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que em audiência no mês de março afirmou que o projeto de anistia é legal. “O projeto está bem-estruturado. O projeto é bom, é regular, é constitucional. A justificativa articulando a fundamentação dos direitos humanos com o plano nacional e o plano internacional, e a necessidade de não criminalizar o movimento social, foi isso que me chamou mais atenção”, diz. 

“No Brasil só há justiça para pobre, negro, homossexual, e para os grandes empresários não há justiça”, queixa-se Claudemir. Acusado inicialmente de ser o mandante do crime, o fazendeiro Antenor Duarte, dono de uma fazenda vizinha à Santa Elina, não chegou a ser levado a julgamento. Além dos dois sem-terra, os policiais Vitório Regis Mena Mendes, Daniel da Silva Furtado e Airton Ramos acabaram condenados. “Queria me dirigir aos senhores deputados, ao Poder Judiciário, à presidente Dilma, à ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que analisassem mesmo, que pegassem firme porque vão descobrir que no processo de Corumbiara só tem justiça a favor dos fazendeiros”, apela Claudemir, hoje com 40 anos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu um relatório no qual afirma que o caso estava repleto de ilegalidades. Porém, como fato, investigação e julgamento se deram antes da entrada do Brasil no sistema interamericano, o processo não pôde ser remetido à Corte Interamericana. “Proceder a uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, por entidades que não sejam militares, que determine e puna a responsabilidade de todos os autores materiais e intelectuais, tanto militares como civis”, assinalou o relatório final.

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